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Machismo

Soldadas

(*) post scriptum:

Este foi o texto que gerou a cisão dentro do antigo blog que eu escrevia,  que depois de dois anos de convivência fui convidado e me retirar. Existe um outro artigo em que eu deixo aclaradas algumas posições sobre este texto e que se chama “Algumas Explicações Necessárias”  que também contém alguns escritos que foram publicados no Facebook após o incidente.  No final deste artigo original eu transcrevi em itálico – para diferenciar do texto publicado no blog – minhas falas em uma conversa privada com uma amiga feminista que lamentava o ocorrido. Espero que este fato triste seja um degrau na construção de uma interlocução cada vez mais intensa entre a humanização do nascimento e o feminismo. Estou certo de que são aspectos diversos na cultura, mas suas interfaces são tão claras que a necessidade de um contato entre humanistas e feministas é mais do que necessário: é urgente.

MACHISMO

A segregação que o patriarcado determinou forçou a invasão que hoje testemunhamos nos espaços antigamente entendidos como “naturais”. Eu não creio que o patriarcado seja “machista”, pois penso se tratar de dois aspectos da organização social diferentes em essência. Minha tese é de que o machismo é a naturalização de um modelo social artificial baseado na posse e com o objetivo de garantir segurança. O patriarcado não é um sistema de valor; o machismo é.

A separação das atividades por gênero, por vezes absolutamente RÍGIDAS na sociedade, é milenar. Poderia me cansar citando, mas lembro que a atenção ao parto era proibida para os homens até o final do século XVI.

“Em 1522, um certo doutor Wortt de Hamburgo travestiu-se de mulher para assistir a um parto, mas seu disfarce foi descoberto e ele foi queimado na fogueira “por sua indecência e por degradar sua profissão” (Rich, 1986:140), o que ilustra que, pelo menos em certos contextos, aos varões era vedada a presença na sala de parto, delito que poderia ser punido com a morte. Por outro lado, foi no começo do século XVI que se iniciou a publicação de edições dos livros de ginecologia e obstetrícia dos antigos, por varões, em língua vernacular, como é o caso do Rosengarten, o Jardim das Rosas.”  (www.mulheres.org.br/mestrado_3.html)

Mulheres nas Igrejas são discriminadas até hoje (e não apenas na Igreja Católica), e não se vislumbra uma invasão neste terreno em curto prazo. Nenhum sinalizador na Santa Sé ou outras denominações para que o modelo misógino e androcêntrico seja modificado.

As invasões de território, na esfera de gênero, não ocorrem com facilidade e nem com plena aceitação. Por isso o termo invasão está correto, pois os espaços não “estão aí” para serem ocupados, pois já tinham “dono”. A posse é garantida pela cultura, mas como sabemos, as culturas são cambiantes, mutantes e plásticas. Mais uma vez, o termo “invasão” se refere exatamente a estes caminhos de lutas para desbravar espaços ocupados por OUTROS. Mulheres e homens assim constroem a sociedade. As mulheres o fazem de forma mais intensa na atualidade porque muitos espaços sociais foram ocupados pelo patriarcado (e não pelo “machismo”). Todavia, vemos – como acima – espaços sendo invadidos pelos homens de maneira corajosa e consistente, como na atenção ao parto nos últimos 3 séculos, ou nos cuidados com mães e bebês nos últimos anos.

O machismo é um sistema de poder como qualquer um dos outros sistemas existentes, como o racismo. Quem não se deixa cativar por eles? Quem não os incorpora e os naturaliza? Se você fosse da realeza no século XVII ou XVIII certamente acreditaria que sua essência é diversa daquela da plebe, e olharia seus braços todos os dias para confirmar que seu sangue é azul. Não se trata de justificar qualquer desses sistemas de exclusão, mas incorporá-los à natureza humana. É preciso coragem para abrir mão de suas prerrogativas culturais. Quando se sugeriu a presença de doulos no parto algumas corporativistas de gênero “subiram nas tamancas” e reclamaram dessa invasão de território. Elas estavam cativas em seu sexismo, não lhes parece?

