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Filme antigo

Existe, entre tantos transtornos, uma clara vantagem em envelhecer: eu já era adulto quando Lula assumiu o governo em 2003, e lembro com exatidão a emoção daquele primeiro governo à esquerda e as expectativas criadas pela figura de Lula como seu mandatário. As críticas da esquerda de hoje à timidez das reformas esperadas são em quase tudo iguais àquelas de antanho. Entre meus amigos do campo progressista havia uma certa decepção que as vezes se expressava como revolta; todos queriam um Lula revolucionário, cheguevarista, colocando a máquina governamental para levar adiante nossos sonhos de equidade, justiça social, reforma agrária, reforma política, etc. e tudo que ele oferecia eram concessões ao centro e até à direita. Naquela época ele já nos sinalizava que não seria possível bater de frente contra as forças conservadoras do congresso, e de que não seria inteligente ou adequado e afrontar um parlamento explicitamente adverso.

Entendo o quanto isso pode parecer ruim para quem esperou longos seis anos para o retorno de um legítimo representante popular ao governo, depois da traição abjeta de Temer e o tempo da barbárie que significou o desgoverno bolsonarista. Também é estranho esse debate democrático no seio da própria esquerda para quem passou quatro anos assistindo um presidente tosco, ignorante e boquirroto como Bolsonaro a vomitar estultices e grosserias entre uma motociata e um discurso misógino e racista. A grande tarefa de Lula, neste aspecto, é resgatar o valor da Política, pois é exatamente isso o que Lula tenta fazer. Muitos desejam solapar o debate político em nome de uma nova ordem tecnocrática, excludente e autoritária, mas encontram em Lula um presidente que reconhece que a única forma que temos de apaziguar o país, dentro da nossa cambaleante democracia, é através do fortalecimento do embate de ideias, e não na sua supressão. Desta forma, Lula é um baluarte de defesa da própria de cidadania.

Apesar de entender as críticas – e concordar com quase todas – ainda confio mais na capacidade de Lula para desatar os nós e tecer a malha complexa dos acordos com os adversários. Este é o caminho mais seguro, dentro da democracia burguesa, para alcançar pequenos e consistentes avanços. Não podemos nos iludir que uma radicalização à esquerda – como desejamos – poderá surtir efeito positivo em um congresso que ainda herdou o clamor anti-político do lavajatismo e do seu filho, o bolsonarismo. Creio que, assim como há 20 anos passados, ainda devemos saudar o fato de que Lula é o maior gênio político da atualidade e o único capaz de recuperar o Brasil da barbárie que se abateu sobre o Brasil nos últimos 10 anos. Minha memória sinaliza que devemos dar o crédito que Lula necessita para fazer o que é possível dentro de um contexto mais adverso ainda do que aquele encontrado quando pela primeira vez exerceu este cargo.

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Caçada a Bolsonaro

Rui Costa Pimenta, em uma análise publicadas nas redes sociais há poucos dias, está certo ao denunciar os riscos de uma caçada jurídica a Bolsonaro & Filhos. Nesse caso, a esquerda liberal cirandeira – como sempre – está errada. Rui percebeu que a criação de um mito da direita, um “mártir da liberdade de expressão”, poderá ressuscitar Bolsonaro, retirando-o do limbo político onde se encontra depois de saiu do seu cargo e que seu inúmeros crimes foram descobertos. Os crimes que apareceram até agora – como a adulteração do cartão de vacinas – não vão mantê-lo muito tempo afastado da política. São crimes muito frágeis para colocar em risco – ainda mais destruir – o mito bolsonarista.

Pensem bem: o mesmo ocorreu com Lula. Eu questiono se essa estratégia de ataques insistentes pelo aparato judicial não tende a fracassar da mesma forma como aconteceu com os ataques à Lula; pouco tempo se passou e Lula voltou à cena política, e ainda por cima concorreu e venceu as eleições. Por que não poderia ocorrer o mesmo com Bolsonaro? É chato ter que concordar com as visões mais racionais e abandonar nossas ilusões, mas a preocupação que muitos têm demonstrado com o futuro do bolsonarismo – com ou sem Bolsonaro – é legítima e faz todo o sentido. Pode ser até que nossas preocupações estejam sendo superestimadas, afinal Bolsonaro não tem 10% da capacidade de articulação política de Lula, mas ainda assim olhar este movimento de extrema direita como uma força popular viva e atuante é essencial para poder vencê-lo. Neste aspecto, a postura do PCO sempre foi absolutamente coerente: contra o bolsonarismo, mas sem se iludir com os ataques (inúteis) à pessoa de Bolsonaro e aos bandidos que o cercam.

