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Trombadinha

As atuais descobertas da Polícia Federal mostram de forma inequívoca o que algumas pessoas à esquerda do espectro político denunciavam há muito tempo: durante quatro longos anos fomos governados por um reles trombadinha. Sim, tivemos à frente de um país gigante um ladrãozinho minúsculo, um escroque que passou anos preocupado em fazer pequenos furtos, subtraindo o erário público de bugigangas recebidas como presentes. Sim, ainda há que se desvendar os grandes roubos e as denúncias de propriedades em nome de laranjas nos Estados Unidos, mas a avidez para roubar tudo o que estivesse ao alcance da mão é uma descoberta brutal e chocante. E o roubo daquilo que foi ganho de ditadores árabes apenas desvela os crimes menores, pois que o crime maior – a corrupção que teve nas joias o devido pagamento – ainda não foi devidamente investigado. A sensação natural diante destas últimas notícias é a mais profunda vergonha.

Sim, inevitável vergonha. Imaginem o constrangimento de saber que um país como o Brasil, de 200 milhões de habitantes, com riquezas imensas, um povo sofrido e uma história complexa e grandiosa foi governado por um farsante, um mísero estelionatário com um discurso francamente fascista. Atrás dele, a lhe dar suporte, uma horda de fanáticos, zumbis contaminados por um discurso anticomunista desenterrado da guerra fria, enfeitado por palavras de ordem que evocam o fascismo mais rasteiro.

Que vergonha, que vexame. Tive amigos que, por ódio ao Lula e ao PT – o que no fundo escondia uma rejeição à qualquer ameaça de justiça social – até ontem defendiam Bolsonaro, tratando-o como “injustiçado”, “cavaleiro de Deus”, enviado para nos livrar da famigerada “ameaça comunista”. São os mesmos que ainda hoje, chamam os celerados que em janeiro invadiram Brasília de “patriotas” afirmando que o golpe foi planejado pelo PT para derrubar o governo… do próprio PT. Como podem explicar agora essa rede de roubalheira rasteira, que agia nos porões do Palácio, envolvendo inclusive – sem surpresa – a nata da mediocridade militar. Como justificar agora que o combate ao “Estado Inchado”, outra rotunda falsidade, precisava de uma figura como este escroque racista e canalha? Como explicar as delações do “hacker de Araraquara” que demonstram o interesse do antigo governante de fraudar o resultado das eleições e de envolver o STF nas suas artimanhas?

Por quanto tempo ainda teremos que aceitar um país atrelado a estes monstros travestidos de anjos de Deus, cujos crimes são cometidos sob a égide da proteção da família e da Pátria? Até quando estes militares corruptos e ineptos vão ameaçar nossas aspirações democráticas? Quanto ainda teremos que esperar até que se desmanchem as redes criminosas de igrejas evangélicas e seus líderes estelionatários? Até onde vamos aceitar a máfia do sistema econômico escravizando o povo em nome de sua fome por lucros e poder?

A resposta a estas perguntas significa a diferença entre sermos uma eterna esperança de nação e a fulgurante realidade de um país justo e desenvolvido.

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Messias

Li, num passado não muito distante, a história de um gerente de banco que, por vários anos, cometeu desvios de valores para a sua conta pessoal. Por sua posição de chefia engordou sua conta pessoal de forma indevida, subtraindo volumosas quantias da instituição bancária, mas depois algum tempo a sua engenhosa ação criminosa foi descoberta, e ele preso. Quando pego, deu a criativa explicação que muito me impressionou. Disse ele: “Sei que é errado, mas o dinheiro que peguei é, em verdade, o justo pagamento pelo excelente trabalho que eu realizava em minhas funções”.

Ou seja: entre a legalidade e a justiça ele achou mais adequado ser justo do que obedecer a lei. Para ele o salário que recebia era inadequado para o excelente trabalho exercido. Preferiu assim ser correto com seu devotado trabalho, oferecendo a si mesmo o pagamento que lhe parecia mais ajustado para sua inquestionável dedicação.

