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O Mínimo

No grupo que participo sobre “Minimalismo” o pessoal insiste em fazer perguntas ao estilo “ter carro novo é contra o minimalismo?”, “posso ter ar condicionado?”, “comprar IPhone é contra os ideais minimalistas?” Fazem estas perguntas como se minimalismo fosse uma religião, para a qual questionam seus “dogmas”, como quem pergunta ao padre se “flertar na Igreja é pecado“. No fundo estão atrás de ideologias e líderes para seguir, já que decidir por si mesmo implica muita responsabilidade.

Minimalismo é essencialmente uma atitude e uma proposta de vida. Não tem regras, mas princípios. Parte da ideia da otimização dos recursos do planeta, para não gastamos mais do que necessitamos, deixando os outros em falta. É um estímulo à solidariedade entre os povos. Porém, é mais do que isso: em um planeta de recursos limitados o minimalismo é uma proposta de sobrevivência global.

Também significa retirar dos objetos uma parte do desejo que os contamina, tentando fazer da obtenção das coisas uma ação mais racional, mais útil e menos perdulária, questionando nosso egoísmo e nossa propensão acumulativa.

Sem regras rígidas, sem catecismo, sem culpas, sem cobranças, apenas olhando as necessidades acima dos desejos.

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A ciência

Quem trabalhou como eu durante 40 anos em um ramo que se percebe científico, mas que funciona com os mesmos dogmas e sistemas de poder como qualquer igreja, entenderia mais facilmente minha crítica à ciência como expressão humana. Falo da ciência com “c” minúsculo, aquela construção humana, e não a “Ciência” abstrata, o conhecimento racional. A primeira é uma produção contemporânea, feita por mentes humanas e carregada com sua falibilidade e corrupção; já a segunda é o ideal racional, a ferramenta da transcendência humana, mas que quase nada existe no mundo real, sendo uma habitante do mundo das ideias.

Existem fatos inequívocos que mostram a veracidade dessa visão cética sobre a ciência. Estudos demonstram que metade das condutas médicas correntes não tem uma conexão com as evidências científicas. Outras pesquisas denunciam que que as próprias pesquisas – que deveriam dar suporte às condutas médicas – não são tão confiáveis como gostaríamos de acreditar. Veja aqui.

Por vezes parece que existe um totalitarismo dos cientistas, que seguem uma espécie de “ciência soviética”, a qual produz um monobloco de visões que se colocam na posição de saber acima de todos os demais, e que condena todos os outros saberes à extinção.

Isso torna a ciência a irmã dileta da religião…

Lembro de um encontro da UNIMED do Paraná em que fui convidado a falar sobre humanização do nascimento, um evento perdulário que se realiza todos os anos. No jantar fui colocado à mesa junto com uma psiquiatra que me falou: “Há muitos avanços na psiquiatria no mundo todo, mas nenhum maior do que a extinção de todo o resquício de pensamento freudiano. Hoje sabemos que tudo o que pensamos e sentimos se resume a alterações bioquímicas dentro do cérebro. Isso inclui dor, prazer e até o sabor dessa sobremesa“.

Fiquei esperando ela terminar dizendo “… e Fiel é o Senhor”, mas ela apenas sorriu com um olhar que apenas aqueles que falam de uma posição de certeza e fé inabalável possuem.

Quando trabalhamos dentro de um hospital ou de um laboratório é muito mais simples perceber de forma clara as incongruências e paradoxos do sistema. Da mesma forma, se você trabalhar na justiça verá que a mulher que segura a balança NUNCA está usando vendas e estará sempre com os olhos bem abertos para manter e garantir o poder para quem tradicionalmente o controla: as castas superiores que detém o domínio sobre os recursos e a produção.

E digo mais: quem trabalhou por muitos anos em traduções sabe que as traduções são realmente “traições” e não existe uma sequer que seja “isenta” ou “neutra”; sempre haverá a ideologia do tradutor na obra que traduz. A ideia positivista de uma tradução sem viés é tão ingênua quanto a de uma medicina ou uma justiça não ideológicas.

Por isso não é difícil dizer que na ciência não poderia ser diferente. O quê – e como – investigamos, assim como os próprios resultados que atingimos, são determinados pelas nossas ideologias e sustentadas pelos dois grandes pilares da civilização contemporânea: o capitalismo e o patriarcado. Ambos decadentes, mas ainda vigorosos o suficiente para ditarem as regras para o mundo em que vivemos. Enxergar a ciência pelo que ela verdadeiramente é, sem as fantasias de isenção ou neutralidade, não a diminui, mas a conduz à condição de criação social digna dos valores do seu tempo.

