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Liberdade e Imprensa

Estes que agora levantam a bandeira da “liberdade de expressão”, democratas de fachada e oportunistas da livre expressão, sempre foram vorazes defensores do capitalismo – um sistema que torna a cidadania e os direitos humanos produtos que se compram na prateleira. Este modelo de sociedade, ao exaltar uma sociedade de classes dividida entre capitalistas e trabalhadores, cerceia a liberdade de quem, alijado do capital, se torna incapaz de exercer sua cidadania com plenitude. Estes são os mesmos “libertários” que há poucos meses se mobilizaram, com slogans, cartazes e povo na rua, por uma nova ditadura militar no Brasil. Com bandeiras verde-amarelas, laquê nos cabelos alourados e gritos de “eu autorizo”, conclamavam as forças militares à tomada do poder, mesmo com o uso da força, desprezando os resultados eleitorais.

Estiveram todo o tempo alinhados com a extrema direita prestando continência para pneus e chamando ETs com o celular. Esperavam que uma ditadura militar, com a volta dos mesmos personagens violentos e estúpidos do passado retornassem de suas tumbas. Se pudessem, trariam Newton Cruz e Coronel Ustra de volta ao nosso convívio, para junto com Geisel, Médici e Figueiredo impor a “disciplina” e a “ordem” no Brasil.

Isso nos deixa uma importante lição: não há porque desistir do sonho de uma sociedade sem censura onde as mentiras sejam combatidas com a verdade e o exercício pleno do contraditório. Entretanto, não é admissível aceitar o discurso falso e dissimulado de quem há pouco tempo apoiaria a desaparição de todas as nossas garantias constitucionais e até mesmo os resquícios de liberdade política garantidos pela constituição de 1988. É preciso estar atendo às narrativas tortas da direita: quando os liberais falam de “valores democráticos”, “liberdade”, “livre expressão” nunca estão se referindo à garantia desses direitos às pessoas simples, o povo, o motorista de aplicativo, a doméstica, o rapaz da bicicleta do IFood ou o servente de pedreiro. Jamais estarão tratando dos direitos de todos, mas apenas dos deveres que a classe operária tem para com os ricos, para que estes últimos possam desfrutar da liberdade, um valor que pode ser usufruído apenas por quem “merece”.

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Hipocrisia

Existe uma hipocrisia humanamente construída sobre o respeito à diferença, que faz os inimigos mortais se cumprimentaram antes de uma disputa, ou que esconde algumas preferências para que essa distância de perspectivas não magoe quem você ama. Eu acredito que o “culto à verdade” tão exaltado em nossa cultura ocidental é a capa mais fulgurante e socialmente exaltada da crueldade humana. Dizer a “verdade” é uma das formas mais perversas de machucar e até destruir. Eu me afasto de gente “direta e sincera”; prefiro a mentira doce, o “vai passar” diante do diagnóstico terminal inexorável ou o “tudo vai dar certo” quando a tragédia pinta de negro o horizonte próximo. Nesse embate peço apenas que não me venham com verdades frias; prefiro o calor acolhedor das mentiras amorosas.

Migalhas dormidas do teu pão
Raspas e restos
Me interessam
Pequenas poções de ilusão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam

(Cazuza)

Ser verdadeiro e honesto em todas as circunstâncias da vida é algo impossível. Existe um contrato social informal, não escrito, de que existem verdades que devem ser escondidas, exatamente porque se acredita que a verdade deve ser usada em situações bem definidas. Ela só deve ser aplicada quando, de alguma forma, pode ser de auxílio para o mundo. Dissimular é essencial para a vida em sociedade; é algo que está distante do controle racional. Existem coisas que não podemos controlar com a razão, porque sua origem não é racional. Paixão clubística é um bom exemplo: torcer pelo seu clube e “secar” o coirmão são ações inevitáveis para o torcedor.

Isso só vai acontecer quando eu superar essa vida de paixões. Enquanto a paixão for minha guia serei dela, também, prisioneiro.

