Por qual razão as torcidas de fora do Rio Grande do Sul historicamente consideram que o Grêmio é o time mais difícil, mais aguerrido, mais temido e aquele que mais deve ser evitado?
Existem várias formas de explicar este fato, a maioria delas clubista. Entretanto, vou deixar aqui a minha teoria, que acredito ser a menos enviesada: nosso coirmão, o Internacional, nunca fez festa na casa alheia, com exceção dos campeonatos regionais. Todos os campeonatos acima do Mampituba (divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina) vencidos pelo Colorado foram com a volta olímpica sendo realizada em seu próprio estádio. Os três campeonatos brasileiros da série A foram vencidos no Beira Rio (Cruzeiro, Corinthians e Vasco) nos anos 70, assim como as duas Copas Libertadores. A sul-americana idem. O mundial não conta, porque hoje em dia ele é realizado em estádio neutro. Além disso, as duas Copas Libertadores do Internacional foram, respectivamente, contra um time brasileiro (São Paulo) e um time mexicano (o Chivas Guadalajara), o que não melhora o cartaz entre os clubes sul-americanos e não produz a imagem de clube guerreiro, ameaçador, imbatível e “imortal” entre as torcidas da América Latina.
Por seu turno, o Grêmio tem vários campeonatos vencidos fora de sua casa, fazendo festa nos domínios do adversário inúmeras vezes – e de forma épica. Isso marca muito a imagem do clube fora de suas fronteiras. Temos 5 copas do Brasil, sendo que duas delas ganhamos contra os times de maior torcida do Brasil, fora do nosso estado e com estádios lotados: Flamengo de Romário e Corinthians de Marcelinho Carioca e Luxemburgo. Também fomos campeões brasileiros sobre o São Paulo de Valdir Perez e Serginho vencendo as duas partidas finais, sendo a grande final no Estádio Morumbi repleto. São derrotas “em casa” que os adversários jamais esquecem.
No âmbito da América, ganhamos 3 libertadores, duas dela na casa do inimigo: uma na Colômbia contra o Nacional de Higuita e outra contra o Lanús em Buenos Aires. Ou seja: fizemos a festa da América na casa “deles”, expondo a torcida adversária à dor de uma derrota em seus próprios domínios. A terceira foi no nosso estádio, mas contra o campeão do Mundo, o Peñarol de Fernando Morena. Desta forma, ganhamos 3 libertadores vencendo na final clubes das 3 maiores praças futebolísticas da América – além do Brasil: Uruguai, Argentina e Colômbia. Até nossa vitória no Brasileirão da série B foi fora do nosso estádio, e de forma épica: em Recife, contra o Náutico, na Batalha dos Aflitos, que o Brasil inteiro lembra como o feito mais heroico da história do futebol profissional. Também a falecida Copa Sul ganhamos em Curitiba, contra o Paraná Clube, jogando em seu estádio.
Ou seja: o Grêmio é o mais aguerrido dos clubes do Sul do Brasil e o adversário mais temido pelos “hermanos” dentre todos os clubes brasileiros da Libertadores. Essa fama – e o temor causados nos adversários – foi forjado porque criamos a imagem de um time guerreiro que não se intimida com a torcida adversária e por termos uma história de imortalidade. Ganhamos campeonatos importantes e de forma espetacular na casa dos nossos inimigos. Por isso quanto mais nos odeiam, mais nos admiram.
Estudos sobre os significados sociais e culturais do futebol são – sem dúvida alguma – muito necessários, profundos, interessantes e criativos. Por certo que deve haver milhares já feitos e sendo produzidos nos cursos de ciências sociais. Até eu, no meu primeiro livro, descrevia as torres de iluminação dos estádios como “enormes colunas de artilharia para o ataque aos inimigos”. Tudo é metáfora no futebol (até o goleiro, que na minha juventude, se chamava “arqueiro”), e tudo nos mostra o uso do “esportes bretão” para a sublimação dos nossos pendores violentos, e isso se manifesta através da “guerra” entre bandeiras e comunidades.
Torcer por um clube tem a ver com a socialização, a herança simbólica e a produção de laços sociais. Os clubes nada mais são que clãs modernos, cuja história e grandeza são formadas por episódios épicos, elementos fundadores e atos do mais intenso heroísmo – pense na Batalha dos Aflitos, por exemplo, onde um time ganhou – e se tornou campeão – com 7 jogadores em campo, diante de um estádio lotado de torcedores adversários. São histórias recheadas de narrativas trágicas, lendas fabricadas e mitos, como o de Eurico Lara, lendário arqueiro do Grêmio, corroído pela tuberculose, que defendeu um pênalti no Grenal do centenário Farroupilha (1935), expeliu uma lufada de sangue após defender o tiro livre, saiu do estádio direto para o hospital e morreu pouco tempo depois em decorrência dessa doença. Existe algo mais heroico e dramático que isso?
