Temos os profissionais de saúde que merecemos.
Temos o aleitamento materno que queremos.
Temos o parto que desejamos.
Temos os médicos e as enfermeiras que escolhemos.
Temos o parto e a amamentação que nos cabem, neste latifúndio chamado Terra…
Acabo de colocar a cabeça para fora de casa. A brisa sacode meu supercílio esquerdo e enche minhas narinas de ar fresco e tímidos raios de sol. Olho para os lados para procurar a diferença. Uma mulher passa à minha frente, na calçada sombreada da rua onde de moro. Traz uma criança grudada em sua mão direita, e tem uma bolsa de couro pendurada no braço esquerdo. Olho para ela e pergunto-lhe silenciosamente se o parto de seu filho e a amamentação foram, mesmo que por alguns breves momentos, preocupações em sua vida. O silêncio dela deve ser verdadeiro, mesmo que a pergunta tenha sido apenas imaginada.
Não vejo cartazes na rua, muito menos manifestantes. Não consigo divisar no horizonte próximo das casas de minha rua qualquer indício de que o roubo do nascimento e o desmerecimento da amamentação tenham provocado qualquer tipo de insatisfação entre as pessoas. Ninguém parece reclamar. Não escuto um grito sequer de indignação com a espoliação de momentos tão significativos da constituição da essência humana. Estamos a um passo das chocadeiras, do nascimento virtual e do total desvirtuamento daquilo que em nós chamávamos de “humano”. Aqui aparece a face pós-moderna mais dolorosa da medicina: perdemos totalmente o contato com a realidade do nascimento. Perdemos seu odor, seu clima, sua temperatura e gosto. Hoje os médicos só conhecem a sua representação, seu simulacro, sua imagem refletida na parede da tecnocracia. Continuando o raciocínio do articulista Dino Felluga, acrescento que “fizemos um roteiro tão assemelhado com a verdade que este se justapôs àquela. Hoje em dia a realidade é que se desfaz por entre as linhas riscadas do mapa. As fórmulas e as cesarianas mantêm-se de pé enquanto assistimos ao desaparecimento de suas versões originais“.
Mentimos o parto e a amamentação, falseando a natureza.
Somente quando a sociedade perceber o quanto perdeu com a aventura tecnocrática é que poderemos mudar o paradigma dominante e exigir que os profissionais ligados ao parto e à amamentação sigam as diretrizes mais naturais e menos intervencionistas. Enquanto isso não ocorrer continuaremos a formar profissionais que atuem de acordo com os nossos mitos e nossas crenças.