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Armadilhas

Acho que é essencial esclarecer que os conceitos de “direita” e “esquerda” nada tem a ver com moral, costumes, sexualidade, aborto, feminismo, drogas, combate à criminalidade etc. Sua origem está no parlamento francês na época da Revolução Francesa, onde os jacobinos – exaltados e radicais representantes dos pequeno-burgueses – sentavam-se à esquerda enquanto os girondinos – considerados mais moderados e conciliadores, representantes interesses comerciais e a visão de mundo da burguesia ilustrada, que oscilava entre a monarquia constitucional e a república – sentavam-se à direita. Os conceitos clássicos de esquerda e direita tem a ver com o tamanho do estado e o foco que se dá ao proletariado e à burguesia no conflito de classes. Também se relaciona com o valor da propriedade e as questões que envolvem o valor do indivíduo e sua inserção nas forças produtivas de uma determinada sociedade.

A partir desse entendimento, é plenamente possível a um direitista ser um ferrenho defensor da liberação e descriminalização do aborto. Aliás, é o que os liberais pregavam: cada sujeito é dono do seu corpo e do seu destino. O mesmo pode ocorrer com a liberação das drogas, tratada como uma decisão pessoal que só diz respeito à quem usa. Da mesma forma nada impede a um comunista ser contra a liberação do aborto por questões pessoais e religiosas, até porque as crenças de cada sujeito em nada impedem alguém de adotar o socialismo como ideário de lutas.

Essa confusão ocorre apenas porque se criou a ideia de que as formas de organização social e econômica devem se misturar com posições religiosas, sexuais e de costumes. Esta confusão não foi natural; ela foi induzida pelos capitalistas americanos para dividir a consciência nacional entre republicanos e democratas. De um lado os conservadores “wasp” (anglo saxão branco protestante) no “Bible Belt” (cinturão da Bíblia)do meio-oeste americano, religiosos e anti-gays, contra a liberação das drogas, contrários ao aborto, etc. Do outro lado feministas, pró-escolha (pro choice), negros, gays, trans, usuários de maconha, universitários, professores, etc.

Nessa configuração as elites americanas retiraram do campo simbólico de disputas os debates relativos à saúde universal, brutalidade policial, moradia, pobres, moradores de rua, epidemia de narcóticos, despesas militares e passariam a ditar a narrativa, estimulando o debate sobre pronomes neutros, censura, ataques às piadas machistas, representatividade negra, feminina, trans, etc. Seria a arena da moralidade e dos costumes.

Assim, todos concordariam com o “fim da história” de Francis Fukuyama, com a vitória definitiva do capitalismo, a livre iniciativa, o imperialismo, a invasão de outros países, as classes sociais, a meritocracia, o militarismo, os golpes, os ataques por procuração, o massacre dos palestinos etc, mas teríamos um espaço enorme para debater se um professor deve ser expulso da escola por chamar uma aluna trans pelo nome que consta na chamada.

O mesmo ocorre desde sempre no Brasil. A direita historicamente procura as pautas morais no sentido de criar pânico na população. Desde o “mar de lama” de Getúlio, o apartamento de Juscelino, “Lula é abortista“, “Lula vai fechar igrejas“, “o PT é ladrão”, “mamadeira de piroca“, “ideologia de gênero nas escolas“, “kit gay” e agora o “banheiro unissex“. Essas são pautas plantadas no debate nacional como manobra diversionista, para que não se discuta financiamento do SUS, salário mínimo, suporte às universidades públicas, ensino de qualidade, salário de professores, fomento do pequeno produtor, política de preservação ambiental, papel das Forças Armadas, reforma tributária, reforma política e do judiciário, desindustrialização, BRICS e controle público das mídias, entre tantas outras questões essenciais para o país.

Enquanto a extrema direita mais reacionária se afasta dos temas realmente relevantes, ela insiste em empurrar o debate para a arena que escolhe – e nós frequentemente caímos nessa armadilha. Não é por acaso que sempre ao se aproximarem as eleições surgem os assuntos e as “fake news” relacionadas ao “satanismo” de pessoas da esquerda, o tema do fechamento (ou tributação) das igrejas, dos direitos das pessoas trans, do casamento gay, dos costumes “depravados” nas universidades, de Nossa Senhora, de Jesus na goiabeira, etc.

É tempo de educar as pessoas, em especial do campo progressista, que o socialismo não é uma doutrina que se importa com o rabo de qualquer um de nós, mas um modelo de sociedade pautado na colaboração, na solidariedade e na definitiva eliminação das classes sociais que nos dividem.

Chega dessa p*rra de moralismo f*did* do caralh*.

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Seria pior com eles…

Aliás, este é um truque já foi utilizado para a ditadura de 64, mas passados mais de meio século é o mesmo que se usa ainda hoje. A fórmula é simples: cria-se um governo brutal e ditatorial, violento, sem respeito com minorias, levado a cabo por militares, concentrador de renda, destruidor de pequenos negócios, corrupto, defensor de milicos e a favor dos grandes empresários e bancos.

Quando depois de algum tempo apontamos todos esses erros e crimes a resposta absurda e ilógica é dizer: “se a oposição tivesse ganho seria muito pior” e passam a listar uma série de fantasias tiradas das “vozes em suas cabeças” dizendo que o grupo golpeado pela ditadura destruiria famílias, faria troca de sexo em crianças, distribuiria mamadeira de pirocas, seria uma Cuba ou Venezuela, estaríamos todos em campos de concentração laboral e seríamos obrigados a comprar os kits gay.

E tudo isso sem qualquer embasamento e sem nenhuma conexão com a realidade. Pior, dizem isso sabendo que quando o PT esteve no governo NADA DISSO OCORREU, e tivemos o período de maior crescimento da história desse país, com pleno emprego e uma imagem internacional positiva e otimista. Pagamos a dívida externa, tiramos milhões da miséria e deixamos 380 bilhões de dólares em caixa.

Esta tática de imaginar o que teria acontecido é uma fórmula para justificar QUALQUER CRIME OU ABUSO, dizendo que se a alternativa ao arbítrio fosse utilizada estaríamos muito pior. Não creio que podemos continuar aceitando esse tipo de falácia a conduzir os debates para a reconstrução do Brasil após o desastre do neoliberalismo.

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