Existe, entre tantos transtornos, uma clara vantagem em envelhecer: eu já era adulto quando Lula assumiu o governo em 2003, e lembro com exatidão a emoção daquele primeiro governo à esquerda e as expectativas criadas pela figura de Lula como seu mandatário. As críticas da esquerda de hoje à timidez das reformas esperadas são em quase tudo iguais àquelas de antanho. Entre meus amigos do campo progressista havia uma certa decepção que as vezes se expressava como revolta; todos queriam um Lula revolucionário, cheguevarista, colocando a máquina governamental para levar adiante nossos sonhos de equidade, justiça social, reforma agrária, reforma política, etc. e tudo que ele oferecia eram concessões ao centro e até à direita. Naquela época ele já nos sinalizava que não seria possível bater de frente contra as forças conservadoras do congresso, e de que não seria inteligente ou adequado e afrontar um parlamento explicitamente adverso.
Entendo o quanto isso pode parecer ruim para quem esperou longos seis anos para o retorno de um legítimo representante popular ao governo, depois da traição abjeta de Temer e o tempo da barbárie que significou o desgoverno bolsonarista. Também é estranho esse debate democrático no seio da própria esquerda para quem passou quatro anos assistindo um presidente tosco, ignorante e boquirroto como Bolsonaro a vomitar estultices e grosserias entre uma motociata e um discurso misógino e racista. A grande tarefa de Lula, neste aspecto, é resgatar o valor da Política, pois é exatamente isso o que Lula tenta fazer. Muitos desejam solapar o debate político em nome de uma nova ordem tecnocrática, excludente e autoritária, mas encontram em Lula um presidente que reconhece que a única forma que temos de apaziguar o país, dentro da nossa cambaleante democracia, é através do fortalecimento do embate de ideias, e não na sua supressão. Desta forma, Lula é um baluarte de defesa da própria de cidadania.
Apesar de entender as críticas – e concordar com quase todas – ainda confio mais na capacidade de Lula para desatar os nós e tecer a malha complexa dos acordos com os adversários. Este é o caminho mais seguro, dentro da democracia burguesa, para alcançar pequenos e consistentes avanços. Não podemos nos iludir que uma radicalização à esquerda – como desejamos – poderá surtir efeito positivo em um congresso que ainda herdou o clamor anti-político do lavajatismo e do seu filho, o bolsonarismo. Creio que, assim como há 20 anos passados, ainda devemos saudar o fato de que Lula é o maior gênio político da atualidade e o único capaz de recuperar o Brasil da barbárie que se abateu sobre o Brasil nos últimos 10 anos. Minha memória sinaliza que devemos dar o crédito que Lula necessita para fazer o que é possível dentro de um contexto mais adverso ainda do que aquele encontrado quando pela primeira vez exerceu este cargo.