Querem exemplos? Ferdinand Marcos Júnior é o atual presidente das Filipinas, e isto ocorre porque a deposição de seu pai por uma revolução não exterminou a ideologia de vassalagem ao imperialismo que ele representava. A filha de Keiko Fugimori, quase foi eleita (e não há dúvida que existem chances grandes de que será em breve). A direita se revigora, mesmo quando as personalidades (Fugimori pai, Ferdinand Marcos pai, Bolsonaro) são caçados pelos cirandeiros e a esquerda de visão curta. Enquanto perdemos tempo obcecados por personalidades, as ideologias se metamorfoseiam em novos corpos e retornam ao poder.

Todavia, não sou contra a penalização de Bolsonaro, assim como acredito que Heleno, Mourão, Moro, Dalanhol, os militares et caterva devem pagar pelos crimes cometidos desde os golpes de 2016 contra Dilma e a prisão arbitrária de Lula. Mais do que isso: se esses personagens passarem incólumes por seus crimes, como aconteceu com os torturadores e os militares da ditadura militar, nosso país estará condenado a mergulhar no fosso do atraso e da estagnação por mais 50 anos. A impunidade criminosa dos artífices do regime de 64 nos condenou a repetir na atualidade a promiscuidade da caserna com o poder. Todavia, permitir que nossos ataques sejam centrados em personalidades – e não na ideologia fascista que eles representam – é um erro grosseiro, que poderá nos custar muito caro. Não é possível atacar Bolsonaro enquanto deixamos a direita de Alexandre de Morais, Waldemar da Costa, Temer, Tarcísio etc, correr solta, ainda mais quando vemos tanta gente que se considera de esquerda exaltar o autoritarismo performático de um juiz do supremo.

Não esqueçam: a história ensina que em todas as épocas da humanidade o abuso de autoridade e o punitivismo sempre acabaram penalizando a classe operária, mesmo que nos primeiros momentos possam ter nos iludido, atingido de raspão a classe burguesa – que, em última análise, sustenta e o promove o sistema judiciário.

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O Surto

O Brasil se enche de medo diante do surgimento de mais um modismo americano importado pelas ações irresponsáveis do governo Bolsonaro: as chacinas em escolas. Recentemente houve uma na cidade de Blumenau – uma das regiões onde proliferam grupos nazistas – em que um sujeito matou várias crianças com golpes de machadinha. Imediatamente houve uma divisão entre aqueles que consideram a ação “maldade”, enquanto outros tratavam o fato como “surto”. Um surto psicótico pode ser entendido como um processo abrupto de desorganização psíquica e emocional, onde se observa principalmente a perda de noção da realidade, conjugado com um comportamento descompensado e psicótico (fora da realidade objetiva). Durante a emergência do surto psicótico a pessoa pode apresentar sinais como: confusão mental, delírios, alucinações, catatonia (paralisada, sem reação), discurso desorganizado ou incoerente, mudança de humor, perda da noção de tempo e outros.

É óbvio que, pela infinita variabilidade das respostas emocionais do ser humano, os surtos não são todos iguais, e não é justo nem adequado julgar o surto alheio. Se alguém dissesse “quando eu surto vou à luta, não fico chorando” todos concordaríamos que se trata de insensibilidade e falta de empatia com a maneira como reagimos aos nossos dramas. Portanto, dizer que existem “surtos aceitáveis” enquanto outros não o são é desprezar o próprio conceito de surto, qual seja, a emergência de conteúdos psíquicos incontroláveis pelos nossos processos internos de proteção e controle.

Eu não sei o que moveu o rapaz que cometeu a barbárie de Blumenau mas acredito que este tipo de ação dificilmente poderia ser explicada pela neurose. Desta forma, acredito que é lícito chamar esta ação de surto, até porque ela não cabe na nossa compreensão; ela atinge de forma brutal a concepção mais básica de respeito à vida. Em verdade, estes atos brutais que nos agridem de forma coletiva, são produzidos por mentes deformadas e enfermas, sem o que não haveria possibilidade de enfrentar os freios mentais que nos constituem e impedem a “passagem ao ato“. Entretanto, para que este tipo de manifestação possa aflorar na sociedade é também necessário que exista um ambiente cultural propício, produzido por um campo simbólico onde estas palavras circulem sem a devida interdição.

