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Cuba

Está é a história de um casal de gays que, pouco tempo depois de se casarem, decidem mudar para um condomínio de casas. Logo após fazerem a mudança percebem o incontido desconforto dos vizinhos. Com o tempo estes cochichos e narizes torcidos se transformam em rechaço aberto por parte de muitos moradores. Não só isso: o casal é atacado, boicotado e humilhado frequentemente. Tem o carro riscado, os pneus furados e as janelas quebradas por pedras. São desprezados nas reuniões de condomínio e suas queixas não são levadas em consideração. Diante de todas as provas oferecidas recebem como resposta apenas um conselho: “Se não estão satisfeitos, saiam daqui”.

As ameaças constantes, e as dúvidas sobre como agir, produziram ansiedade e angústia crescentes. Com tanta pressão o casal entra em conflito: um deles deseja mudar e com isso obter tranquilidade e paz para viver; um sonho de vida não poderia se transformar em uma constante tortura. O outro, por sua vez, apela para a necessidade de se buscar justiça, os direitos humanos e a honra, dizendo ser esta uma “boa luta”, um confronto em nome de todos aqueles que sofrem preconceito. A distância entre as visões de ambos, com o tempo, se torna inconciliável. A diferença de postura diante dos ataques – sutis ou explícitos – acaba por produzir uma rachadura na relação, e desta surge a inevitável ruptura. Pouco tempo depois, separam-se, vendem a casa, e cada um vai refazer sozinho a sua vida.

Um velho casal de moradores da mesma rua, ao fazer sua caminhada matinal, vê a placa de “VENDE-SE” pendurada na porta. Um deles, sabendo quem outrora morava naquela casa, comenta com o outro:

“É como eu sempre digo: este tipo de relacionamento dificilmente dá certo”.

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Iconografia

A expressão do rosto de ambos é o que deveria ser mostrado nas novelas, nos filmes e apresentado para as crianças na escola. A felicidade contagiante da imagem conta mais sobre a realidade profunda do parto do que compêndios de obstetricia, por conjugar de forma holográfica uma serie de verdades escondidas. A iconografia do parto, desde que a Medicina se apoderou do evento patologizando-o no seu intento expropriativo, nos deixou como legado as imagens da dor, do abandono, do sofrimento, do medo e do horror. Por muitas décadas a face do parto foi a emergência, a tragédia, o drama e a defectividade essencial do processo. A culpa seria, a partir de então, das das mulheres e seu mecanismo falho, seus úteros débeis e suas vaginas dentadas.

Por outro lado, desde a emergência da especialidade médica no parto, o canto de sereia da alienação feminina do evento se fez ouvir. Primeiro ao admitir que cirurgiões operando na lógica da intervenção tomassem conta de um evento fisiológico, onde a regra deveria ser da não-intervenção, do respeito aos ciclos e da paciência com os tempos. Depois retiraram das mulheres a ambiência calorosa e reasseguradora que por milênios as cercou, levando-as para hospitais frios e assépticos, onde a lógica que contamina suas paredes é a da doença e das ações etiocêntricas.

Ato contínuo, a família foi apartada da gestante, os bebês de suas mães, o leite foi separado do peito e os cirurgiões se tornaram os intermediários entre os núcleos familiares e a cultura patriarcal, usando o momento de pura energia transformativa como uma porta de entrada para doutrinar mães e bebês para seu lugar submisso na cultura.

A obstetricia, assim estabelecida, vem a se tornar um braço poderoso do patriarcado na cultura do Ocidente.

A partir desses dois pontos – os cirurgiões no comando e o parto hospitalar – o caminho para a total alienação do parto estava pavimentado. O controle panóptico do pré-natal, as drogas, os exames, as ultrassonografias (em sua maioria) inúteis e invasivas, a ilusão biologicista do controle total e a mecanização extrema de todo o processo foram os seguimentos naturais.

A foto perturbadora de um casal sorrindo e feliz no momento do nascimento, experimentando essa passagem com êxtase e alegria, causa espanto porque o modelo obstétrico, ao tornar esse momento um “ato médico” não consegue apreender a gama infinita de manifestações sociais, fisiológicas, emocionais, psicológicas e espirituais que esse evento comporta. Ao se ater apenas nas questões mecânicas e biológicas, com foco especial na patologia e cobertos pelo manto do medo, é natural que as cesarianas – com sua imagem ilusória de segurança, limpeza, ciência e silêncio – se tornassem a fotografia padrão dos nascimentos no Brasil.

Criamos um mapa tão distante da realidade que a essência profunda do parto desapareceu e, quando sua real imagem aparece na tela da cultura, ela causa espanto e assombro.

Para mudar a cultura do parto também é necessário mudar sua iconografia. Cabe a nós, testemunhas do milagre, retratá-lo em sua mais completa grandiloquência.

Foto de Anna Galafrio

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Rotinas hospitalares

As rotinas hospitalares são usadas, no dizer de Robbie Davis-Floyd e Brigitte Jordan como “tecnologias de separação“. Se existem raros casos em que esta distância e o confinamento de recém-nascidos são necessários o uso alastrado dessa prática tem muito mais significado pelo que carrega de forma invisível e simbólica. Esse afastamento manifesta uma atitude autoritária dos poderes delegados do Estado contra a autonomia da mulher sobre seu filho. O objetivo inconsciente destas condutas e rotinas é despojar a mulher do controle sobre seu filho, estabelecendo uma tirania da técnica e do conhecimento sobre a conexão mãe-bebê que recém se estabelece. Nesse momento especial é lançada a pedra fundamental para a construção de um sujeito subserviente ao Poder.

Nesses momentos sempre lembro a frase da minha amiga Mary, parteira da Holanda: “Você quer que seu filho nasça como paciente ou como cidadão?”

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