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Próteses

O “Bebê Reborn” não é exatamente uma novidade; é a mesma crise com feições diferentes. Agora podemos criar bonecos que imitam de forma impressionante os bebês, em especial os recém-nascidos, mas antes disso vieram os comportamentos sociais compensatórios, os bichinhos domésticos e, entre eles, os indispensáveis gatinhos. Tudo isso para suprir uma pulsão extremamente forte que, na sociedade hedonista ocidental, sofre profunda repressão: a maternagem.

Quanto mais os cuidados dispensados aos filhos forem escasseando, por escolhas pessoais que não nos cabem julgar ou dificuldades específicas, mais prevalentes serão os derivativos culturais, seja com profissões que se esmeram no cuidado com os pequenos, com a adoção de animais de estimação ou mesmo usando próteses bem construídas para dar conta desse sentimento represado. Spielberg falou disso em “AI”, lembram?

Portanto, não se trata de debater se essa tendência é algo “certo ou errado”, mas de entender as raízes do fenômeno, suas razões profundas e inconscientes. Sim, existe comércio, exploração, moda, exibicionismo e sofrimento real, tudo junto e misturado, mas por baixo destas camadas existe um fenômeno social importante e que deveria ser estudado com mais rigor. Há um planejamento na estruturação da nossa espécie que não pode ser desprezado sem que sintomas apareçam à superfície. É fundamental que esse debate seja expandido e que as pessoas possam compreender a força impressionante dessas pulsões na estruturação dos sujeitos.

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Próteses

Acho que só eu olho para essas peças alienígenas com profundo horror. Sei que as pessoas vão dizer que isso é para o prazer, que a masturbação é um ato puro, que não há pecado em gozar etc. Não há como questionar isso. Vão também elogiar tais substitutos protéticos para o gozo a dois, dizendo que isso oferece uma sensação de pura liberdade.

Para mim não passam de modelos monstruosos, objetos que simbolizam o horror individualista neoliberal. São sintomas de uma era em que o encontro a dois é considerado um risco, não apenas físico, mas emocional. Amar alguém é um contrato de dor, acima de qualquer coisa. “Amar é sofrer”. Por esta razão, criamos uma humanidade cujo valor ético mais profundo passa a ser o “cada um por si”, e criamos substitutos cibernéticos do outro, robôs, imagens virtuais e pornografia para mitigar a solidão.

Os novos produtos femininos em nada diferem das bonecas infláveis, “mulheres” objetualizadas (literalmente) pelas quais incels chegam a se apaixonar – e até casar. Próteses de variados tamanhos para oferecer o prazer que o outro sonega. Um objeto de desejo pelo qual não há o sofrimento por um provável abandono. No máximo lamentamos a espera da entrega pela FedEx.

Não vejo nada de errado em vender esses produtos. Afinal, há mercado para eles – em especial na pandemia. Mais ainda, não se trata de criticar as pessoas que usam esses aparelhos, mas analisar tais práticas, pois elas possuem significados importantes e profundos na cultura. Entretanto, confesso que fico muito triste ao ver alguém os comprando. Mais do que um sucesso de mercado, são sintomas de uma degenerescência da humanidade, um passo adiante para o seu extermínio.

Escrevi um outro texto sobre o tema, que pode ser lido aqui.

PS: O texto não é uma crítica a quem usa estes “brinquedos”, mas uma pergunta à sociedade: o que estamos querendo dizer quando achamos natural que próteses substituam pessoas para atingir o prazer? Fico imaginando a gente mostrar para uma mulher indígena e explicar a ela o funcionamento. Talvez ela sinta o mesmo horror que eu sinto…

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Cabelo Natural

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Qual sua proposta para solucionar o dilema do “Cabelo Natural”?

Vou contar uma história que talvez possa nos oferecer uma elaboração útil até para outras questões…

Um determinado sujeito – genial – inventa um xampu milagroso que cura a calvície de forma incontestável. Um tratamento adequadamente testado, aprovado e comprovado. Entretanto, ele levou 40 anos pesquisando e quer receber pela sua dedicação e trabalho. Resolve colocar o xampu no mercado e percebe (é claro!) que faz um grande sucesso. Pelo seu esforço e dedicação incansáveis ele cobra caro pelo tratamento de renovação capilar, mas mesmo assim constata uma fila enorme de pessoas que se dispõe a pagar pela solução do seu problema.