Aqui é que entra o Bolsonarismo com seu culto à morte e à destruição. Sem a “arminha”, as palavras de ordem, os slogans fascistas, o punitivismo, a divisão moral da sociedade – vagabundos x cidadãos de bem – as motociatas mussolinistas, a pulsão de morte pulsante e vigorosa, as bravatas e a corrupção pequena, gatuna e sorrateira, não haveria o caldo adequado para o aparecimento destas aberrações. O mesmo elemento se vê no acréscimo da violência doméstica machista ou nos crimes políticos, onde os agressores são quase todos aliados da extrema direita fascista. Agente e terreno propício produzem os resultados que testemunhamos, na construção dialética complexa que nos caracteriza.

Portanto, se é verdadeiro que a alma deteriorada do sujeito é a semente que faz germinar a brutalidade de suas ações, também é certo que o terreno fértil de uma sociedade doente pelo fascismo é fundamental para que a erva daninha dos crimes absurdos e inaceitáveis possa crescer e se espalhar. De nada adianta eliminar estas sementes sem cuidar do terreno; além disso, arrancar o inço não resolve o problema, já que a sociedade desequilibrada e perversa os produz de forma incessante. A perspectiva punitivista serve apenas para fomentar a sensação de vingança, mas em nada modifica a estrutura social viciosa que estimula e promove o crime.

Resumindo, para deixar bem clara a minha posição: a frase “não chamem de surto o que é pura maldade” está no mesmo nível de “não chame de doente quem é bêbado, nele existe apenas falta de caráter”. O preconceito com a doença mental continua vivo e forte, manifesto no discurso cotidiano, tanto o popular quanto aquele mais rebuscado. Todavia, também é verdade que a expressão dessas condições na cultura ocorre na vigência de contextos sociais que os incentivam ou reprimem. Se é adequado tratar o sujeito enfermo é igualmente justo e necessário cuidar da sociedade doente.

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In Vino Veritas

Creio ser importante que se faça uma reflexão a respeito dos fatos ocorridos na Serra Gaúcha referentes ao trabalho análogo à escravidão (e não “trabalho irregular”, como foi noticiado pelas empresas de mídia daqui).

Primeiro, é gravíssimo. Nós estávamos acostumado a pensar que esse tipo de abuso só acontecia nos rincões distantes do Brasil, onde não haveria um aparato estatal civilizatório suficiente para coibir tais ações. Mas não; os crimes ocorriam na região mais desenvolvida e rica do Estado, do nosso lado, nas nossas barbas.

Em segundo lugar é imprescindível que algo seja feito e que os responsáveis sejam punidos pelo rigor da lei. Estes responsáveis são as empresas terceirizadas que contratam estes empregados e os tratam como lixo, mas igualmente as empresas que lucram com a desumanidade no tratamento desses trabalhadores e fazem vista grossa para o tratamento desumano que recebiam. Não há sentido algum em “passar pano” para Salton, Aurora e Garibaldi, e não aceitaremos que terceirizem suas culpas evidentes neste caso, saindo ilesas de crimes contra a dignidade humana. Hoje também sabemos que as empresas haviam sido denunciadas muitas vezes ao Ministério Público do trabalho, e nada foi feito. Por que tanta negligência com fatos tão hediondos?

A situação é grave demais para qualquer tipo de condescendência. Agora surgiram informações que sugerem a participação de membros da polícia militar nos castigos, pressões, constrangimento e torturas aplicados aos trabalhadores. Quanto mais investigamos, mais fundo fica o buraco, e começa a se configurar uma participação disseminada dos crimes pela sociedade local, seja por ação ou por omissão.

Não só as três empresas acusadas devem ser punidas, mas todas as outras das quais ainda não temos notícia. Muito mais ainda resta para ser apurado, e talvez tenhamos batido apenas na ponta do iceberg e isso explica o manifesto do Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves, que mostrou que os líderes de classe acreditam que o problema de escassez de mão de obra na cidade é “culpa dos trabalhadores que vivem de benefícios governamentais” e não querem trabalhar, “sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade“. Ou seja, a culpa do trabalho escravo é do “Bolsa Família”, e não da ganância dos empresários, seja do vinho ou da mão de obra terceirizada. É sempre útil lembrar que estes municípios da Serra Gaúcha tiveram uma votação marcadamente bolsonarista, da ordem de 70% dos votos, e isso explica muito do que observamos agora.