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O Dilema de Snape

Na minha cabeça aparece frequentemente o roteiro de um romance no qual o tema central é uma ação dissimulada protagonizada por um sujeito cuja vida é guiada por um “sentido de dever”, e que leva este sentimento como algo superior inclusive à sua própria vida e o seu legado. Essa imagem aparece para mim desde que eu era adolescente, como um dilema angustiante, uma encruzilhada aflitiva, mas infelizmente percebi que ela nada tinha de original. Em Harry Potter ela aparece no dilema de Severo Snape.

O drama é esse: imagine que você precisa fazer algo justo e correto, mas terá que aparentar estar fazendo exatamente o oposto, agindo de forma muito errada e contrária à sua vontade e seu padrão moral, pois sabe que apenas assim sua ação poderá ter sucesso. A maldade será a máscara perfeita para as suas atitudes. Agirá tendo como orientação secreta a virtude e um objetivo moralmente irrepreensível, porém deverá parecer a todos como egoísta, orgulhoso, vaidoso, imoral, ganancioso e rude. Tudo fará para reforçar sua imagem de mau, pois só assim terá acesso aos recursos para levar a contento sua tarefa elevada.

Todavia, ao contrário de Severo Snape – cuja ações nobres foram desveladas após sua morte e sua memória resgatada como alguém que sempre lutou contra as “forças do mal” – as suas verdadeiras intenções JAMAIS serão descobertas. Você morrerá como traidor, visto por todos como a personificação do mal, passará para a história como o canalha egoísta, aquele que tanto mal fez aos seus semelhantes. Será visto nos livros de história como o perverso, o estúpido, o desleal e alguém que representa o oposto da virtude e do bem. Enquanto isso, em seu íntimo, saberá o bem que acabou produzindo. Você será o único ser no universo a carregar esta verdade, e não há nada e nem ninguém que poderá salvá-lo dessa maldição. Terá apenas as estrelas como testemunhas de suas intenções puras.

A simples ideia de enfrentar esse dilema me deixa angustiado. Pergunto: quem teria a nobreza de aceitar esta missão? Creio que, se esse sentimento existir e for provado, será possível acreditar que a verdadeira fraternidade existe, ou seja, a capacidade de fazer o bem sem receber qualquer recompensa, inclusive aquelas puramente simbólicas.

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Mentiras Sinceras

Após um texto em que eu falava dos sentimentos contraditórios que os pais sofrem com o abandono insidioso dos filhos em percebi que houve muitas pessoas negando ciúme sobre filhos. É curioso como estes sentimentos naturais e – digo eu – obrigatórios são suprimidos do discurso. Ora, o ciúme, o desejo, o desprezo, a inveja operam nos estratos mais inferiores da consciência, enterrados pelo nosso eu protetor. Só raramente ele é explícito e abertamente expressado. Todavia, sem dúvida estão lá, por mais que nos esforcemos por recalcá-los.

“De perto ninguém é normal”, diria Caetano, mas quanto mais nos aproximamos mais aparecem os equívocos, as idiossincrasias, as falhas e muitas sujeiras escondidas sob as vestes engomadas.

Quando alguém me diz que nunca ficou enciumado pelo abandono inexorável dos filhos em busca de novos amores eu acho graça da inocência de quem imagina poder esconder dos outros – e de si mesmo – os sintomas de sua condição humana.

O mesmo acontece com o ódio dissimulado daquelas pessoas que me dizem: “Juro, eu não tenho ódio algum do Fulano. Dele eu só tenho pena”. Poucas mentiras são mais reveladoras do que esta. Porém, parece que esconder este sentimento negativo (e transformá-lo numa virtude, a comiseração) é capaz de melhorar um pouco a imagem ilusória que construímos de nós mesmos.

Ainda acho que, apesar de ser uma tarefa insana e custosa, reconhecer e aceitar nossos sentimentos mais primitivos e mundanos só tem a nos ajudar. Se não for por nós mesmos, ao menos nos auxilia a não julgar os outros com tanta dureza quando seus erros tão somente espelham os nossos.

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