Arquivo da tag: Milícias

Lavagem

Hoje lembrei que a chegada do meu amigo judeu que participou do “Taglit” (viagem de 10 dias para Israel, oferecida a jovens da comunidade judaica, também conhecida como Birthright Israel) ao Brasil foi logo após o histórico massacre de Sabra e Chatila. Este é reconhecido mundialmente como um dos mais bárbaros crimes de guerra da segunda metade do século XX, e o mundo ainda estava chocado com a crueldade do ataque contra barracas lotadas de refugiados, na maioria enquanto ainda dormiam. Perguntei o que ele achava daquilo, esperando que houvesse ao menos consternação com as mortes de milhares de mulheres e crianças no assentamento, o qual estava cercados pelo exército sionista.

Para lembrar, em 16 de setembro de 1982 os sionistas (comandados por um monstro, Ariel Sharon) permitiram a entrada nos assentamentos de Sabra e Chatila das milícias falangistas de extrema direita do Líbano, em busca de vingança pela morte do “presidente” do Líbano ocupado, Bachir Gemayel. Quando questionado sobre o horror do massacre, sua resposta foi dar de ombros, dizendo: “Imagine dois grupos que nos odeiam, um querendo matar o outro. Sim, permitimos que os direitistas do Líbano fizessem isso aos palestinos no assentamento que estava sob nosso controle. Qual o dilema ético? Eles que se virem”.

Minha tese é que a lavagem cerebral produzida nas jovens mentes sionistas é violenta e profunda, deixando quase nenhum espaço para um questionamento crítico ou para que ao menos esta visão supremacista e genocida de mundo seja desafiada. Esta posição me lembra um movimento religioso da minha época, os “Meninos de Deus”, que fizeram sucesso na minha juventude, mesclando sexo, drogas, música, espiritualidade e boas pitadas da mais inequívoca perversão, mas também se assemelha ao que hoje pode ser visto nos bolsominions da terceira idade, vomitando palavras de ódio enquanto se enrolam na bandeira de Israel.

Para saber mais sobre essa mácula na história dos direitos humanos, e uma demonstração da perversidade sionista, vejam a animação Valsa com Bashir.

Deixe um comentário

Arquivado em Palestina

Jacarezinho

A primeira vez que fui ao Rio de Janeiro tinha 23 anos e fui assaltado numa espécie de arrastão apenas uns 20 minutos após ter chegado na rodoviária para subir em outro ônibus com destino a Botafogo. Um motorista amedrontado abriu a porta para que três meninos armados pedissem relógios e dinheiro. O total do que eu perdi naquele dia seria equivalente hoje a uns 50 reais, mas passei dias com raiva pela impotência de ser roubado na frente da mulher e do filho pequeno sem poder fazer nada. Não foi, por certo, um bom cartão de visitas.

A cidade do Rio de Janeiro me impressionou pela sua história, a arquitetura, a natureza, os morros, o jeito do carioca falar, as praias. Dizem – Luis Fernando Veríssimo tem uma bela história – que gaúchos adoram o Rio e os(as) cariocas, pois nossa bronca mesmo é com São Paulo, transformada em “capital do Brasil” por iniciativa – adivinhem – de um gaúcho de São Borja, Getúlio Dornelles Vargas. Aqui no pago é comum as pessoas se derreterem por samba de raiz e escolas de samba, além de se exibirem recitando a ordem das praia cariocas, como Tim Maia o fez.

A primeira impressão, entretanto, é a que fica. O Rio ficou para mim eternamente com a imagem das favelas, aliás, o que mais se conhece do Brasil no exterior. Até Michael Jackson quis conhecê-las. Mas para mim as “comunidades” e o Rio de Janeiro são o choque real entre o povo criativo e alegre com a brutalidade da exclusão capitalista. E o resultado que se mostra no cotidiano é a indignação solitária, dividida, minúscula de garotos assaltantes roubando bugigangas como nos conta Chico Buarque, ou os núcleos controlados por milícias fazendo o papel de um Estado pusilânime ou inexistente.

As chacinas, as balas perdidas, as milícias, a “gaiola das loucas”, o “Vivendas da Barra”, matadores de aluguel, Marielle, Jacarezinho, as igrejas pilantras, o massacre da Candelária são como feridas abertas que sangram todos os dias. Essa é a imagem que tenho hoje do Rio, uma beleza amaldiçoada pela iniquidade, pela injustiça social e que só terá solução com o fim da barbárie capitalista.

O Rio não é para amadores. A notícia alarmante para quem gosta dessa cidade é que a população do Rio está deixando em primeiro lugar nas pesquisas de preferência o atual governador Cláudio Castro, do PL, ligado ao justiceiro Witzel e às forças mais reacionárias que governam o Estado há décadas. A distância é pequena com o segundo colocado, o que nos permite dizer que existe um empate técnico com o deputado Freixo que vem logo a seguir. É por essas tragédias que eu às vezes penso que o Rio de Janeiro não tem salvação e que o império das milícias, das oligarquias e das igrejas evangélicas não vai acabar antes de uma hecatombe social. Mas o meu coração comunista teima em ter esperança…

Da minha cabeça nunca sairá a imagem do levante popular. Nos meus devaneios vejo o povo descendo o morro organizado, exigindo seu direito à cidadania, à alegria, ao sorriso, à educação, à saúde e exigindo que as maravilhas dessa cidade não continuem sendo saqueadas pela elite tosca que a compõe. Quem sabe seja como no samba de Wilson das Neves, “O dia em que o Morro descer e não for Carnaval”

“O tema do enredo vai ser a cidade partida
No dia em que o couro comer na avenida
Se o morro descer e não for carnaval
O povo virá de cortiço, alagado e favela
Mostrando a miséria sobre a passarela
Sem a fantasia que sai no jornal”

Espero o dia em que o Rio seja a Cidade Maravilhosa e segura que eu gostaria de conhecer. Entretanto, enquanto nossa sociedade foi brutalizada por um modelo excludente, Candelária, Jacarezinho e tantas outras chacinas serão apenas historias tristes e trágicas sobre a cidade mais linda e mais desigual do mundo.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Pensamentos