Perceber a complexidade da cultura é fundamental para não nos deixarmos engolir pelas visões ingênuas de imparcialidade que nos tentam impor. A decisão de passar um bisturi e rasgar a pele de um doente, ou de bater o martelo para condenar são produzidas no âmago de nossas convicções mais profundas, mais afetivas e menos racionais. Somos governados por nosso fígado, pelos nossos instintos menos nobres como medo, angústia e egoísmo, muito mais do que pela tênue camada de massa cinzenta que envolve nosso cérebro.

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Sobre o Aborto

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Tenho uma opinião sobre os debates relacionados ao aborto que voltaram a aparecer: se você não consegue debater com racionalidade e sem explosões de raiva, melhor nem começar. Você inevitavelmente apelará para SUAS angústias, traumas, crenças e sofrimentos pessoais, e normalmente não convencerá a ninguém.

Estes debates se assemelham a um jogo de tênis em que não há rede, mas um muro. Cada jogador bate na bolinha (seus argumentos) solitariamente, como se não houvesse o outro, ou como se deles apenas soubéssemos da existência pelo barulho surdo da bola batendo no lado oposto da parede. O jogo em verdade não existe, é uma simulação de contenda. Nos debates emocionalmente conduzidos produzimos apenas solilóquios concomitantes.

Uma discussão pressupõe a oportunidade de aprendizado com o contraditório. Se você acha que seu oponente é incapaz de mudar sua opinião, mesmo que traga bons argumentos ao debate, o diálogo é estéril e desnecessário. Uma perda de tempo.

A pergunta que eu tento sempre fazer antes de entrar em uma discussão é a seguinte: “se meu oponente trouxer argumentos fortes e consistentes eu terei coragem de mudar meu posicionamento?” Se a resposta for “sim” então você pode (e deve) debater. Se for “não” então você está diante de um dogma pessoal, e qualquer enfrentamento de ideias será inútil.

Pense nisso antes de se desgastar em debates polêmicos.

Minha opinião sobre o tema?

Minha opinião sobre o aborto era uma, mas mudou. Não porque recebi novos e bons argumentos, mas porque resolvi escutar alguns velhos e simples que sempre estiveram por perto, mas que eu me negava a considerar. Essa é uma das poucas vantagens de envelhecer: poder mudar de opinião pelo acúmulo de experiências, o que relativiza a vida e nos obriga a rever posturas recalcitrantes.

Posso apenas dizer que jamais serei protagonista de um aborto. Fui pai aos 21 anos e quando soube que minha namorada estava grávida eu ganhava metade de um salário mínimo como estudante plantonista de um PS. Mesmo assim nunca pensei em aborto. Pelo contrario: fiquei eufórico pela possibilidade de ser pai. Na época minhas convicções espirituais eram muito mais fortes do que qualquer outro modelo ético ou jurídico. Durante anos fui contra a legalização do aborto com os argumentos que todo mundo conhece e usa.

Entretanto, com o tempo me dei conta que os mesmos argumentos de combate ao aborto poderiam ser (e o são efetivamente) usados no combate ao uso de drogas, mas nunca tivemos tanta certeza quanto hoje de que AMBAS as guerras estão inexoravelmente PERDIDAS. Os jovens continuam a se drogar (e para mim a pior droga é o capitalismo, que dá prazer e vicia) e continuam a ter gravidezes não planejadas (não creio – salvo exceções – em gravidezes não “desejadas”. O desejo sempre está lá, basta procurar) para as quais preferem o aborto como solução imediata.

Exatamente pela constatação de que estamos diante de guerras fracassadas eu prefiro um armistício: liberem e deixem a responsabilidade para os sujeitos: a mulher e o drogado. Deixemos para eles o peso de suas decisões, mas vamos evitar as mortes, de grávidas e de traficantes, pela nossa incapacidade de entender o direito que eles têm de construir seus próprios caminhos. Da mesma forma como não farei um aborto em minha vida também não usarei drogas (a não ser quanto a torcer pelo meu time, mas está é outra discussão que envolve irracionalidade e paixão).

Por outro lado, em respeito à vida destas mulheres e meninos, vítimas de guerras estúpidas que apenas beneficiam bandidos, sou favorável à liberação do aborto e das drogas.

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