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O Arrependimento de Palocci

Eu estava em um restaurante com a TV ligada na Globo durante o Jornal Nacional quando aquele bunda mole do Bonner anunciou que o juiz Moro havia liberado a delação de Palocci, exatamente uma semana antes das eleições. O mesmo Moro que suspendeu uma audiência de Lula antes do pleito para evitar “interferência eleitoral”. Sim a mesma delação que havia sido rejeitada pelos procuradores por não conter nenhuma informação importante e respaldada por provas materiais. Muitos bolsonaristas comemoraram esta delação, achando que ela seria a “pá de cal” na vida pública de Lula.

Na época eu – e muitos da esquerda – desconfiamos de imediato. Por que Palocci? Por que agora? Parecia uma jogada eleitoreira de um juiz corrupto e imoral, com o interesse de mudar os rumos de uma eleição que mostrava a (tímida, mas consistente) reação de Haddad na luta contra Bolsonaro, mas o clima já era muito desfavorável. O povo estava contaminado pelo discurso punitivista, “Lula ladrão”, cano de esgoto na Globo, mentiras infundadas, fake news, disparos de WhatsApp, Cambridge Analytica, depoimentos fajutos, acusações infundadas, o powerpoint criminoso de Dalanhol, e as ações abusivas e fascistas da Lava Jato. A população, movida por intensa propaganda e financiamento externo, estava apoiando um nazista como Bolsonaro da mesma forma como as massas no passado gritaram Barrabás ou H*tler. Erguer-se contra essa flagrante desrespeito às leis era pregar no deserto. Parece que as linhas da história já estavam escritas, e era necessário que Lula subisse ao Calvário para poder ressurgir depois, nos braços do povo. Bolsonaro – e o desastre de sua administração – pareciam ser inevitáveis para que o país tivesse a maturidade para entender a tragédia que se anunciava através de suas palavras.

Palocci foi constrangido, torturado, ameaçado pelos procuradores corruptos e pelo juiz que chefiava a quadrilha. Agora, passados mais de 4 anos, ele deseja rever sua posição, afirmando que sua delação foi forçada. Sabemos agora o quanto isso foi prejudicial ao país, mas ainda é preciso que os responsáveis sejam punidos, sob pena de sermos condenados a repetir os erros que tanto mal fizeram ao Brasil. É importante que Palocci diga a verdade, pois esta é a última chance de limpar sua biografia, inexoravelmente manchada por sua covardia.

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Quebrando os Tabus

Sempre achei o “Quebrando o Tabu” um site “biscoiteiro”. Isto é: faz matérias para agradar sua audiência, sempre se posicionando ao lado do senso comum, exatamente como agora no caso do veto presidencial à notificação compulsória de violência contra a mulher. O grande problema é que, diante de temas complexos e multifacetados, muitas vezes o senso comum está errado, imerso no campo simbólico ainda conservador. Estar sempre do lado do time favorito tem seus reveses previsíveis

A defesa da mulher vítima de abusos e violências merece uma análise aprofundada PARA ALÉM do sentimento rasteiro de proteção policial. Foi muito oportuna a manifestação da Dra Melania Amorim e do seu coletivo mostrando o equívoco – científicamente evidenciado – de transformar profissionais da saúde em informantes das polícias, o que repetiria o descalabro com relação à notificação de casos de aborto provocado.

“Sem vínculo entre cuidador e paciente não há medicina”, já dizia meu colega Max. Aqui sempre enxerguei claras semelhanças entre a medicina e a pedagogia (que nada mais é do que o apice da ação médica). Este vínculo, como de resto todo processo pedagógico ou de cura, se estabelece na confiança que o aluno ou o paciente deposita nas mãos de quem o atende. Se essa confiança é quebrada TODO o processo se desfaz.

Se ao procurar ajuda para suas feridas físicas e emocionais as mulheres sentirem medo que isso acarrete a prisão de seu companheiro elas simplesmente recusarão esse atendimento. A abordagem precisa partir da proteção seguida do empoderamento para que elas mesmas possam dar conta do enfrentamento necessário. Colocar os profissionais de saúde na posição de informantes e delatores, quebrando a sacralidade do segredo profissional, é um absurdo, um erro e um equívoco irreparável.

Para concluir:

Para quem ainda não entendeu porque profissionais de saúde – médicos, enfermeiras e até agentes de saúde – não podem denunciar violência doméstica pense nos casos nos Estados Unidos onde mães e pais tem receio de levar uma criança machucada ao hospital por medo de que suas contusões sejam confundidas com maus tratos e isso acarrete ações penais e – até mesmo – a perda da guarda. Se o atendimento médico não for um lugar seguro para a atenção à saúde as pessoas vão naturalmente recusar o atendimento.

O mesmo problema ocorre com mulheres que, para fugir da violência obstétrica, procuram partos extra-hospitalares. Todavia, o pânico em receber represálias e maus tratos da equipe médica faz com que muitas vezes ocorra demora em procurar a assistencia do hospital, caso uma interferência acorra. Isso via de regra pode ter consequências muito ruins.

Por esta razão, o parto domiciliar tende a ser muito mais arriscado pela violência institucional do que pela falta de quipamentos, atenção ou pelo cuidado insuficiente. O maior risco do parto fora do hospital é o preconceito e o ressentimento do pessoal da retaguarda.

Hospital não é delegacia de polícia e profissionais de saúde não são delatores ou agentes de segurança pública.

Sem confiança nestes lugares e personagens sociais o serviço se torna precário.

Médico não é juiz para julgar suas escolhas.

Sem confiança não há vínculo e sem vínculo não há atenção digna e efetiva.

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