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Inferno

É perfeitamete justo chamar de “inferno” qualquer época da vida. Infância, adolescência, casamento, separação, viuvez, etc. Existem processos pelos quais não passei – e nem pretendo – mas é possível exercitar a empatia para captar sua beleza e seus desafios. Um deles é o puerpério. Por certo que os pais também passam por um processo transformativo, mas em nada se compara ao turbilhão psíquico, social, hormonal e espiritual que acontece com as recém-mães. Meu pai sempre dizia que “onde há dificuldade há grandeza”, e isso se aplica a essa etapa da vida.

Eu fiz o Caminho de Santiago há 6 anos e poderia, dependendo do interesse e do contexto, chamá-lo de “inferno” ou “paraíso”. A forma como nos referimos a esses processos diz muito mais sobre nós mesmos do que sobre os eventos em si. Podemos olhar para as bolhas nos pés, as dores no joelho, as costas doloridas, as noites mal dormidas, os músculos esmigalhados e o cansaço e descrever como o reino de Hades. Por outro lado podemos olhar para as paisagens, os amigos, os companheiros de jornada, os novos parceiros, a vitória sobre os próprios limites e depois lembrar desta travessia como um dos momentos mais preciosos da vida. Somos nós quem determinamos…

Da mesma forma você pode olhar para o puerpério e dizer que se trata de um período infernal pelas inseguranças, pelas noites mal dormidas, pela angústia de não ser uma boa mãe, pelo medo de não cumprir as expectativas, pelo corpo desengonçado, pelo bebê sem limites e pelo seu choro sem hora e sem resposta. Por outro lado é possível olhar para as semanas que se seguem ao parto como o momento mais grandioso da vida de uma mulher, pela comunhão de corpos e almas, pela tarefa milenarmente construída da maternagem, pelas vitórias sobre seus limites e pela compreensão da grandeza da missão. É uma escolha.

Isso não significa negar as dificuldades e a complexidade dessa fase, mas apenas enxergá-las dentro de um contexto. Todas as funções maternas são encenadas em microcosmo no puerpério: paciência, confiança, resiliência, dedicação, e tantas outras, por isso ele é tão valioso na tarefa que ali se inicia e só termina com a morte física. Sim, pode ser inferno, mas pode ser paraíso se assim o desejarmos. Se a maior tarefa de uma mulher é ensinar seu filho a amar, e se essa pedagogia se inicia nos primeiros instantes em que ele desce à terra, seria injusto que a função mais nobre do feminino fosse descrita de forma tão restritiva, comparando-a à passagem pelo reino da solidão e do medo. Ela é muito mais do que isso; para além do que se pode expressar em palavras.

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Dinheiro e Felicidade

Discordo com veemência da visão que associa dinheiro à felicidade, mas aviso que isso nada tem a ver com uma “elegia à simplicidade” ou uma objeção simplória ao consumo. Não bastassem os exemplos de ricos com vidas miseráveis e de populações inteiras que são felizes com o pouco que têm, também há que entender a diferença brutal entre “necessidades” e “desejos”. Os primeiros nos garantem a vida e são simples e finitos; já os segundos são eternos e imortais incapazes de oferecer a completude que ilusoriamente neles buscamos.

Associar “falta de dinheiro” com infelicidade é pura tolice; confundir a escassez do dinheiro com “pobreza”, também. Privar pessoas de suas necessidades produz sofrimento e miséria humana, entretanto, tentar encher o poço sem fundo dos desejos imaginando atingir felicidade e plenitude não passa de uma ingenuidade catastrófica. É um erro “romantizar a pobreza”, por certo, até porque não há nada de moralmente elevado em ser a ponta oprimida e explorada do capitalismo. Por outro lado, imaginar que o dinheiro é capaz de produzir mais felicidade quando se ultrapassam os limites das necessidades humanas é oferecer a ele uma tarefa que é incapaz de cumprir. Para quem acumula dinheiro com o objetivo de ser feliz apenas digo que “são tão pobres que tudo o que possuem não passa de dinheiro”.

Prefiro citar o pensador romano Sêneca, quando diz que “a pobreza não se produz pela escassez de recursos, mas pela multiplicidade dos desejos”. Quanto mais se tem, mais o desejamos, e assim indefinidamente, produzindo uma reversão cruel: ultrapassado um certo volume é o dinheiro quem nos possui, e não nós a ele.

Albert Mahooney, “Ten tips for a life in the jungle”. Ed. New Frontier, pág. 135

Albert Mahooney é âncora de televisão Denver 7, no Castle Rock News nos Estados Unidos. Escreve também em jornais locais em sua cidade Natal, Castle Rock, Colorado-USA. Escreve para jornais da região, em especial sobre política e cultura. Suas colunas foram transformadas em livro com o nome de “Ten tips for a life in the jungle” (Dez dicas para a vida na Selva).

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