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Urgência

Uma história antiga. Chegamos na casa da paciente e desde a rua já se ouviam os gemidos fortes, anunciando que o parto estava próximo. Era um chalé pequeno onde havia um único banheiro, exatamente onde ela curtia a massagem inebriante do chuveiro abraçada em seu companheiro. Depois das avaliações de bem-estar de praxe fui para a sala aguardar a descida do bebê.

Passados alguns minutos percebi a minha bexiga estava prestes a explodir, mas, para minha angústia, o banheiro continuava ocupado pelo casal, parteira e doula. Sua cara deixava claro que ela não sairia daquele lugar. Quando alcancei o grau de desespero absoluto abri a porta dos fundos da casa modesta para fazer xixi no jardim, atrás de um pequeno arbusto, torcendo para não haver testemunhas.

Bastou que saíssem as primeiras gotas para que, de dentro da casa, eu escutasse o grito frenético da doula:

– Vai nascer!!!

O resto é história…

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Game Over

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Um parto é como um casamento: uma travessia cheia de percalços, dificuldades, problemas, atrasos, recuos e vicissitudes de todas ordem. De um nascem as esperanças de uma nova vida; de outro uma parceria que nos oferece a oportunidade de crescimento pelo choque constante com o desejo do outro. Tanto quanto os partos, os casamentos são sempre acompanhados da constante sedução da desistência. Basta olhar para o lado e iludir-se rapidamente com a promessa de uma vida melhor desistindo propostas outrora assumidas. Parece-nos tão simples, tão mais fácil e tão mais adequado fazermos as malas e deixarmos para trás um processo que se desenrolava, mesmo que com toda a sorte de transtornos. A tecnologia das cesarianas e dos divórcios nos ofereceu a escapatória limpa e simples para a troca de planos.

Por outro lado, é certo que existem partos e casamentos que precisam ser cortados à faca, pois que se tornam viciosos e agridem as estruturas emocionais daqueles que dele fazem parte. Para a toxicidade de alguns processos não há paciência que resista e nem lenitivo para a tortura do convívio. Para estes, não há porque insistir em um projeto que pode levar a mais tristeza, dor e sofrimento. Entretanto, cada dia mais fica evidente que a simples desistência diante de pequenas discordâncias e contratempos não soluciona as angústias na maior parte dos casos, apesar das crescentes facilidades. Muitos processos que precisariam de um tempo maior de amadurecimento – para sedimentar cumplicidades, reforçar compromissos e aplacar mágoas – são cortados pelas lâminas vorazes dos bisturis e dos cartórios. Nem todos se beneficiam dessa ação radical, e fica claro que é preciso mais ponderação ao fazer escolhas definitivas.

Uma lástima tanta pressa quando o que mais precisamos é paciência, perseverança e vontade de vencer obstáculos. Partos e casamentos duradouros escassearam no mundo moderno, mas será que isso tornou as pessoas mais felizes?

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