Arquivo da tag: etarismo

Romantismo tóxico

“Precisamos falar desse ‘romantismo tóxico’ que une homens mais velhos e meninas”.

Por que romantismo tóxico? Por que precisa ser isso o que une essas pessoas de idades díspares? Como afirmar que namorar alguém mais novo seja um pendor para a subjugar, e quando alguém muito mais novo entra neste tipo de relação há um desejo de ser oprimido?

As dinâmicas eróticas, afetivas e sexuais são únicas, subjetivas, pessoais e não há como saber o que realmente as conduz. Aliás, nem mesmo ao sujeito é dado saber, pois que as reais motivações para as escolhas amorosas estão escondidas no inconsciente. Entretanto, por que rotular a disparidade de idades como “tóxica”? E tóxica por parte de quem? Do sujeito mais velho e famoso que deseja rejuvenescer com um parceiro décadas mais novo? Ou do jovem desejando ascensão social e facilidades por meio da sensualidade de seu corpo atraente? Quem intoxica quem? Quem comanda ou detém o poder? O falo poderoso ou o corpo jovem e manipulador? Talvez, por que não, nenhum dos dois, se aceitarmos que estas relações também podem ser mediada por amor.

Por que é necessário achar que esse desnível de idade é tóxico? Olhe a experiência de outras mulheres, falando se suas experiências com homens mais velhos e mais jovens. Por que seria correto criminalizar relações que não se conformam à nossa visão específica de amor? Numa sociedade patriarcal, onde o poder está com os homens, é óbvio que ele será exercido nas relações afetivas. Entretanto, isto não é da essência dos homens, mas da essência do poder. Coloque o poder nas mãos das mulheres e o modelo se reproduz, como eu mostrei acima.

“Existem mulheres mais velhas que se envolvem com meninos, mas não é a norma, não é o mercado.”

Sim, não é o “mercado” porque poucas são as mulheres que ascendem a posições de poder. Entretanto, entre aquelas que atingem esta condição, seu valor social lhes oferece essa oportunidade. Repito: não é da essência dos homens e das mulheres, mas da essência do poder. Quem o detém (no patriarcado, majoritariamente os homens) terá a oportunidade de escolher seu parceiro mais belo e jovem, buscando nele a ilusão de eternidade.

Sabe o que me deixa triste? A ideia de que toda a relação de amor entre um homem mais velho e uma mulher mais jovem está regida pelo desejo de dominação, e que não passa de uma expressão machista de opressão. Mas, para aceitar isso, é necessário colocar as mulheres que se apaixonam por homens mais velhos como tolas, manipuláveis, ingênuas, frágeis ou submissas, quando a realidade nos mostra que, apesar da existência desse fenômeno, essa não é a totalidade e, penso eu, nem a maioria casos.

A emancipação das mulheres do jugo do patriarcado passa por reconhecer seus desejos e seu protagonismo nas escolhas amorosas, retirando-as da condição de objetos e alçando-as à posição de sujeitos de seu destino – inclusive no que diz respeito às suas escolhas eróticas. Acho curioso ver como algumas pessoas sabiam exatamente o que ocorria na cabeça daquela moça da foto, mas fazem isso julgando-a apenas pelos SEUS referenciais e experiências pessoais. Repito: se ainda existem elementos do patriarcado a modular estas relações, certamente que o mundo está em mudança, e não é justo acreditar que todas as relações construídas por esse modelo sejam fruto de estruturas opressivas ou masoquistas.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Etarismo

Muitos casos tem nos mostrado um dilema evidente no nosso cotidiano: a proteção às pessoas de um determinado grupo supostamente oprimido (pessoas mais velhas, trans, gays, negros, etc) fatalmente as transforma em “pessoas especiais”, o que, ao meu ver, retira delas o protagonismo. Como já foi dito centenas de vezes, quem é vítima não pode ser protagonista; o primeiro é objeto enquanto o segundo é sujeito. Em diversas oportunidades vemos pessoas de mais idade tornando-se (ou sendo tratados como) sujeitos que precisam de “cuidado” e, portanto, incapazes de cuidar de si mesmos. Entretanto, existem muitas pessoas nesta faixa etária que se rebelam contra esse tipo de atitude, que em verdade dissimula uma perspectiva diminutiva fantasiada de “atenção”. Lembro muito bem do meu pai em férias que se negava a fazer “ginástica na praia” por medo de ser cuidado e tratado de forma carinhosa pelos professores, como se ele fosse um bebê incapaz de fazer os exercícios sem supervisão.

A proteção excessiva é a face cor de rosa da exclusão. Por isso a proteção abjeta à estudante de 44 anos fui um exemplo pedagógico de “suco de etarismo concentrado”. Lembrem apenas das crianças que recém aprenderam uma habilidade (amarrar os sapatos, por exemplo) e da sua reação indignada e saudável em direção à autonomia quando tentamos fazer isso por elas. “Eu não sou mais bebê”, dizem eles.

Estas ações também me fazem questionar a proteção oferecida às gestantes que, assim que acessam o hospital, são colocadas em cadeiras de rodas. Muitas são tratadas como “princesas”, sem se dar conta que esse tratamento de exceção apenas revela o (pré)conceito que temos delas. No hospital são vistas como deficientes, dotadas de “fraqueza”, “fragilidade”, e incompetência, algo que elas carregam pela sua essência feminina – fraca e dependente. Ou seja, não é possível empoderar e fortalecer a maternagem se continuarmos a tratar as mulheres – e em especial as gestantes – como bonecas frágeis que demandam cuidados especiais.

Michael Klein, um colega médico do Canadá 🍁 cuja esposa sofreu um grave acidente automobilístico, certa feita me contou sobre a trajetória de recuperação de sua esposa. Depois de se recuperar do acidente, e sabendo da sua condição de deficiência pelo resto da vida (ela ficou paraplégica), pediu ao marido que a deixasse sozinha por duas semanas na sua casa de campo. Disse a ele para não aparecer por lá em nenhuma circunstância. Garantiu a ele que tinha um sistema de emergência que seria acionado caso necessário, mas que não tinha interesse em usar. Precisava usar este período para provar para si mesma que era capaz de continuar a viver apesar de suas óbvias condições de dependência. Não desejava se colocar na posição cômoda de cobrar do mundo um cuidado especial. Seu objetivo era fugir da atitude sedutora “agora sou deficiente e mereço ser cuidada”. Não aceitava ser objeto de cuidado dos outros, mas conquistar autonomia para cuidar de si mesma. Ou seja, assumir a posição de sujeito, com limitações e dificuldades, mas sem desistir de alcançar autonomia e protagonismo em sua vida.

Eu fiquei indignado e triste com a atitude da estudante “velha”. Sim, velha, pois foi assim que ela mesma se reconheceu. Sua ação foi um desserviço para todas as outras mulheres maduras que chegam ao ensino superior, que a partir de agora serão tratadas como deficientes, incapazes de suportar as dificuldades que qualquer outro estudante precisa encarar. Fosse ela a esposa do meu colega e iria conversar com as meninas, explicar sua vida, mostrar suas conquistas, apresentar a família, convidar para um café, mostrar onde mora e criar proximidade com as garotas. Ou responderia de forma desaforada para as “pirralhas”, mas não se fecharia como uma ostra. Mostraria sua força e o quanto é forte para suportar por si mesma as críticas e gracejos inevitáveis na vida social. Infelizmente ela preferiu ser a princesa frágil que chamou o príncipe (o Estado, a Justiça burguesa) para resolver o problema por ela.

Para ver como esta questão pode ser vista com os olhos do humor, veja aqui

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos