E o seu marido, onde está?
Bem vi, por certo dorme,
pensando em outras volúpias.
Impossível que não desconfie
do nosso envolvimento.
Eu acho que não devemos
continuar nos vendo…
Já sabia?
Meus clichês são assim
tão previsíveis?
Eu não queria me apaixonar…
Desde o princípio nossa química
parecia perfeita, mas este é apenas
mais um lugar comum estúpido.
E agora nem as reações mais banais
parecem oferecer segurança.
Você nunca deveria ter
me seduzido dessa forma…
Sim, não tire de si esta responsabilidade.
Não estou lhe jogando culpas,
mas perceba como tudo aconteceu
de uma forma que não me deixava
alternativas.
Fui uma mosca emboscada, hipnotizada
e acabei enredado, sem perceber,
no visgo de sua teia.
Você foi cruel
e sua sensualidade destrutiva.
E eu acabei caindo
pelas minhas próprias fraquezas.
Roubou-me a alma e agora vejo você
se comprazendo com a dissolução lenta
e agonizante do meu corpo.
Será que por algum momento
pensou em mim?
De verdade?
Sabe de uma coisa?
Melhor que ele saiba.
Melhor que me mate.
Talvez assim eu consiga
o descanso que desejo;
a sorte que procurei;
o destino que sempre ambicionei.
Quer saber se quero lhe ver?
Que pergunta é essa?
Perguntarias a um faminto se ele quer
um prato de comida envenenada?
O quanto te sorvo, tanto me consumo…
Tu és minha saciedade e meu veneno.
Vou ligar para ele e contar tudo;
de uma só vez.
Talvez a bala que ele me lançar
já me encontre morto.
Se eu quero lhe deixar louca?
Pudera eu enlouquecê-la.
Assim louca talvez nossa relação
tivesse mais sanidade.
A verdade é que meus tendões
estão a se romper
e minhas mãos procuram
meu pescoço,
num afã de terminar com o ar
que respiro.
Minha mente vagueia solta,
desesperada, perdida
e presa ao mesmo tempo.
Só penso em você,
prisioneiro de uma doença.
Ao mesmo tempo em que lhe quero,
lhe odeio e amaldiçoo.
Prefiro a liberdade final
ao aprisionamento que se impõe.
A arma carregada transpira
na minha mão seca.
A ponta do revólver coça meu palato…
Tento engolir em seco,
mas sinto o gosto do cano
a corroer minha garganta…
Minha vida não merece
o calor das manhãs.
Meu despertar tem o sabor ocre
das saudades infinitas.
Não há mais sentido nessa dor,
somente dor nos meus sentidos.
E a culpa é toda sua…
PÁ!… o ruído seco ecoa
na boca semiaberta.
Sinto o gosto da pólvora na língua.
Minha mente se embaralha
com o som áspero da bala
a romper a neuroglia.
Sinto os sonhos confusos
tornando-se imagens vítreas.
Mas na escuridão que se forma
percebo uma tênue luz que ganha corpo
no infinito próximo…
Lá, no brilho tubular encontro,
sem surpresa, tua imagem.
Percebo então, endoidecido,
que nem a morte me separaria de você.
Você me acompanharia aonde quer
que minhas ilusões me levassem.
Mesmo a extinção não seria
a linha definitiva.
Tiro a arma da boca e vejo
a realidade da parede à minha frente.
Ainda com o gosto da fumaça na boca
olho para os lados à procura de mim mesmo.
Por não me encontrar, decido esquecer
Sozinho.