Futebol

“A gente se odeia, mas se respeita”…

Quando eu era adolescente as brigas eram raras entre torcedores de times rivais. As torcidas saíam juntas do estádio. As arquibancadas eram divididas ao meio, metade para cada torcida. A distância entre os torcedores era não mais que dois metros, e para separar havia apenas um corredor de policiais de cada lado; na hora do gol era quase possível encostar no rival. Não havia gangues travestidas de torcidas organizadas. A violência não era a tônica.

Havia “flauta”, brincadeiras, deboche, festa, carreatas na rua e muita gozação. A violência foi inserida a partir dos anos 80, e no mundo todo, espelhando o fenômeno “hooligan” da Inglaterra. Aliás, fenômeno esse deflagrado durante os tempos de neoliberalismo feroz de Margareth Thatcher. Todavia, para entender esse fenômeno é necessário se dar conta de que não houve uma modificação no futebol e nos clubes que justifique esta transformação dramática no comportamento das torcidas; a mudança foi social, com repercussões em todos os setores da sociedade. O nobre esporte bretão apenas acompanhou as modificações sociais que se estabeleceram.

O futebol, como legítima manifestação da cultura, não poderia ficar isolado das transformações drásticas na economia. A falência do capitalismo, a concentração obscena de renda, o empobrecimento da classe média, fizeram com que o futebol se tornasse um repositório natural das nossas frustrações. Passamos a usar esse esporte como o espantalho das nossos fracassos e fragilidades. Jogamos no futebol a nossa raiva, numa catarse coletiva; o adversário é o chefe, o patrão, o vizinho, o colega que nos oprime, as mulheres que não nos quiseram, os homens que nos desprezaram, os políticos, os ricos, os imigrantes e tudo quanto nos agride.

Nosso grito, em verdade, é contra a opressão que produz ricos e miseráveis. Entretanto, é inconsciente ainda. Não estamos cientes do nosso inimigo, e o confundimos com as cores do nosso adversário. O dia em que acordarmos para esta realidade o futebol não vai precisar ser usado para canalizar tanta frustração. O que nos faz jogar sobre este esporte tantas emoções é a neurose coletiva amplificada e abrangente. Como estrutura básica do ser humano ela não pode ser curada, mas pode ser civilizada se (ou quando) seus condicionantes – o capitalismo – forem superados, para que a paixão pelo esporte não se confunda com a violência explícita.

Não existe “cura” para a violência das torcidas que não passe pela mudança profunda da estrutura social. Precisamos curar a sociedade ajustando suas fundações, baseadas no capitalismo e no imperialismo, que estão ruindo de forma inquestionável. Enquanto houver opressão e violência imbricada na cultura ela vai se expressar no futebol e naqueles que amam esse esporte. Não há como curar a neurose projetada no futebol sem tratar a sociedade adoentada, que usa o futebol como válvula de escape para os nossos fracassos.

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