Desculpe, como sou gremista trago as mitologias do Imortal, mas todos os grandes clubes as têm.
Trata-se de uma narrativa moderna de recuperação, derrotas incessantes e vitórias redentoras. O futebol é a mitologia moderna mais elaborada. Tivesse sido inventado há três mil anos e a guerra de Tróia sequer teria existido, e a charmosa Helena teria sido disputada em uma final com turno e returno, gol qualificado, VAR, com direito a pressão sobre a arbitragem e disputa milionária pelos direitos de televisionamento.
Longa vida ao futebol, e abaixo o futebol moderno.
O gosto da vitória está inexoravelmente conectado ao esforço. Não se trata de “romantizar o sofrimento”, mas valorizar a intensidade e o sentido do trabalho dispendido. Algo recebido sem esforço não adquire valor. O ouro só é valioso pelo trabalho intenso para encontrá-lo; os diamantes também. Já o ferro e o cobre são obtidos com muito menos “sofrimento” – ou esforço, e é altamente por isso que estes metais valem muito menos.
Equilíbrio entre a dor de avançar e os resultados obtidos é outro tema. O esforço é o que dá valor às nossas conquistas. Ou, como diria meu irmão, “tudo que é de graça custa muito caro”, pois que não está conectado com nossa dedicação ao objeto construído.
Aqueles que não reconhecem o significado das conquistas difíceis e das batalhas heroicas não conhecem futebol e nunca vivenciaram uma vitória épica do seu time (recomendo ler sobre a Batalha dos Aflitos) e nunca tiveram que sofrer diante dos seus medos e inseguranças para conquistar a mulher por quem estão apaixonado. “Quanto mais fácil melhor” é um absurdo colossal; na verdade, o oposto está muito mais próximo da verdade: quanto mais difícil, maior o prazer da conquista…
O futebol, além dos seus elementos estéticos e anticapitalistas (como disse Túlio Ceci Villaça), mais um fator importante, que eu poderia chamar de decisivo para que seja considerado o rei dos esportes: seu caráter democrático, que inexiste no basquete, no vôlei e até no tênis: você pode ser um gênio da bola e ter apenas 1.70m de altura, como Pelé, Maradona, Messi e Romário. Também dois pares de Havaianas já fazem um campo, ou mesmo se pode armar uma cancha em lugares improváveis, como o famoso jogo improvisado entre alemães e ingleses na trégua das batalhas da 2a Guerra Mundial. Por certo que isso seria muito pouco provável nos outros esportes, com suas redes e cestas nas alturas.
Em todos os outros esportes com bola a qualidade superior dos poucos atletas em quadra fará o resultado na maioria das vezes. As zebras são muito mais raras. Já no futebol o medíocre por vezes ganha do excelente e, exatamente por isso, faz história. O “maracanaço“, nosso mais amargo insucesso, foi a derrota para um time tecnicamente inferior, mas com uma garra e determinação invejáveis, elementos “mágicos” do futebol. Nossa derrota ofereceu ao Uruguai o mito fundador de uma escola inacreditável de craques, impossível de imaginar para um país que não é maior do que alguns poucos bairros da cidade de São Paulo.
E paro por aqui para não falar da “Batalha dos Aflitos”, o acontecimento mais épico da história do futebol. Só este esporte é capaz de tamanha magia…
Eu falei há muito tempo que um possível fracasso de Renato no Flamengo seria completamente diferente das dificuldades que teve aqui no sul. No tricolor gaúcho ele é o ídolo supremo, a memória viva da sua maior glória – o mundial de 1983 – e alguém que tem até uma estátua a ornamentar sua arena. No Flamengo ele não tem esse lastro. Cantei a pedra de que Renato seria no Flamengo um técnico comum, sem o crédito que os mitos locais carregam.
Mas também acho que se deposita nos técnicos bem mais do que eles representam. No futebol existem tática, mecânica de jogo e estratégia, sem dúvida. Há técnicos que dominam como poucos esses aspectos do jogo. Outros, por seu turno, mobilizam o grupo pela emoção, o que também é uma arte complexa. Entretanto, há sempre um quinhão de aleatoriedade inerente à esse esporte. Alguns técnicos perdem por isso, enquanto outros se tornam vitoriosos.