Por fim, aqui vai uma reflexão mais delicada para as lutas proletárias. Hoje uma rede de supermercados do Rio anuncia que vai suspender a compra de vinhos da Serra e vai até devolver os estoques ainda existentes. A razão? Não deseja ter seu nome envolvido com empresas “sujas” no mercado. Aqui mesmo no sul do Brasil a palavra de ordem é “boicote”, uma forma de punir as empresas que promovem – ou são coniventes – com a barbárie do trabalho análogo à escravidão.

Entretanto, a ação nefasta da Operação Lava Jato, comandada pela nata da corrupção judiciária do Brasil, deixou claro que punir as empresas acaba destruindo aqueles que são sua alma: os empregados. O vinho que nós tomamos é feito pela mão dos trabalhadores da agricultura, os transportadores, os funcionários da vinícola, os engarrafadores, os burocratas e seus diretores. Todos estes serão punidos por uma culpa que não é deles. Precisamos aprender que a punição não deve atingir o povo trabalhador inocente, mas as pessoas diretamente relacionadas com os crimes cometidos, para que os empregos possam ser preservados e as famílias que sobrevivem das vinícolas não sejam sacrificadas. Não podemos admitir que a destruição planejada das empresas de construção civil e da indústria naval protagonizada pela Operação Lava Jato, que ocasionou a perda de pelo menos 4.4 milhões de empregos, tenha continuidade nos ataques à indústria do vinho (e do turismo), com o mesmo desastre social que já vimos.

Exigimos punição exemplar para diretores das empresas e para todos aqueles relacionados aos crimes contra a dignidade humana que foram coniventes com o trabalho análogo à escravidão, a tortura e aos maus tratos. Todavia, também desejamos que os trabalhadores honestos não paguem este preço, preservando as empresas da necessária punição aos responsáveis.

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A Coragem de Denunciar

Um professor de história, de ascendência judaica e que no passado lecionou no Colégio Israelita de Porto Alegre durante dez anos, publicou uma “postagem desabafo” sobre o que ocorreu há alguns dias, quando um grupo de adolescentes da referida escola protagonizou um espetáculo hediondo de preconceito de classe, desprezo pelos mais pobres, arrogância e xenofobia. Isso tudo em uma escola de confissão judaica.

A resposta de algumas pessoas da comunidade foi acusar o professor de hipocrisia. Afinal, se havia percebido sinais claros desse tipo de comportamento, por que permaneceu na escola por mais de dez anos? Por que razão não se demitiu ao primeiro sinal? “Ora… deve ser despeito por ter sido demitido, e falta de reconhecimento pela escola que lhe deu sustento”, disseram, em outras palavras, alguns interlocutores.

Curioso: um professor sendo acusado por não ter se demitido. Ou seja: ele está envolto num contexto recheado de atitudes que reconhece como racistas e fascistas atitudes que testemunhou quando do exercício do próprio ofício de educador, mas quando denuncia estas graves arbitrariedades é tratado como culpado por não ter abandonado a instituição previamente.

Filme antigo, não? Essa é a velha inversão de valores, a mesma que é aplicada à mulher que apanha do marido por 10 anos. Quando, esgotada e exausta, decide se afastar do companheiro passa a ser a culpada por não ter pedido “demissão” do casamento a mais tempo. No caso do professor a mesma retórica: ele é o culpado por ter permanecido no cargo, mas esquecem de analisar os condicionantes que afligem qualquer profissional, como salário, contas, família, projetos, profissão, sonhos e também a sua própria ação humanizadora na escola. Sim, por acaso a escola, onde ele estudou e onde criou laços afetivos, ficaria melhor com sua desistência precoce? Ou seria exatamente sua missão manter-se numa escola judaica (que mostrava sinais claros de condescendência com o racismo) para ser o contraponto a essa postura, que é (ou deveria ser) contrária ao próprio projeto pedagógico de uma escola judia: denunciar o racismo e a exclusão?

Não me surpreende que tantos judeus se apressaram a atacar o professor e estejam empenhados em “passar pano” para a Escola. Talvez sejam os mesmos que há poucos anos aplaudiram aquele candidato que falou dos “negros que eram pesados em arrobas“, ou quando disse que sua filha era uma “fraquejada“. Ahh, sim…. houve protestos de vários judeus contrários ao fascismo!! Por certo que sim, assim como há inúmeros judeus que têm consciência dos crimes cometidos contra a população palestina. Todavia, as palmas e os apupos ouvidos no salão da Hebraica do Rio de Janeiro não podem ser apagados da memória, assim como as palavras de desprezo pelos humildes e a aporofobia ditas pelos jovens do Colégio Israelita continuam reverberando em nossas mentes e corações. Benditos sejam aqueles que, diante dessas palavras, sentiram nojo e vergonha e perceberam o quanto elas estão erradas. Triste saber que muitos ainda se esforçam para justificar a barbárie e – pior ainda – atirando no mensageiro.

Os fatos que todos nós presenciamos confirmam essa perspectiva. Não há como passar pano para a barbárie. Não há como fazer de conta que esse não é um problema sistêmico. Dizer que é um fato isolado é uma mentira; ele é a representação de algo que está entranhado nas classes mais abastadas desse país, acostumado com a exploração e o apartheid de classes. É preciso denunciar – não as adolescentes, que de certa forma são vítimas de uma educação falha – mas todos aqueles que as formaram, e aí temos que olhar para a família e a escola. Qualquer coisa diferente disso significa alimentar o monstro do fascismo.

Ao professor Iair Grinschpun (que não conheço, mas já admiro pacas) minha solidariedade e meu apoio pela sua ação e pelo seu posicionamento. Não há porque ele mostrar o vídeo e sequer expor os adolescentes em sua página no Facebook; eles são apenas a parte visível do iceberg que a nossa sociedade terá de enfrentar. É preciso olhar de frente e com coragem para o fascismo e a exclusão antes que eles sejam o sinal dos tempos a anunciar a nossa extinção.

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Guerra Moral

Eu entendo as boas intenções desses religiosos, mas sei que existe um conceito por trás desse gesto que frequentemente nos leva para o lado errado do debate.

Esses três personagens – clérigos das três grandes religiões abrahâmicas – estão igualmente relacionados aos massacres ao povo Palestino, em especial em Gaza. Em geral, querem nos fazer crer que existe um elemento religioso nessas disputas. Todavia, apenas os tolos acreditam que a solução desses problemas se dará através da comunhão de pastores, rabinos e padres, como se as questões do colonialismo e da iniquidade fossem morais e as religiões pudessem resolvê-las. Isso é falso.

Minha perspectiva é de que, se esse encontro pudesse trazer qualquer solução ao bolsonarismo que nos aflige, bastaria ir a Gaza, dar as mãos, fazer uma marcha ecumênica pela paz envolvendo estas religiões e o conflito se resolveria. Entretanto, todos sabemos que o drama da pobreza no Brasil e a ocupação sionista da Palestina NADA tem a ver com as religiões.

Imaginar o contrário é seduzir-se pela mentira. Nada se resolve com esse tipo de iniciativa. Aliás, o próprio Jesus dizia que “não vim trazer a paz, mas a espada“. A solução só poderá através da luta de classes, pelo enfrentamento ao colonialismo assassino e contra o Imperialismo opressor. Às religiões nada tem a ver com os dilemas profundos do Brasil e não são a solução para nossa miséria.

O fundamentalismo religioso evangélico no Brasil não tem nada de religiosidade – basta ver o amor à violência e a veneração às armas – mas tem uma adesão clara aos valores conservadores e apenas por essa interface se comunica com a política. Ambos – conservadorismo e religião – aceitam a opressão como natural, e só por isso estão irmanados. Não há cristianismo em Bolsonaro assim como não há nada de judaísmo nos invasores europeus que fazem limpeza étnica na Palestina.

Misturar esse debate é ação diversionista. As religiões nunca foram motivo para as guerras, mas foram frequentemente usadas para camuflar interesses geopolíticos e econômicos. Esses três clérigos estão, mesmo sem o saber, estimulando o uso dessa camuflagem ao nos fazer crer que as religiões unidas poderiam ser um obstáculo ao avanço do bolsonarismo.

Para mim o que existe de mais chato nos debates atuais é quando os liberais reclamam de posições radicais, dizendo que o radicalismo impede o consenso. Confundem o conceito de radicalismo com o extremismo. Extremismo é o que vai até o extremo – e dificulta uma posição que possa produzir acordos – enquanto o radical (do latim “radix”) vai à RAIZ, por isso o nome. Por certo que sou radical, e por isso mesmo não me deixo seduzir pelas propostas de amor e comunhão que os religiosos tentam nos oferecer, que nada mais são que uma versão romantizada e contemporânea da “pax romana”.

Ou seja: “calem-se, deixem tudo como está e não toquem nas feridas sociais pois isso atrapalha a nossa “paz” e a comunhão entre as classes“. Eu prefiro o barulho das espadas se chocando em combate do que o silêncio das adagas na garganta. Isso é ser “radical”: entender que não existe paz oferecida graciosamente, muito menos uma paz que trata conflitos geopolíticos e econômicos como simples questões morais, como uma guerra do “bem contra o mal”.

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Religiosidades

Gostaria de analisar de uma forma mais racional a relação entre a evidente “religiosidade” do povo brasileiro e suas consequências morais. Para isso trago a frase que colhi do texto de um religioso de esquerda que procurava avaliar as razões da dissonância entre essa característica e os resultados práticos na relação entre as pessoas deste país.

“O Brasil é o maior país católico do mundo, é uma das maiores nações cristãs do planeta. Somos um povo muito religioso. Todos e todas concordamos que a Fé em Deus tem uma consequência ética. Para cristãos e cristãs, a consequência ética máxima da fé em Deus é o AMOR AO PRÓXIMO.”

Acredito que a fala acima contém um “non sequitur”. Sim, é verdade que somos cristãos, mas se trata de uma formalidade e não de um compromisso com suas diretrizes morais.

A ideia de que somos “religiosos” não é exata, ou pode induzir a falsas interpretações. É certo de que temos religiões e que nos dedicamos a elas. Não há dúvida de que nos vinculamos às suas igrejas e templos, mas isso não nos torna “religiosos”, e muito menos demonstra um desejo de sermos éticos ou de “amar o próximo” acima de todas as coisas. Não vou falar sequer do “oferecer a outra face”….

Religiões são, acima de tudo, formas de expressar identidade, na busca por algo que nos congrega, nos faz participar de um mesmo rebanho, de um mesmo grupo de pessoas com história, cultura, práticas e crenças semelhantes. Essa necessidade de fortalecer-se através dos iguais que existe nas religiões, nos partidos e nos times de futebol é um aspecto absolutamente indissociável da nossa condição humana. Todavia, a partir dessas vinculações aceitar que acreditamos nos valores das religiões (ou mesmo dos partidos) é um salto arriscado e não há porque incorporá-lo sem ressalvas.

Essa dissociação entre a Religião e seus postulados explica não apenas as brutais Cruzadas – massacres em nome de Cristo – mas também qualquer outra guerra onde se usa a Religião como mote (mesmo escondendo interesses econômicos ou nacionalistas). Também oferece uma explicação para as “bênçãos de pistolas”, as marchas com Cristo (que anunciam golpes contra a democracia), as igrejas milionárias, os pastores abusadores, os mercadores da fé, a intolerância com gays e com outras religiões, mas também para o fato de que os grupos menos cristãos em essência (na ética e nas propostas) sejam aqueles que mais defendem a figura de Jesus em suas múltiplas seitas evangélicas.

É possível dizer que “cremos em Deus”, mas isso nada tem a ver com um compromisso ético de nossa parte e muito menos que isso nos faria “amar ao próximo”, ou “perdoar a quem nos ofende”. Não, essas crenças não nos vinculam diretamente a estas condutas.

As religiões são apenas idiomas que usamos para nos conectar com aqueles que compartilham nossa visão de mundo. São os potes que fazemos descer ao manancial da água da fé, o veio cristalino de onde brota esse sentimento aquém da racionalidade e que nos move no sentido de apreender o sentido cósmico universal. Sua conexão com a mudança de atitude do sujeito (se existe) é imperceptível ou ausente. Não há nenhuma moralidade superior no crente em relação ao ateu, pois que a conduta ética está calcada em valores surgidos muito antes de qualquer racionalidade capaz de guiar condutas.

