Por debaixo de um ato qualquer existe uma construção social e inconsciente que nos impele às ações. Mesmo quando o ato nos parece incongruente existe uma lógica que o sustenta além da nossa rasa compreensão. O que os torna fortes e longevos é sua conexão com o desejo, e não com a razão.
A episiotomia ocupa um lugar no próprio imaginário feminino, que aceita tais mutilações como o “preço a pagar” por ser mulher e trazer seu filho ao mundo com segurança. O mesmo ocorre com as mutilações genitais na África, onde as próprias mulheres ainda aceitam esse destino como justo, talvez como culpa ancestral pela própria condição feminina, sempre ligada ao pecado e ao erro.
Na China nenhuma das alunas enfermeiras obstetras de diversas províncias chinesas realizava episiotomia de rotina. Ficaram escandalizadas quando falei da nossa taxa global de 56% (e de estados do centro-oeste com 70% de taxa de episiotomia). E isso em um país em que quase todos os partos são em litotomia. Para elas episiotomia é uma conduta estranha e violenta. Conseguiram manter a ideia de um períneo intocado mas infelizmente sucumbiram aos modismos ocidentais como parto deitado, máscara, esterilização, separação mãebebê, hospitalização, etc.
Mudar essa condição será possível quando trouxermos tal construção histórica à luz. A simples evidência de sua inutilidade e malefício (cujos estudos comprobatórios já contam mais de 30 anos) não é suficiente para erradicar uma prática violenta, por mais evidências apontadas. É preciso mais do que razão; é necessário consciência política e organização social para pressionar pela extinção das más práticas.