Não vi o jogo – porque não assisto partidas em que torço para os dois perderem – mas vi o compacto. O Flamengo perdeu um gol dentro da pequena área nos instantes finais da partida. Caso Michael tivesse acertado, Renato seria hoje um mito, carregado pela multidão de flamenguistas, desculpado de todas suas falhas? Creio que sim…
Ontem foi comemorado o aniversário de 16 anos da Batalha dos Aflitos*. Nesse jogo emblemático, quando faltavam 10 minutos para o fim da partida, o goleiro do Grêmio – Galattooo – pegou um pênalti. Com 7 jogadores na linha o Grêmio faz o seu gol na continuidade do lance, míseros 71 segundos após a defesa de seu goleiro. Um MILAGRE que nunca mais vai se repetir na história das finais de campeonato profissionais de futebol. Em 71 segundos ganhou do Náutico e voltou à série A.
Todavia, naquele jogo (e em outros) o técnico do Grêmio, Mano Menezes, cometeu vários erros incompreensíveis. Entre ele deixar Anderson, o melhor jogador do time, no banco, o mesmo que salvou o time no final, e esses erros foram narrados ao vivo pelos jornalistas. Porém, graças ao seu goleiro, o Grêmio tornou-se campeão e levou esse técnico à glória, chegando à seleção brasileira alguns anos depois.
Até hoje me pergunto: se Galatto não pegasse o pênalti e o Grêmio se mantivesse na segunda divisão, o que seria da carreira desse técnico, cujos erros foram todos esquecidos pela euforia da conquista? Nesse caso a Deusa Álea – a divindade dos fatos aleatórios – sorriu para o técnico. No caso de Renato, prejudicado por uma falha grotesca de seu jogador na prorrogação, ela não foi de nenhuma ajuda.
Tirar os fatores aleatórios do futebol seria mais justo, mas como cobrar racionalidade a um esporte que só existe em função da paixão amaurótica e irracional?
* A Batalha dos Aflitos foi um jogo que ocorreu no quadrangular final da série B no ano de 2005. Além da vitória o Grêmio foi garfeado escandalosamente nesse jogo. Houve dois pênaltis inexistentes marcados contra si, mas apesar dos erros de arbitragem alcançou uma glória que nenhum time do Brasil possui. O jogo foi no final de 2005. Desafio qualquer um a me dizer sem pesquisar quem foi o campeão mundial daquele ano; quem foi o vice campeão brasileiro da série A e quem foi o campeão da Libertadores. Nenhum deles lembramos sem pesquisar, mas quando alguém recorda dessa batalha épica imediatamente tem arrepios.
Todos os torcedores do Brasil sabem o que foi a Batalha dos Aflitos, um jogo em que 7 jogadores ganharam de 10 adversários no estádio do inimigo, contra o juiz, contra a tinta tóxica no vestiário, contra a torcida local fazendo barulho na frente do hotel e contra uma arbitragem acovardada e frágil. Um jogo para sacramentar a imortalidade de um clube.
E não adianta chorar.Veja mais sobre esse jogo aqui.
Em 26 de novembro 2005 ocorria um dos eventos mais espetaculares da história do futebol mundial. Sem precedentes. Não é exagero: isso nunca mais vai se repetir em lugar nenhum do mundo envolvendo grandes clubes na disputa por um campeonato em nível nacional.
As finais da série B daquele ano envolviam quatro equipes classificadas na fase anterior: Grêmio, Náutico, Portuguesa e Santa Cruz. Um gaúcho, um paulista e dois pernambucanos. Na rodada final e decisiva o Grêmio jogava contra o Náutico em Recife enquanto o Santa Cruz jogava na mesma cidade contra a Portuguesa de Desportos. Estas seriam as duas partidas do quadrangular final da série B daquele ano. Das 9 combinações de resultados possíveis para estas duas partidas 8 favoreciam o Grêmio. Só não podia acontecer uma combinação: a derrota do Grêmio combinada com a vitória do Santa Cruz. E aos 36 minutos do segundo tempo era exatamente isso que estava acontecendo. Vamos então recordar os acontecimentos daquele dia.