Acreditar em Deus – ou no seu filho – não lhe torna uma pessoa melhor, mais nobre, ética ou pacífica, mas talvez ajude a esconder muitas das suas pequenas e grandes sujeiras.

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Bolsonaro e o bolsonarismo

Eu acredito que STF é o poder mais autoritário e imperial de todos, basta ver o que o Alexandre fez com a liberdade de expressão, algo que nem mesmo a ditadura teve a coragem de fazer. Por isso acredito que permitir que o STF governe o Brasil como tem feito é um desrespeito à própria constituição. A suprema corte esteve por trás de todos os golpes dos últimos 60 anos, sempre como serviçal para as elites financeiras. Dizer que o Alexandre está segurando o fascismo e garantindo uma barreira contra Bolsonaro é ingenuidade; ele provavelmente é mais autoritário e ditador que Bolsonaro, basta ver suas atitudes absurdas e ilegais contra o “Daniel do Whey”. No meu modesto ver, ele é um Bolsonaro com bom vocabulário e menos densidade capilar.

Reconheço a definição de corrupção como algo que envolve “roubo”, mas para mim dinheiro não é o que move os atos corruptos, mas a busca por poder. Dinheiro não é fim, é meio (a não ser para alguns malucos acumuladores). Além disso, negar que há dinheiro envolvido nas ações de magistrados é de inteira responsabilidade de quem se arrisca nesta informação, mas como não tenho qualquer prova disso creio que não é necessário sequer pensar nesta possibilidade.

Conheço a linha de raciocínio que distancia Bolsonaro dos poderosos do STF mas, respeitosamente, me oponho a ela. Não creio que estamos em um período de exceção com o bolsonarismo. Essa exceção se tornou evidente há quase uma década (quando estava parecendo inevitável uma nova vitória da esquerda nas eleições nacionais). Ela veio em 2013, com a despolitização planejada desde os Estados Unidos, com o lavajatismo, com os ataques à Dilma em 2014, o vale-tudo de Aécio, o impedimento de Lula como ministro, o golpe contra Dilma sem crime de responsabilidade, a prisão arbitrária de Lula, sua obstrução a participar da eleição e todo o período bolsonarista no governo. Em todos estes crimes contra a democracia esteve presente o STF, chancelando as ilegalidades e emprestando seu poder para que o arbítrio fosse estabelecido. Alguma dúvida disso? O STF foi GOLPISTA do início ao fim da crise atual do Brasil.

Portanto, o bolsonarismo é a culminância de um projeto de nação entreguista, agrário, subserviente, atrasado, capacho do Império e à reboque do progresso. Entretanto, esse desastre não se iniciou com Bolsonaro e sequer tenho esperanças de que vá acabar com ele. O STF é parte do desmonte do Estado brasileiro, dos ataques ao PT, da exaltação dos fascistas, etc. Tolos se deixaram enganar com a prisão de Daniel – e sua sentença criminosa e absurda – porque ele é um fascista abobalhado pelos esteroides. Não, a ação foi puro corporativismo do Imperador Alexandre apenas porque o STF foi atingido em sua honra.

Para mim é um erro brutal acreditar que Alexandre de Morais é diferente em essência de Bolsonaro, quando eles divergem apenas em detalhes. Em verdade, Alexandre é a continuidade de um projeto punitivista e autoritário, mas sem a boçalidade do atual presidente – o que torna tudo que faz muito mais perigoso. Esse era o projeto Moro: a mesma perversidade, mas com modos à mesa. O que existe de positivo em Bolsonaro é que sua personalidade doentia e sua estupidez aparecem à flor da pele.

Acreditar que existem liberais “limpinhos”, como Dória ou Moro foi o supremo equívoco que cometemos, e agora estamos errando de novo ao opor Alexandre “skinhead de toga” de Morais à Bolsonaro. São IGUAIS, a mesma porcaria autoritária que une o cortador de pés de maconha com o ex-milico subletrado e golpista.

E sobre os ataques aos “crimes de opinião” eu já acreditei que poderiam ter sentido porque num passado distante também pensei assim. Mas percebi que adotar medidas de censura sobre o pensamento é a receita para a tragédia. Uma ação desastrosa, antidemocrática, perigosa e que definitivamente atingirá esquerda, os progressistas, os comunistas e, finalmente, nós mesmos…. mas quando isso acontecer nós olharemos para o lado e veremos que aqueles que defendiam a liberdade de expressão estão todos presos por defendê-la….. e não haverá a quem apelar.

