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O Gancho do Desejo

Já vi todas as formas de encontro amoroso funcionarem maravilhosamente, assim como todas as conjunções acabarem em desastre. Tímidos com extrovertidas, exuberantes com reservados, alegres com efusivas, deprimidos com otimistas, pessimistas com depressivos, etc. O temperamento de cada um dos parceiros é uma das coisas menos importante na manutenção das parcerias – apesar de não ser desprezível. Ao meu ver, mais significativos são os princípios: lealdade, perspectiva de mundo, ideias gerais, desejo de ter filhos, relação com os pais, afeto e as cicatrizes na alma.

Mulheres adoram os homens que as ignoram mas não fecham portas. Isso gera curiosidade e interesse. Mulheres odeiam homens que demonstram explicitamente sua admiração. Isso os desvaloriza. Homens também precisam do estímulo da conquista; adoram os desafios e o que lhes parece difícil. Mas todas estas afirmações são apenas generalizações, fios condutores, princípios gerais que não podem ser aplicados à subjetividade e às circunstâncias de cada encontro. As histórias e os desejos são tão múltiplos quanto são os indivíduos e seus olhares.

Sobre amor e o sexo é justo afirmar que “o essencial é invisível aos olhos”, como bem disse Antoine de Saint-Exupéry. O que nos atrai não está expresso facilmente aos sentidos mais grosseiros. As manifestações externas de um sujeito não passam de pálidas imagens da sua realidade interna. É sedutor acreditar em regras simples para analisar fracassos e sucessos amorosos; porém, ainda creio ser mais honesto reconhecer que o gancho onde penduramos nosso desejo está escondido, para além da nossa percepção.

Amélie Deschanel Dupont, “L’Heure de Partir” (A Hora de Partir), Ed. Partisan, pág 135

Amélie Dupont é uma escritora francesa nascida em Argel em 1936. Foi ligada à Frente Nacional de Libertação onde conheceu seu amigo e parceiro de partido Frantz Fanon. Participou da luta anticolonial da qual foi testemunha e protagonista ao militar na FLN durante a guerra pela emancipação da Argélia (1954-1962). Como escritora e jornalista, sua vivência foi fundamental para entender o colonialismo a partir do perfil dos colonizadores. Escreveu seu principal livro sobre o tema em 1952 “Asas sobre Argel” onde narra a historia de Ibrahim (uma homenagem a Frantz), um jovem ladrão das ruas de Argel que encontra abrigo na casa de um velho militar francês da reserva chamado Antoine, com serviços sujos prestados ao serviço secreto francês e à brutal gendarmeria de Argel. Antoine, viúvo e solitário, enfrentas seus últimos meses de vida após o diagnóstico de uma enfermidade terminal. A relação tensa entre ambos se constrói sobre os escombros do colonialismo brutal da França magrebina. Este livro se tornou referência obrigatória para os estudos sobre o colonialismo francês e abriu as portas da Europa para a escritora. Em “L’Heure de Partir”, seu quarto romance, ela fala das agruras de uma mulher “pied noir” (franceses argelinos que emigraram para a França após 1962) para encontrar o amor e a paz, carregando um fardo pesado de lembranças trágicas da guerra de libertação anticolonial.

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Morri

De uma certa forma, foi assim mesmo. Há exatos 30 dias eu recebi uma punição do Facebook, sem direito a apelação. Meu crime? Dizer durante uma discussão com um bolsonarista (a respeito do racismo e do machismo do presidente) que “posso defender o direito de votar em quem desejar, mas ver negr*s, mulheres e g*ys votando em Bolson*ro dói no coração”. Pronto; foi o que bastou para ser denunciado e lá se foram 30 dias de gancho. Sem apelação e sem discussão.

Reconheço que fiquei indignado com (mais) esta arbitrariedade. Todavia, com o passar dos dias, percebi que minha ausência teve até algumas vantagens. Por certo que algumas ex amigas ficaram felizes por ficarem desobrigadas de ler meus comentários diários, o que tanto as incomodava. Porém, esse grupo é muito diminuto – tanto quanto daquelas que realmente sentiram minha falta.

Pois em verdade é aqui se esconde a realidade mais dura, que só vim a descobrir em função de minha “morte virtual”: as pessoas realmente não se importaram com o meu desaparecimento. Minha ausência sequer foi notada, com meia dúzia de notáveis exceções. Meu sumiço passou em branco…

E aqui não se trata de uma crítica aos amigos e conhecidos, mas a constatação de que somos fagulhas, pequenos e singulares pontos de luz, únicos e fugazes, cujo apagamento, entretanto, não produz diferença alguma na intensidade luminosa que emana da fogueira da vida.

O ensinamento que fica é o da desimportância que carregamos como marca: quando morremos o mundo continua praticamente inalterado, pois damos uma valor exagerado e injusto à nossa parcela de contribuição ao universo. Este, para ser tão pródigo em criatividade e diversidade, não poderia mesmo oferecer destaque especial à nossa notável insignificância. Somos muito menos importantes e essenciais do que acreditamos.

Minha experiência, aliás, foi a de um espírito inferior (o que em verdade me define), ligado às coisas da terra, que se nega a abandonar as banalidades cotidianas e se mostra incapaz de fechar uma página para abrir outras. Sim, voltei todos os dias para saber o que comentavam, o que diziam e criticavam, colher opiniões e notícias, mas sem poder interagir ou responder. Tal qual um obsessor, cheio de angústia e loquacidade, mas prisioneiro de seu silêncio.

Numa época de algumas mortes próximas – minha mãe, meu neto não-nascido Theo e a proximidade da morte do meu pai – achei interessante vivenciar no mundo virtual o desenlace que acabei padecendo como uma “avant première”. Entretanto, como toda metáfora é incompleta, aqui estou eu de volta à existência nas redes sociais. Como Cristo Redivivo voltei às páginas do Facebook, onde me manterei até meu banimento definitivo. A diferença é que agora, mais do que antes, sei que tudo que faço e digo em pouco tempo se transforma no que sempre foi: mera poeira de estrelas. Resta fazer um bom uso do pouco tempo que me resta.

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