Eu conheci o nordeste muito tarde em minha vida. Já tinha conhecido os Estados Unidos e a Europa antes de ser convidado para uma consultoria em Humanização do Nascimento em um hospital da periferia de Recife (divisa com Olinda) cuja diretora era uma médica filiada ao PCdoB e com ideias muito avançadas para a época. O ano era 2001, o primeiro ano do resto da minha vida.
Minha perspectiva do Nordeste era …. Tieta do Agreste. Sim, eu olhava o nordeste como um americano médio olha para um país chamado “África” sem saber que este continente abriga países, culturas e tipos físicos tão distintos quanto um khoikhoi, um hamer e um tuareg. O nordeste, em minha imagem mental, era negro como na Bahia e…. pobre e atrasado. E todos falavam como os atores globais nas novelas.
Minha primeira visita foi a convite da Universidade, e os meus contatos foram com os médicos do hospital. Foram, por certo, encontros muito ricos para a minha compreensão do significado político do movimento do Parto Humanizado, mas tenho certeza que minha presença como consultor teve um impacto pífio no desempenho do hospital. Revoluções não se fazem com forasteiros munidos de belas ideias; elas são construídas lentamente de baixo para cima através da lenta sedimentação de conceitos e pela consciência de classe. Talvez uma semente, não muito mais do que isso. A transformação do Parto não se fará com ideias, mas com ações e lutas.
No hospital militar onde trabalhei havia um colega que tinha servido no hospital da FAB em Natal – RN. Um dia ele me contou que a frase “Doutor, tenho dor!!” poderia ser dita de forma muito distinta por cada um dos habitantes dos estados nordestinos. Depois me disse a frase com o sotaque de cada um deles e, pela primeira vez na vida, eu pude perceber a imensa diferença entre a forma de falar de um pernambucano e um baiano, um alagoano e um cearense.
A partir desse primeiro contato, ocorrido há mais de 20 anos, se iniciou minha verdadeira imersão no nordeste. Passei a viajar com regularidade para cursos, aulas, palestras, seminários e congressos. Visitei diversas vezes Natal, Campina Grande, Fortaleza, Recife, Salvador e Maceió para encontrar ativistas e levar o evangelho da Humanização. A partir desses encontros passei a ter uma admiração mesclada com uma real paixão pelo povo, a cultura, a comida, o idioma e a alma nordestinas. Fiz amigos, conheci lugares incríveis e aprofundei minha visão de Brasil. Acima de tudo, abandonei uma perspectiva branca, europeia, sulista e preconceituosa em relação ao nordeste, trocando esse sentimento primitivo por uma verdadeira paixão por tudo que essa região representa para o país.
Meu pai pernambucano sempre dizia que “a primeira regra da vida é viver; a segunda é conviver”. Conviver com as pessoas que nos parecem estranhas – ou diferentes em seus jeitos e valores – é a maior e melhor forma de reconhecer nelas similitudes e parecências, encontrando nelas a mesma humanidade que habita em nós. Por esse contato constante, minha trajetória nas últimas duas décadas pelas terras nordestinas me ensinou muito sobre brasilidade, acolhimento, calor humano e diversidades múltiplas.
Por esta razão repudio todo e qualquer preconceito com os nordestinos, pois sei que o nordeste é a máquina propulsora das mudanças profundas que este país precisará passar em um futuro próximo. Deixo aqui expresso meu profundo amor pelo povo nordestino e o imenso orgulho de ser filho de um homem dessa terra.