Existe na medicina uma tendência quase irresistível de criar rotinas, fluxogramas, protocolos, etc. É da natureza das ciências criar formas de normatização e análise para um entendimento mais preciso dos fenômenos. Aliás, este tipo de abordagem ofereceu uma fantástica oportunidade para a ampliação do conhecimento, uma ferramenta preciosa para o progresso. Obrigado, Descartes…
O problema ocorre quando está perspectiva se aplica à fisiologia do parto, onde os aspectos pessoais e sexuais das mulheres se associam aos fenômenos fisiológicos, hormonais e mecânicos envolvidos na expulsão fetal.
A aplicação de regras, rotinas e protocolos vai ser sempre conturbada pois a abordagem rígida das ciências aponta para um ponto complexo: os aspectos subjetivos, únicos, pessoais, eróticos e afetivos que circundam este evento. Nesta circunstância os fenômenos se tornam erráticos ou pouco previsíveis.
Quando analisamos, como na velha escola obstétrica, o parto por duas variáveis – conteúdo e continente – ele se torna simples para entender, para manipular e para controlar. Essa fórmula é tão sedutora quanto falsa, na medida em que o ser humano, inserido num universo de linguagem, não se adapta ao plano do real, envolvido que está num mundo simbólico de significados mutantes e intransferíveis. Assim, os protocolos sempre vão esbarrar na evidente característica rebelde do corpo erotizado de uma mulher parindo.
Este comportamento selvagem é o que existe de mais precioso no parto, assim como em todas as manifestações sexuais e, por esta razão, fugir dos protocolos homogeneizantes é uma atitude sensata.
Para atender partos e nascimentos é essencial ter princípios, como autonomia, liberdade, protagonismo, ajuda capacitada, ambiência, afeto, cuidado, etc; estes são os objetivos da atenção que é oferecida às todas as parturientes. Todavia, para se chegar a isso os caminhos são infinitos, assim como são infinitas as mulheres parindo, e qualquer cuidador consciente do seu lugar precisa ter esta realidade como norte em qualquer ação utilizada.
(em conversa com Eloiza Fernandes Giraldi)