O Grêmio tinha um time horrível derivado da hecatombe da falência da ISL – uma empresa Suíça de marketing esportivo. Apesar disso, ali estavam Anderson e o garoto Lucas, mas o resto do time era composto de jogadores medíocres. O técnico era local, sem nome e sem história – Mano Menezes, que depois chegou até a dirigir a Seleção Brasileira. Costumo dizer que se o goleiro Galatto não fizesse o que fez Mano Menezes seria motorista de táxi em alguma cidade do interior do Rio Grande até hoje. Durante o campeonato fez muitas burradas, inclusive deixar Anderson – o melhor jogador do time – no banco. Foi criticado de forma contundente pela imprensa e até hoje eu o considero o técnico de futebol mais sortudo de toda a história do futebol.
Antes mesmo de se iniciar a partida o Náutico fez de tudo para prejudicar o Grêmio. Prenderam jogadores e comissão no vestiário, não permitindo o aquecimento no campo, mas antes se deram ao trabalho de pintar as paredes, deixando os jogadores tontos pelo cheiro forte de tinta. O clima era de uma verdadeira guerra, incendiado pela imprensa local que queria os dois times pernambucanos na categoria de elite do futebol brasileiro; os jogadores de ambos os times eram gladiadores preparados para toda sorte de infortúnio.
O jogo na primeira etapa foi sofrível. Pouquíssimo futebol sendo apitado por um juiz inseguro e tecnicamente ruim. Muitos anos depois foi envolvido em escândalos da polícia militar. Marcou um pênalti absurdo contra o Grêmio no primeiro tempo que não foi convertido. Teve sorte.
Enquanto isso na outra partida em Recife, a Portuguesa saía na frente, o que aliviava o Grêmio. Entretanto, não durou muito para o Santa Cruz empatar e virar o jogo. O alívio durou pouco.
No segundo tempo o jogo continuou horrível em termos de futebol, mas o Grêmio resistia. O jogo do Santa Cruz não parecia mudar em nada; estava definido. O destino do Grêmio seria mesmo nos Aflitos.
Em um contra-ataque do Náutico, o goleiro do Grêmio – Gallato, guarde esse nome – fez pênalti em Kuki mas o juiz não marcou, o que me deu a certeza de que não havia por parte dele interesse em ajustar resultados. Se quisesse favorecer o Náutico esse seria o momento. Os lances que ele marcava eram sob brutal pressão dos jogadores e da torcida. Estava perdido e apavorado.
Quando faltavam 9 minutos para acabar a partida o juiz Djalma Beltrame marcou um pênalti contra o Grêmio de forma absolutamente equivocada. Nessa hora já tínhamos perdido um jogador, Escalona ao 26 min, que foi expulso ao levar o segundo cartão amarelo, mas estávamos resistindo. Nessa nova marcação de penalidade máxima equivocada o jogador Nunes do Grêmio se virou de costas após o chute do adversário e o juiz apontou para a marca da cal de forma imediata. Não foi falta, e as milhares de repetições na TV confirmaram. Indignação total de toda a nação tricolor. Ele provavelmente marcou este pênalti para compensar o fato de não ter marcado o pênalti anterior.
Surgiu-se um brutal o confronto e os jogadores do Grêmio foram sendo expulsos de campo, um após o outro, por indisciplina. Antes da cobrança mais três acabaram indo para rua. Ao todo 4 jogadores saíram: Escalona (antes do entrevero), Nunes, Patrício e Marcel. O juiz ficou cercado, a polícia entrou em campo, dirigentes dos dois clube também. Brigas, empurrões e o Grêmio já estava diante do pior cenário que um clube pode enfrentar: partida final do campeonato, com 6 jogadores apenas na linha, o adversário completo, um pênalti contra si, na casa do oponente, com o estádio lotado e faltando apenas 9 minutos para acabar a partida. As imagens marcantes que antecedem a cobrança são da torcida do Náutico de mãos dadas rezando, em silêncio reverencial.
Do outro lado, no time Timbu, sobreveio uma crise. Ninguém queria bater a penalidade. Os jogadores mais experientes “pipocaram” e serão para sempre cobrados por isso. Era muita responsabilidade: a bola do jogo, aquela que daria acesso à “série A”, o grupo de elite do futebol brasileiro. Acabaram determinando que um jovem lateral, um menino recém saído da base, batesse o pênalti. Ademar seu nome.
