Há alguns minutos Madre Teresa de Calcutá apareceu na minha frente para conversar comigo. Era um pedido que há muito tempo eu fazia: “uma aparição, uma visão”, para que eu pudesse comunicar a ela meus dissabores. Pois eu fui finalmente agraciado com a materialização que ocorreu aqui, na minha frente.
Anjezë Gonxhe Bojaxhiu, a beata de Calcutá, vestia seu hábito de freira e tinha o corpo encarquilhado que costumamos reconhecer. Sua face enrugada e sua compleição pequena a tornavam inconfundível. Não podia ser um engano, e disso eu estava certo. Se você acha que isso não é verdade, pode parar de ler por aqui mesmo.
Quando a vi resolvi que era o momento de dizer a ela algumas verdades que estavam entaladas em a minha garganta e que eu pretendia dizer há muito tempo, mas nunca tinha tido a oportunidade. Esta chance chegou, finalmente, agora…
– Sra. Teresa, muito me impressiona o fato de ser tão reverenciada pelas suas ações “ditas humanizadas”. Não que sejam vazias ou inúteis, pois posso reconhecer virtude em tais atitudes. Entretanto acredito que elas, na verdade, escondem preconceito e desconsideração. Sim, se puder me escutar falarei o que tenho guardado em meu coração, mesmo que isso possa lhe ferir.
A velhinha apenas levantou a sobrancelha esquerda e continuou a me fitar de longe.
– Continuando, a senhora ajudou centenas de crianças na Índia, o que a fez merecedora do Prêmio Nobel, o que é algo que reconheço ter valor. Porém eu lhe pergunto: porque este elitismo? O que a senhora fez pelas crianças negras da Nigéria? E as crianças vítimas de Napalm no Vietnã? Qual foi sua ação para interromper a guerra que lá ocorria? Qual sua atitude para acabar com o Apartheid? Por que a senhora dedicou-se a uma determinada etnia e desprezou as outras? Por acaso as crianças indianas são melhores do que as demais? Mais limpas, mais dóceis? Ou existem questões financeiras envolvidas? Veja, não estou lhe acusando de nada, mas eu percebo um mercantilismo em suas ações, uma falta de verdadeira fraternidade, e um desejo de ajudar apenas as pessoas que a idolatram. Isso não é exatamente cristão, não lhe parece?
Madre Teresa continuava olhando para mim fixamente e não moveu um músculo sequer além do leve golpe de sobrancelha anteriormente citado. Seu rosto era calmo e sereno, como a tentar entender as razões da minha inconformidade.
Continuei.
– Tudo o que vejo na sua obra é para aqueles que a senhora considera os escolhidos. Pão, afagos, roupas quentes e abrigo. Mas e os que moram longe? E os que estão em outros países? Como a senhora aceita que apenas alguns sejam beneficiários de seu amor e compaixão, enquanto tantos outros sucumbem à dor e à miséria? Como pode manter essa face inexpressiva diante de tanta desconsideração com o que deixou de fazer por tanta gente?
Mantive meu olhar censurador e firme, não me deixando fraquejar pela doçura e calma de sua expressão.
– Olhe bem…. não sou dessa área. A caridade não é uma coisa que me mobiliza ou comove. Prefiro trabalhar aqui, atendendo partos e ajudando algumas poucas gestantes. Mas a senhora poderia ter feito muito mais, mas preferiu ser a “Madre de Calcutá” quando o mundo inteiro estava sequioso de ajuda, de afeto, de uma mão amiga, pessoas estas que a senhora se negou a ajudar por querer se manter apenas nesta cidade. De nada adianta me dizer os lugares que a senhora visitou e nos quais abriu filiais de sua Congregação “Missionárias da Caridade”, pois muito maior será a quantidade de cidades e vilarejos que a senhora NÃO visitou, deixando tais pessoas à própria sorte, à mercê da vilania do mundo.
Meu final foi apoteótico:
– Muito triste ver o que a senhora fez com os seus ideais…
A humilde senhora finalmente se levantou. Deus dois passos tímidos em minha direção. Colocou as mãos sobre o colo e de forma suave e lenta… sorriu. Pegou em minhas mãos e juntou-as com as suas. Olhou firmemente em meus olhos e disse uma única frase:
“Faça diferença para aqueles que te procuram, ofereça o afago para todos ao teu redor e o perdão para quem não te entender, e para o resto procure exercitar a paciência“.
Largou minhas mãos, sorriu e caminhou em direção à porta.