O patriarcado ofereceu a posição política preponderante ao mais forte, para proteger a sociedade. Essa é sua essência. É ingenuidade acreditar que ele foi criado por “ódio às mulheres”. Este sentimento até pode existir em muitos homens, mas não é pelo ódio que se cria um modelo e uma estrutura social de absoluto sucesso como este, de abrangência universal. Em qualquer canto da terra ele foi utilizado como ferramenta de progresso, e qualquer sociedade que ousou desafiar o patriarcado no passado veio a fenecer.

Entretanto, hoje em dia – depois da pílula e da Magnum, diriam algumas – sua necessidade não se faz mais tão evidente. A força física dos homens não é mais tão fundamental em um mundo tecnológico, o que permite que grandes nações do mundo – Alemanha, Chile, Brasil, Argentina – sejam governadas por mulheres, de compleição física mais frágil, mas igualmente poderosas. Agora já é possível trocar a configuração política do mundo por um modelo mais justo e equilibrado, onde os gêneros sejam respeitados e tratados com equidade.

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Vou acrescentar algumas coisas que eu disse depois no texto original para que a minha posição possa ficar mais clara. Mas não se preocupem comigo… isso não me atinge tanto assim. Pois é, isso é ruim, mas na minha opinião faz parte do jogo. É natural que isso aconteça, e temos que nos preparar para isso. Com o tempo as melancias se ajeitam com o balançar da carroça.

Minha argumentação é bem simples: o patriarcado é uma estratégia de sobrevivência, estabelecida no fim do paleolítico superior e a partir das mudanças estruturais da sociedade, de um modelo nômade para um agrário. O surgimento da posse (terra, animais) nos obrigou a colocar em posição de poder os machos testosterônicos de nossa espécie, daí surgindo o patriarcado. Isto é: o patriarcado NÃO surgiu por um ódio às mulheres. Um sentimento estranho como esse não poderia ter criado um modelo de “sucesso” como este na manutenção da propriedade e na expansão territorial, com consequente bem estar para as populações sob seu domínio. Não só isso: o patriarcado permitia que um homem tivesse várias mulheres, o que apoia o incremento populacional, o que era fundamental para as novas tarefas incorporadas, na agricultura e pecuária..Isso nada tem a ver como machismo, que é a NATURALIZAÇÃO de um sistema ARTIFICIAL, como o patriarcado. Entretanto, algumas feministas se encheram de raiva por eu aparentemente ter uma visão “condescendente” do patriarcado. Não é verdade, mas eu acho que se você confundir patriarcado com “ódio às mulheres” será muito mais difícil combatê-lo.

O machismo é a tentativa de fazer uma simples estratégia (como uma ditadura, o racismo ou a escravidão) ser naturalizada, como se fosse “natural” o homem ser superior à mulher. Mas TODA a briga foi por eu ter dito exatamente isso o que muitas pessoas disseram antes de mim.
Mas é ÓBVIO (!!!!!) que o patriarcado é um estupendo sucesso !! Fosse ele um fracasso não haveria porque combatê-lo !!! Ele ainda é, mas é claro que percebemos a sua decadência dia a dia, e é para isso que lutamos. Quando falo no sucesso do patriarcado falo de sua abrangência planetária, sucesso em abrangência e em poder de transformação social. Somos todos herdeiros do patriarcado.

Mas isso de deu as custas de sufocar o feminino. E o patriarcado precisa ser substituído por um modelo mais justo e igualitário. Ele agora é insuportável. A origem das ofensas está nessas simples ideias. Podem ser combatidas e aceito argumentos em contrário, mas as ofensas foram pela minha pessoa, e não pelas minhas ideias. Eu tenho uma visão próxima da marxista sim, dialética e histórica, mas o problema é tocar na ferida do feminismo, e isso deixou as feministas em pé de guerra. Todavia meus argumentos são límpidos e translúcidos. Pode-se discordar deles, mas é absurdo pensar que “existe algo por trás”, desejos ocultos ou uma visão diminutiva da mulher. Pelo contrário; no próprio texto eu falo da importância capital de combater a ambos: o machismo por ser preconceituoso, e o patriarcado por ser um modelo anacrônico.

