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Os Diferentes

A população negra dos Estados Unidos está por volta de 13%, que é muito menor do que aquela do Brasil, onde os não-brancos há muitos anos são a maioria. Segundo o censo de 2022, negros e pardos já são 55% da população brasileira; brancos são 43%. Curiosamente, eu nunca achei estranho visitar a sede do Império na perspectiva da diversidade racial, e hoje me dei conta das razões. Eu vivi a vida inteira no RS, onde predominam os descendentes (como eu) de imigrantes alemães, italianos e portugueses. Aqui no meu Estado, a porcentagem de não brancos (negros e pardos) é de apenas 16% da população. Ou seja, três vezes menor do que o resto do país, mas muito parecido com a diversidade racial dos Estados Unidos. Sei bem o que significa ser muito diferente do que o lugar onde estamos: ao visitar pequenas cidades na China percebi o impacto de parecer diferente cercado por curiosos na rua que me pediam selfies.

Certamente, caso eu fosse baiano, teria um choque estético ao chegar no Texas, um estado eminentemente WASP (White Anglo-Saxon Protestant). Além disso, parece evidente que o racismo americano, que sobreviveu no corpo das leis até meados dos anos 60(!!) tenha forjado uma sociedade muito mais dividida. Foi somente a partir da intensa pressão exercida pela campanha do Movimentos dos Direitos Civis que o presidente Lyndon Johnson assinou a Lei dos Direitos Civis, que sepultou o sistema brutal de supremacia racial nos EUA. Do ponto de vista étnico o sul do Brasil é o mais branco entre todas as regiões do pais, e isso explica muita coisa, inclusive a paixão de alguns do sul pelo supremacismo nazi. Eu acredito que a educação de um sujeito passa pela confrontação com os diferentes e as diferenças, e o que nos falta aqui é uma presença mais forte dos diferentes, permitindo que incorporemos seus valores e suas perspectivas de mundo. Isso também explica que, ainda em 2024, tanta gente odeie os palestinos apenas porque, ilusoriamente, eles parecem diferentes de nós.

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Aprendendo com o “Inimigo”

Nunca será demasiado ressaltar a importância de conviver em intimidade com os contraditórios, aprender com as diferenças e usá-las como um teste permanente para a solução das dúvidas e desafios que surgem no desenrolar do processo. Mais do que “respeitar as diferenças” é necessário saudá-las, aproximá-las de nós, conviver com elas e retirar delas todo o ensinamento possível.

Rechaçar o outro, expurgá-lo, castrá-lo e exilá-lo não ajuda no crescimento de nenhum movimento. Os conflitos, tanto quanto as quedas de um rio, são os propulsores de energia. Sem discussões, por mais que sejam acirradas – e até mesmo duras – não saímos da morosidade paralisante dos consensos. A diferença entre a briga e a discussão é que na segunda dois se propõe a escutar; discutir vem do termo latino “discutere“, que deriva de “quatere” que significa sacudir. Dessa forma, “discutir” significa sacudir algo para separá-lo. Uma discussão é mesmo uma “sacudida”, uma convulsão de ideias e propostas, mas quando as partes aceitam a existência da palavra do outro o processo pode levar a uma conciliação em que os dois polos do debate acabam crescendo e se modificando.  

Um dos problemas que eu sempre diagnostiquei na humanização do nascimento era a palestra para os “convertidos”; a fala que se repetia para os mesmos. Ali sempre reinava a paz e evitavam-se os conflitos; perdemos muito tempo com essa ilusão de paz e harmonia. Com a proliferação dos vídeos, peças de teatro e documentários relacionados à problemática do nascimento no mundo ocidental, mudamos um pouco o nosso direcionamento e acabamos por atingir um público mais abrangente, e isso deu um impulso enorme às nossas propostas. Em contrapartida ao crescimento do número de interessados nesse tema, acabamos por criar adversários violentos e até mesmo cruéis, como os fatos recentes puderam comprovar. Todavia, continuamos a entendê-los como “inimigos”, sem entender a possibilidade renovadora que eles nos propiciam. Deixamos de escutar o preceito bíblico que diz que “os inimigos são os teus verdadeiros amigos”, e pecamos por esquecer as palavras de Oscar Wilde: “Devem-se escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência”. Sim porque a inteligência dos inimigos nos provoca crescimento e fortalecimento.  

Talvez esse seja o passo mais complicado para o ativismo, qualquer que seja, dos palestinos, dos grupos homossexuais, dos “verdes” e dos ativistas da humanização: como aprender a compor com os desiguais, instruir-se com suas teses e aceitar avanços lentos e graduais. Para mim a resposta continua sendo a sensibilização afetiva, sobre a qual podemos descarregar uma tonelada de evidências, assim como projetos que coloquem a mulher e sua saúde em primeiro plano.

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