Entretanto, surge um questão facilmente previsível. Muitas pessoas gostariam de vencer a calvície, porque foram por décadas maltratadas por ela, porém não tem dinheiro suficiente para o tratamento. É claro também que, fosse mais barato, o médico não teria tempo e nem sossego para atender todos os seus pacientes; o preço é uma forma de diminuir a demanda e respeitar a lei de oferta e procura. Todavia, o inventor – que é uma boa pessoa – ensina alguns colegas a fabricar o xampu e a fazer o adequado tratamento, que é difícil e demorado. Outros profissionais chegam, mas o problema se mantém: como levar a descoberta a todos?

Ele se esforça, através de publicações e demonstrações, para que o governo tome conhecimento de que descobriu a cura da calvície, mas o governo tem outras prioridades. Afinal ser careca não é tão ruim assim, não é verdade? Existem coisas mais importantes a tratar. A imensa maioria dos colegas deste profissional ganha um bom dinheiro vendendo perucas e poucos estão realmente interessados na descoberta revolucionária. Por outro lado, quem teve o cabelo de volta sente-se muito agradecido, e coloca relatos e vídeos na Internet, o que só faz aumentar o número de interessados. Os poucos especialistas que se dedicam à nova descoberta ganham bem pelo tratamento, mas muitos pacientes sem recursos continuam carecas, enquanto outros acham que peruca é legal, pois o importante “é ter algo cobrindo a cabeça“.

Com o tempo os especialistas que restauram o cabelo são alvo de perseguições e difamações pelos colegas, os mesmos que lucram com as perucas. São atacados, vilipendiados, difamados e maltratados. Entretanto, colecionam sucessos e ficam conhecidos. São os “cabelistas“, que se contrapõem aos “peruquistas“, pelos quais são odiados. A associação de profissionais convoca reuniões para mostrar que são as próprias pessoas que escolhem usar perucas, pois o tratamento natural para restaurar cabelo é demorado e impõe uma certa dedicação do paciente. Além disso, se apressam em mostrar como as perucas são modernas, tecnológicas, feitas com fios “quase naturais”, não tem risco algum e são lindas.

O Movimento do Cabelo Natural, apesar de todos os ataques e mentiras, ganha as ruas, a mídia, os clientes e seduz cada dia mais profissionais, cansados de vender perucas para sujeitos que poderiam ter seu próprio cabelo. Esses pacientes são a melhor propaganda do novo tratamento, pois melhoram sua auto estima e impõem um novo direcionamento para suas vidas. “Se eu posso ter meu cabelo de volta, agora posso vencer qualquer desafio“, dizem os orgulhosos pacientes.

Ainda assim pessoas são condicionadas a comprar perucas, pois os profissionais mais conservadores não querem se reciclar ou não desejam perder tanto tempo com um tratamento que as vezes pode até não funcionar. Preferem continuar vendendo perucas, um tratamento simples e rápido, mas com inúmeros efeitos colaterais. Eczemas, dermatites, infecções, retração do couro cabeludo e até morte (3,5 x mais comum do que no tratamento capilar) pela anafilaxia causada pelos produtos de fixação da peruca.

Como fazer para que todos os carecas, não só os que tem recursos, possam ter o direito assegurado a um cabelo natural e mais seguro? Como garantir liberdade de escolha para ter seus cabelos naturais, ou para ter uma peruca (para quem assim escolher)? Como forçar os “peruquistas” a utilizar o tratamento mais natural se muitos não querem, não sabem ou não se interessam?  Como lidar com o fato de que os intermediários pagam o mesmo pelo cabelo natural ou pela peruca, mas esta última se coloca em 30 minutos, enquanto um tratamento natural leva meses?

Mas… a culpa pela falta de profissionais para tratar os carecas menos abastados é dos poucos profissionais que se dedicam e se expõe oferecendo a terapia mais lógica, segura e racional? Ou é do sistema? Ou será dos pacientes, que não se mobilizaram para garantir o direito a um cabelo sedoso, abundante e natural pago pelo governo?

Qual sua proposta para a encruzilhada do cabelo natural?

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