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Gozo punitivo

Não consigo entender o que a esquerda pequeno burguesa tanto teme com a liberdade de expressão. Questionar o punitivismo aplicado a elementos da extrema-direita não é uma contradição, desde que esta postura esteja alicerçada em princípios bem claros. Por que deixaríamos de defender a Carla Zambelli ou Monark – e, porque não, o próprio Bolsonaro – se eles estiverem corretos em suas propostas? Aliás, é muito comum concordar com alguns pontos de vista da direita quando eles se contrapõem às posturas inadequadas da esquerda liberal – em especial quando criticam os identitários. Por que deveríamos privilegiar a mentira e o engano apenas para nos colocar em antagonismo com nossos adversários?

Eu, por exemplo, sou comunista. Defendo a superação do capitalismo e o surgimento de um modelo que estruture a sociedade numa perspectiva igualitária e fraterna. Entretanto, apesar da minha distância intergalática dos fascistas, defendi o veto do Bolsonaro a um projeto de lei surgido em seu governo que determinava que médicos e enfermeiras deveriam comunicar compulsoriamente, à polícia, casos de violência doméstica. Mesmo sendo do agrado de personalidades ligadas ao identitarismo, a proposta era absurda, pois violava segredo profissional e faria mulheres evitarem serviços de saúde com medo de colocarem a própria vida em risco. A proposta era populista e demagógica, tornando os médicos policiais e espiões da polícia dentro dos centros de saúde. Com isso, as mulheres se sentiriam inseguras de contar algum tipo de violência em suas casas com medo que isso acarretasse a intervenção da polícia, colocando em risco sua casa, sua família e seus filhos. O veto do ex-presidente Bolsonaro – mesmo por razões diferentes das minhas, até porque ele é um sujeito que aceita punições medievais – foi apoiado por boa parte da esquerda (e até de feministas), e não há incoerência alguma nessa posição. 

Por acaso passei a ser bolsonarista por concordar com o veto do ex-presidente? Ora, às vezes concordamos com nossos adversários por razões distintas e até opostas; o importante é manter a coerência e a linha doutrinária que adotamos. No caso da esquerda raiz e revolucionária, não podemos ceder à tentação do punitivismo, da judicialização ou de qualquer reforço dos poderes e valores burgueses. Sair processando, prendendo e cassando adversários, apoiando o ativismo judicial, não é a postura dos socialistas, pois entendemos que as punições de hoje impostas aos nossos inimigos, fatalmente amanhã recairão sobre nós. 

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Esquerdas e direitas na Medicina

Eu prefiro não falar muito sobre a questão das vacinas porque não sou da área, não gosto dessa especialidade da medicina e não tenho conhecimento suficiente para debater. Além disso, como diria Madre Cunegundes, “Maturidade é a capacidade de escolher suas tretas”.

Digo apenas o princípio que me move: não creio que a saúde venha das próteses, das medicinas heroicas, das fórmulas exógenas. A saúde, numa perspectiva ampla, vem através de um equilíbrio dinâmico com a natureza, e aí incluo a água, o ar, o solo, o que ingerimos, as plantas, os animais e as relações sociais. Nesse último aspecto, creio que as doenças vão diminuir muito com o fim da sociedade de classes e a exploração do homem pelo homem. Até lá usaremos muletas químicas…

“Cuecas e janelas nos quartos fizeram muito mais pela saúde do que todos os remédios na história da humanidade”, dizia o antigo pensador. Creio mesmo que a saúde é mais facilmente atingida retirando os elementos patológicos sociais que nos afastam dela do que criando drogas cada vez mais violentas, caras e perigosas.

Lembrei de uma cena de comédia com Mel Brooks. Um chefão corrupto foi fotografado por um jornalista bem na hora em que cometia um crime. Seu capanga lhe ofereceu uma solução: “Quem sabe roubamos toda a edição do jornal de amanhã quando os caminhões de entrega estiverem saindo?”, ao que o chefão respondeu: “E o que os impediria de publicar depois de amanhã?”. O capanga fez uma careta e disse “Nada, mas ganhamos 24h para pensar em algo”. É assim que vejo a solução drogal para nossos distúrbios da saúde. Não digo que os medicamentos sejam inúteis, só não vejo neles a solução para as doenças. Com eles ganhamos apenas um pouco mais de tempo, mas não virá daí a solução.

Mas eu queria falar sobre a politização da Medicina, que me parece cada vez mais intensa. Na polarização que se produziu no pensamento nacional percebo que, no Brasil, a posição majoritária na direita está em valorizar Ivermectina e Cloroquina, ter um certo desdém pelas vacinas e refutar o uso de máscaras. Há também um desprezo renitente pela ciência porque ela representa “o sistema”, o “globalismo”.

A esquerda, por seu turno, apregoa o uso irrestrito e abrangente de vacinas, o isolamento, as máscaras, o rechaço aos medicamentos de ação antiviral “off label” e coloca-se a favor da ciência institucionalizada, como os órgãos de regulação, a OMS e os grandes laboratórios farmacêuticos.

Por curiosidade, eu acompanho há muitos anos a cena política da esquerda americana. Da mesma forma como aqui, criou-se nos Estados Unidos uma esquerda liberal majoritária representada pelo partido democrata e que é chamada “esquerda liberal”, com uma clara e marcada atuação identitária. Alexandria Ocasio-Cortez é a grande sensação desse grupo e dela já me ocupei em outro post. À esquerda dessa turma liberal e pequeno burguesa de jovens universitários está um grupo pequeno, atuante e radical composto por aqueles que se cansaram do discurso “shit lib” imperialista dos democratas: a “esquerda raiz”.

Pois os elementos desta esquerda radical são críticos à vacinação, a favor dos estudos sobre as drogas Ivermectina e Hidroxicloroquina, contrários à sua demonização, contrários ao Fauci e seu poder desmedido, contra vacinas obrigatórias e contra os conglomerados farmacêuticos que manipulam a opinião pública e a própria condução dos estudos. Lá o poder desses gigantes produz muito mais temor do que aqui, onde é comum confundimos “confiar na Ciência” com “ter fé nas empresas farmacêuticas”.

De uma forma abrangente, a esquerda americana “raiz” é muito mais anti imperialista, anti monopolista, pró investigação médica autônoma, descrente das pesquisas da BigPharma, questionadora da validade de muitas vacinas e cética quanto ao controle da pandemia através de doses repetidas. É evidente que existem contextos diferentes. Entretanto, vejo na esquerda raiz americana (anti democrata e anti republicana) um ceticismo muito maior com as grandes empresas farmacêuticas. Lá essas imagens de gente emocionada se vacinando causam um certo mal estar. Tipo “como vocês podem ter tanta fé em empresas tão bandidas?”

Nos Estados Unidos a posição de esquerda radical em relação à pandemia se assemelha à nossa direita, e os da esquerda daqui se parecem com os liberais democratas de lá. Isso tudo me mostra que esses tratamentos médicos farmacológicos tratados como bandeiras ideológicas não produzem nenhuma ajuda ao entendimento do processo, mas mostram a confusão que ainda temos no cenário da saúde pública dentro das democracias burguesas.

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