Kardec e o Racismo

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O racismo (inquestionável ao meu ver) de Allan Kardec, criador do espiritismo, foi abordado por alguém em uma conversa recente, mas foi posteriormente deletado por ter gerado muitas reações “acaloradas”. Eu não vejo nenhum problema em questionar essas figuras históricas à luz de novas ideias e visões de mundo.

Apesar do Espiritismo não ter sido criado para ser uma religião, mas um suporte às religiões, ele acabou se tornando uma espécie de “seita cristã”, em especial pelo seu florescimento no Brasil, um país marcadamente cristão.

Todas as religiões são construções humanas, e o espiritismo não poderia fugir à está regra. Não existe nada na cultura que não seja derivado de necessidades humanas e materiais. As religiões monoteístas são criações das sociedades antigas para envolver de magia e transcendência ordenamentos sociais adaptados à época em que floresceram. Da mesma forma, o que Kardec expressou em sua obra está relacionado ao seu tempo, seu contexto e sua visão particular de mundo. Não há como isolar o autor de qualquer trabalho de suas circunstâncias, pois que somos o produto do meio onde estamos inseridos e também forças motrizes para sua modificação. Desta forma, é importante analisar as posturas racistas de Kardec com muito cuidado. O “racismo” encontrado nos escritos de Kardec pode (deve) ser criticado hoje, mas por certo que na época em que foi escrito não causou nenhum alarde. Estas características e perspectivas de mundo não podem ser divorciadas do seu tempo, e é necessário fugir do anacronismo dessas condenações.

Lembre que no século XIX estava no auge o colonialismo europeu em África e existia um consenso “científico” sobre a inferioridade intelectual dos negros. Para os europeus que navegavam pelos oceanos expandindo o conhecimento do mundo e vivendo a euforia da revolução industrial, era natural encarar os negros despidos e “selvagens” de África como sendo inferiores. Não se trata de perdoar ou passar a mão, mas entender em que contexto estas obras foram escritas. É necessário tirar dessas observações aspectos morais: Kardec não tinha uma visão negativa dos negros, apenas os considerava inferiores na escala evolutiva. Hoje bem o sabemos que se trata de um erro grosseiro, mas o criador do espiritismo não tinha o instrumental e o conhecimento que hoje possuímos. Igual crítica que se fez à pretensa homofobia de Che Guevara; entretanto, seus comentários ocorreram nos anos 60 quando “homossexualismo” era considerado uma doença contagiosa e degradante, uma época em que os homossexuais eram atacados mesmo nos Estados Unidos. Assim, é importante mostrar essas contradições ao mesmo tempo que se procura entender que se tratam das inconstâncias e contradições de um homem diante dos valores do seu tempo. Deveríamos acusar – e cancelar – também Vinicius de Morais, Fernando Pessoa e Humberto de Campos por suas posturas abertamente racistas, e pela misoginia que transita em seus textos?  Ou entender que a obra deles só pode ser entendida no contexto em que viveram?

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