Era visível seu pânico ao se posicionar para a cobrança. Um garoto diante da possibilidade de acesso de seu clube à série A. Depois de muitos minutos de brigas, empurrões, discussões, ameaças e tensão o juiz apita. A respiração da torcida do Grêmio é interrompida e o silêncio se faz em todo o Brasil. Ademar caminhou trôpego para a bola, enquadrou o corpo para bater de esquerda. Disparou o chute e…
Galatto!!!! Inacreditável!!!! Seu corpo caiu para a esquerda, mas mantendo o pé no centro conseguiu tirar a bola para escanteio. A maior torcida do Rio Grande gritava de euforia, mas eu permaneci quieto e apreensivo. Tínhamos 7 jogadores em campo contra 11 do adversário. Quatro jogadores do Grêmio já haviam sido expulsos: Escalona, Nunes, Patrício e Domingos. Se já é difícil equilibrar um jogo com um jogador a menos imagine com 4 jogadores faltando! Era possível que o gol do Náutico ocorresse até no escanteio que ocorreria em sequência, com tantos jogadores a mais em campo. Não havia muito para se tranquilizar, e os 9 minutos restantes seriam um século, mesmo que o empate ainda nos garantisse o segundo lugar e o acesso para a série A.
Foi então que o mais improvável aconteceu. Depois do escanteio a bola espirrou para a esquerda e caiu nos pés de Anderson. Ele se livrou do adversário com um drible e na sequência foi atropelado pelo zagueiro Batata, sendo arremessado violentamente para fora de campo. O juiz não teve alternativa a não ser dar o segundo cartão amarelo e expulsar o defensor do Timbu, mas ainda restavam 9 jogadores vermelhos contra 6 gremistas na linha. Todavia, o time do Náutico estava tão perturbado que não sabia o que fazer em campo. A cobrança da falta foi tão rápida que chegou a enganar o cinegrafista. Anderson saiu correndo solitário em direção ao gol adversário, livrou-se do zagueiro com um jogo de corpo, entrou área adentro e desviou do goleiro, colocando a bola no fundo das redes.
Impossível, milagre!!!!! Exatos 71 segundos após a defesa de Galatto o Grêmio marcou um gol espetacular. Sete bravos guerreiros (1 goleiro e mais 6 na linha) contra os erros de um juiz em pânico, uma torcida que lotou o estádio e um time com 9 adversários na linha. A torcida foi à loucura em todos os cantos do mundo!!! A essa hora o jogo do Santa Cruz já havia terminado e os jogadores do time “cobra coral” chegaram a dar a volta olímpica, iludidos de que haviam conquistado o campeonato da série B. Ledo engano!!! O Imortal tricolor jamais se entrega até o apito final.
Depois do gol do Grêmio baixou uma incrível apatia no time pernambucano. Nos 9 minutos que se seguiram não houve sequer uma situação de gol, mesmo com tamanha diferença numérica. Os jogadores do Grêmio se multiplicavam em campo, obstruindo as investidas, e assim o fizeram até quando Beltrame terminou o jogo e o Rio Grande do Sul veio abaixo.
Ali se confirmava a lenda da imortalidade cantada meio século atrás por Lupicínio Rodrigues no hino tricolor.
Saí da casa do meu pai onde assisti o jogo e fomos para a avenida Goethe, próximo de onde era a antiga Baixada, estádio do Grêmio até os anos 50. Uma multidão enlouquecida lá reunida dizia em uníssono “Eu não acredito“, “Não é possível“, “Milagre“. Nenhum título poderia ser mais comemorado, não pela taça em si, mas pelas circunstâncias de bravura, luta, heroísmo e enfrentamento das adversidades.
A Batalha dos Aflitos é o ápice do heroísmo no futebol. Nada parecido isso aconteceu jamais ocorreu no âmbito do futebol profissional. Ela deve ser valorizada por por sua façanha épica sem paralelo no mundo esportivo. E não esqueçam que o futebol não vive de campeonatos que são vencidos com quatro rodadas de antecedência, mas de fatos improváveis, vitórias inesperadas, derrotas humilhantes e retornos triunfantes.
O futebol não vive da qualidade e da excelência, mas da paixão e da superação.
Por esta razão, para chegar a essa epopeia em Recife, foi necessário uma série imensa de erros e incompetências, e isso deve ser lamentado. Inclusive não se deve esquecer dos erros na concepção do time e as mancadas absurdas do técnico. Portanto, não é justo analisar o evento da Batalha dos Aflitos com maniqueísmos; a “batalha” deve ser exaltada pelo heroísmo inédito, pelas circunstâncias e contextos, pela superação e pela magia que a cerca. Todavia, precisa ser lamentada pelos erros, pelas falhas e equívocos que levaram a ela.
De qualquer maneira, esta data ficará na lembrança de todos os gremistas como a maior prova de que é preciso lutar e acreditar até o último instante, porque se a vitória se afigura impossível e distante….. “até a pé nós iremos!!”
Para quem quiser entender mais sobre esse momento épico do futebol mundial veja este clip….