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Exijam o impossível

Uma verdade difícil de aceitar, mas extremamente importante para as esquerdas, é que Bolsonaro conquistou seu eleitorado com a promessa do antissistema. Os pobres do Brasil não votaram em Bolsonaro porque ele prometia a venda da Petrobrás ou de qualquer estatal; também não votaram para desinchar o executivo ou azeitar a máquina. As pessoas votaram porque Bolsonaro representava a revolta contra uma política que parecia não afetar em nada as suas vidas. Os escândalos, os roubos, a falta de leitos hospitalares e as escolas sem material continuavam acontecendo, e parecia uma boa ideia votar em alguém que prometia acabar com “tudissdaê“.

Enquanto a direita assumia uma postura proativa e de enfrentamento ao status quo, a esquerda perdia seu espírito revolucionário, acostumando-se com o exercício do poder. Perdemos as ruas, e compramos com facilidade – e docilmente – o discurso dos leftists americanos, que nada mais são do que que a direita domesticada pelo mercado. Os partidos de esquerda no Brasil aceitaram o palanque identitário que contaminou e destruiu o discurso de enfrentamento que sempre foi sua marca de ação social. Começamos a discutir pronomes e aceitar a censura como nossas bandeiras. O discurso dos “sentimentos ofendidos” começou a tomar conta do que antes era uma defesa aberta contra qualquer tipo de obstrução à livre expressão.

Ao invés de lutarmos pela melhoria da vida do trabalhador aceitamos de forma passiva a divisão do proletariado em identidades, que nada mais fizeram que tornar inimigos sujeitos igualmente precarizados, que deveriam estar unidos em uma mesma luta de libertação.

A mensagem revolucionária, antissistema, libertária e socialista precisa ser a voz do novo governo. Sem que a esquerda retorne para o caminho da confrontação, sem reativar a luta anticapitalista e sem depurar o identitarismo de suas fileiras será muito difícil sustentar um governo de esquerda eternamente prisioneiro da direita.

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Day After

Para os bons observadores existe um curioso e instigante paralelo entre a França ocupada pelas tropas nazistas e a ocupação do Brasil pelo Bolsonarismo. O mesmo colaboracionismo, a ablação da crítica, a falta de valores humanos e o passar de pano para tantos crimes cometidos. Vejo – ainda que estupefato – queridos amigos de outrora adotando a narrativa bolsonarista que apaga da memória as terríveis ameaças que um candidato da direita, chefe miliciano, fez à nação ainda em campanha. Eram promessas de vingança contra a esquerda, o desprezo pelos negros, o escárnio com a população LGBT, a “ponta da praia”, o desmanche dos direitos trabalhistas e da aposentadoria. Ninguém foi enganado: Bolsonaro entregou a encomenda de ódio e destruição que havia prometido explicitamente. E com essas promessas veio a destruição de conquistas civilizatórias, assim como o preço da gasolina, do gás, do dólar e o negacionismo assassino.

E tudo o fazem por uma brutal lavagem cerebral ao estilo da guerra fria, onde o inimigo é o “comunismo”, o “foro de São Paulo”, a tétrade “Cuba-Venezuela-Nicarágua-Coreia do Norte” – não por acaso 4 países que lutam contra o domínio imperialista – e usam da velha retórica do “Sim, está ruim, mas seria pior com o PT”, um truque de retórica usado no golpe de 64 para justificar as torturas e o fim da democracia, quando diziam que tudo era justificado para nos livrar de uma ditadura comunista – até mesmo uma ditadura militar. Porém, para fazer isso, esquecem de propósito que o Brasil decolou em todos os sentidos durante os governos populares da centro-esquerda petista, e afundou exatamente depois do golpe contra a presidente Dilma.

Eu também tenho curiosidade para saber onde estarão os bolsonaristas depois da queda do Império da Ignorância. Como vão explicar aos seus filhos e netos suas escolhas torpes, a adoção pela retórica do atraso e o elogio à violência? Como vão explicar sua postura miliciana, seu apoio a um judiciário corrompido e sua escolha pelo atraso e pela escuridão?

Como será o “day after” da queda do mito?

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