Para qualquer um dotado de bom senso fica fácil perceber a falácia desse argumento. Em primeiro lugar, não existe “valor justo” para um trabalho qualquer. Médicos ganham muito mais do que motoristas de ônibus, não porque seu trabalho seja mais importante, mas por sistemas de poder que são gerados dentro das sociedades complexas. Isso explica as razões da distância entre os ganhos de um jogador de futebol e um professor da rede pública de ensino. Não é pela qualidade do trabalho (não há quem concorde que um astro do futebol seja mais indispensável que dois mil professores), mas pelo valor que a sociedade oferece aos diferentes ofícios. O valor pago pelo trabalho é construído dentro de um elaborado sistema de pressões e ajustes, e não pela decisão autocrática de um sujeito movido pela percepção pessoal que tem do seu próprio labor.

O que me chamou a atenção foi o fato de que o gerente deixava claro que não se sentia “ladrão”, sequer desonesto, porque apenas recolhia o que lhe era devido pelos patrões gananciosos. E essa sensação de impunibilidade me fez lembrar da cena política contemporânea.

As manchetes dos últimos dias apresentam inúmeros crimes e falcatruas cometidos pelo ex-presidente. São tantas as notícias que é impossível não perceber a marcante desonestidade e o caráter débil do mandatário anterior. A partir dessas notícias passei a crer que apenas a punição severa para estes personagens – Bolsonaro e seu entorno – poderá oferecer uma mínima esperança de sobrevivência da democracia. Entretanto, junto a este outro fenômeno me chamou à atenção. As acusações são agora recheadas de provas materiais irrefutáveis (tome por exemplo a venda do Rolex, que pertence ao erário nacional) porém não parecem movimentar negativamente a popularidade de Bolsonaro. Aquele grupo bolsonarista raiz, que está por volta de 15 a 17% do eleitorado nacional, não parece diminuir mesmo diante das provas contundentes de sua irresponsabilidade, incompetência e desonestidade. Bolsonaro, para este grupo, continua sendo o “messias”.

A figura de Bolsonaro faz lembrar a do presidente Trump, que afirmava de forma arrogante – porém correta – de que Posso matar alguém em plena 5ª Avenida em Nova York que isso não me faria perder votos”. Isso porque essas figuras públicas ocupam o lugar de salvadores para quem o roubo e até a morte de opositores seriam “a justa licença garantida pelo excelente trabalho realizado”. Da mesma forma que o gerente esperto analisava suas falcatruas, seus eleitores pensam que para salvar o mundo ocidental do “comunismo” vale a pena qualquer sacrifício, até aceitar que o mandatário do país seja ladrão, desonesto e profundamente incompetente. O mesmo fenômeno acontece nas Igrejas evangélicas, que devotam o mesmo tipo de ligação irracional com seus líderes. Pouco importa ao pobre que frequenta o templo que o pastor seja visto com carros importados e more em mansões. Não há sequer preocupação em esconder essa opulência: trata-se, como já vimos em outros contextos, do “adequado pagamento pela tarefa de salvar os crentes da fúria impiedosa de Deus e para livrá-los das garras do demônio”.

Por certo que estas construções só podem ocorrer a partir de propaganda massiva e pervasiva, diuturnamente exaltando as virtudes da “liberdade” capitalista e mitificando os supostos horrores do comunismo, assim como demonstrando as vantagens que são oferecidas àqueles que contribuem com a igreja, em especial a volta da saúde, do dinheiro, a recuperação de antigos amores e a salvação da alma. Nem é necessário dizer o quanto de dinheiro é investido pelo Estado burguês para nos blindar da verdade da concentração obscena de riqueza nas mãos de poucos e o quando se investe em publicidade para não expor as igrejas na produção de factoides (de cura, de comunicação com Jesus, de sucesso financeiro, etc.) que justificariam o pagamento de dízimo aos pastores e o financiamento de suas igrejas.

Para aqueles que dão apoio à extrema direita e às igrejas – fenômenos que se valem do pânico moral para sua proliferação – a ameaça constante de novos valores sociais (sexuais, familiares, etc.) e a emergência de uma sociedade comunista justificam as falhas morais de seus líderes. Curiosamente, as mesmas falhas que não toleram e denunciam de forma incessante em seus opositores.

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