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Homens, “doulos” e barreiras

Homem Doulo

As mulheres adoram “desvirtuar” os papéis historicamente determinados aos gêneros pelo patriarcado. Hoje em dia pilotam aviões, jogam futebol, praticam box e luta livre, andam de asa delta e até namoram outras mulheres.

Pior ainda: ousam abster-se de gestar e parir, sua função biológica por excelência, clamando que “uma mulher não se resume à maternidade”.  E de nada adiantam as queixas dos homens, invadidos em suas pretensas (e ilusórias) especificidades testosterônicas.

A invasão feminina sobre os espaços historicamente destinados aos homens sequer aceita contraditórios: o direito de romper as barreiras impostas pelos gêneros está acima de qualquer consideração essencialista. Não cabe mais restringir a ação das mulheres a uma “cartilha” e muito menos falar dos limites da ação das mulheres na cultura. Elas invadiram as universidades, a Academia, os juizados, a política e o espaço público. Não enxergamos mais nenhuma fronteira inexpugnável à invasão feminina.

Lembro que durante a minha época de estudante as meninas da faculdade de medicina resolveram que também fariam plantões em um pronto socorro privado da cidade. Porém, foram orientadas a não solicitar o ingresso no grupo de internos porque não havia dormitório feminino, apenas um quarto para todos os médicos e estudantes. Seria “indecente” colocar homens e mulheres dormindo no mesmo recinto durante as noites de plantão. Elas responderam: “Pois dormiremos aqui também, qual o problema?”. A reação dos colegas – fácil imaginar – foi truculenta: durante a noite trafegavam pelo quarto sem camisa e de cuecas, apenas para agredir, reforçando a ideia de que aquele era um espaço masculino, invadido por “novatas” que careciam de brio e coragem para assumi-lo.

Inútil. As meninas simplesmente viravam para o lado quando as grosserias aconteciam. Mostraram sua força e determinação, sem retroceder na luta por espaço. Mantiveram-se firmes diante do ataque machista, e venceram a guerra. Passaram a fazer parte do corpo de internos do Pronto Socorro.

Digo isso por uma questão de justiça e reconhecendo que a questão de gênero, nos últimos 30 anos (a partir da “queda de Stone Wall” em 1982), tornou-se crescentemente complexa e produziu modificações importantes na estrutura social. O mundo muda; não compre mais roupinhas cor-de-rosa para a sua filha; talvez ela queira usar azul, e talvez seu filho ache mais interessante acarinhar as bonecas do que chutar uma bola.

Entretanto, mais uma vez, vejo que a contrapartida também é complicada. Bastou que os homens tentassem “invadir” um território historicamente restrito às mulheres – a ação das doulas no cuidado com as gestantes – para que as próprias mulheres tragam de volta a discussão essencialista de que “isso é coisa de mulher”. Ora, sejamos coerentes. Quando falávamos que pilotar um caça e jogar bombas em asiáticos só poderia ser coisa para a fração da sociedade provida de hormônios viris, as mulheres vociferaram contra este determinismo biológico, algo entendido como um “encarceramento social” que impedia a livre expressão de suas vontades. “Não existem limites biológicos, apenas cerceamento cultural machista”, diziam elas, com força e disposição.

Pois então faz-se necessária a mesma postura libertária quando a ideia de “doulos” – homens atuando no suporte ao parto – emergir na cultura. Se os limites não valem mais para aprisionar as mulheres em sua ação social, porque tais barreiras seriam justas se aplicadas aos homens?

Deixemos que as gestantes decidam sobre a questão. Se elas aceitam a presença masculina nessa atividade – que implica proximidade, toque e encorajamento – então que a elas seja dada a última palavra. A nós cabe apenas compreender, analisar, respeitar e…. aceitar.

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