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Aparências

Lembrei de uma história curiosa sobre o tema do valor social que acreditamos ter. Um sujeito chega numa lanchonete de beira de estrada, pega o menu e escolhe um prato. Quando o garçom vem trazer a comida ele o reconhece.

– Robertinho!! Lembra de mim? Sou Afonso, seu colega do ginásio. Você era um dos melhores alunos da classe. Parecia ter um futuro brilhante!! Quem diria, agora é garçom aqui nesse boteco.

Ao que o garçom respondeu:

– Sim, Afonso, lembro bem de você. Não era brilhante, mas ambicioso. É verdade, sou garçom, mas não almoço em espeluncas como essa…

Ok, é apenas uma piada, mas pode existir uma moral nesta história: o simples fato de olhar o fracasso ou o sucesso dos seus amigos para avaliar o seu próprio apenas demonstra o quanto você tem dúvidas sobre o que fez com sua vida. Estas posições relativas no sistema de castas sociais pode ser muito enganosa. Muitas vezes o sujeito pobre que você encontra está nessa situação apenas por ter os escrúpulos e o caráter que você não teve em uma determinada encruzilhada da vida. Resta perguntar, afinal, quem é o “bem sucedido”? Aquele que abriu mão dos seus princípios para enriquecer, para “vencer”, para ultrapassar concorrentes inobstante as armas utilizadas? Ou seria aquele para quem os valores da solidariedade, do bem comum, da lealdade, do respeito e da verdade se mantém apesar dos desafios e mesmo diante de perdas econômicas?

O que é ser um “vencedor”? Alguém que se alia à massa para não se sentir sozinho, ou aquele que sente força moral interna suficiente para enfrentar multidões em nome de sua verdade, das suas ideias e dos seus valores? Aquele que ostenta posses ou quem demonstra caráter? Muitas vezes aquele sujeito mais simples e desconhecido é o que obteve o maior sucesso, porque jamais sabemos exatamente de onde partiu sua jornada. É o que diz a “parábola dos talentos“. Para um filho de mineradores de diamante é fácil se tornar bilionário, mas talvez seja muito mais difícil para um homem comum romper a longa corrente de abandono e violência que caracterizou a história de sua família. Apesar disso, quando olhamos o bilionário o chamamos de “vencedor”, enquanto o trabalhador pobre que luta para manter sua família nos parece o “perdedor”, a quem tanto desprezamos.

O homem que visitou o restaurante da beira da estrada apenas demonstrou como sua vida tinha limites pequenos, baseados apenas nas aparências. Seu amigo também, e a conversa entre ambos apenas revelou o quanto precisavam um do outro para sentir alívio diante dos seus fracassos.

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Derrota e dor

Nossa dificuldade de aceitar os reveses e o caótico da vida nos leva a eleger culpados, esquartejá-los e expor suas partes dispersas em praça pública, para o deleite dos corvos sempre à espreita. Nossa necessidade de colocar todos os eventos humanos em uma linha de causalidade já nos faz acreditar que o “gato” expulso da coletiva mostrou a “índole do grupo”, causa essencial de nossa derrota. Ontem mesmo o preço do relógio do Militão foi colocado como elemento que colaborou para o fracasso da seleção nacional. Não foram esquecidos o “bife folheado a ouro”, a fortuna dos jogadores e até suas opções partidárias.

Lógico que a culpa recai com peso maior nos ídolos, como Neymar, o principal responsável pela nossa saída prematura. Tite também foi levado à fogueira pois, afinal, havia uma regra (que eu desconhecia) e ela determina que os mais capacitados batem pênalti primeiro. Além disso, armou mal o time, foi “covarde”, e só ontem li uns 30 esquemas táticos alternativos melhores que o dele, feitos por experts anônimos na prática do ludopédio. Sem falar da ausência de Gabigol, Fulano e Beltrano. Outras razões foram os jogadores descompromissados que só pensam em dinheiro, mulheres e carros importados. Além disso, a seleção tinha que ter apenas (ou majoritariamente) jogadores que jogam no Brasil.

Apesar de não concordar com estas teorias eu as aceito – são a expressão mais explícita do “jus esperniandis“, o sagrado direito a chorar e se indignar com as derrotas. Todavia, eu prefiro entender que estes fracassos são a prova maior da grandeza do Futebol, e são o nosso quinhão de sofrimento para que a mística persista. Já testemunhei vitórias do meu time contra equipes muito superiores, sucessos movidos apenas pela aplicação tática, raça, determinação e pura sorte da minha equipe. E enquanto eu comemorava as vitórias inesquecíveis contra as equipes do eixo, achava ridículas as explicações deles que colocavam a culpa da derrota nas suas falhas, e não em nossas poucas, mas decisivas, virtudes.

Mesmo reconhecendo a superioridade imensa da seleção brasileira sobre seu adversário – inclusive dentro da partida – eu creio que o jogo que nos eliminou mais uma vez da Copa do Mundo mostrou a imensa aplicação tática da Croácia, seu preparo físico superior e a qualidade de um jogador extra classe: Luka Modrić. Prefiro explicar as derrotas pela qualidade de quem nos venceu do que colocar nossos jogadores no pelotão de fuzilamento.

O sonho do hexa foi mais uma vez adiado. Podemos chorar à vontade, mas que nosso pranto seja breve. Afinal, há um país a ser reconstruído.

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Fracassos

Há fracassos que são oportunidades maravilhosas de crescimento. Em verdade, é a partir da enorme derrota narcísica do Édipo que é possível ascender à sexualidade madura. Fracassos são, portanto, constitutivos do sujeito. Não há grandes vitórias na vida que não sejam precedidas de rotundas perdas. Olhar para elas de forma negativa é não entender a pedagogia das falhas.

Judith O’Neal, “Time to Measure”, Ed. Parcoulis, pag 135

Judith O´Neal é uma escritora Irlandesa transexual, nascida na pequena cidade de Carrag Na Greine próxima de Galway com o nome de Martin O´Neal. Estudou literatura na Universidade de Galway e desde muito cedo se dedicou à ficção, mas foi na idade adulta que se interessou pelos temas do feminismo, ao mesmo tempo em que tomava a decisão de trocar sua identidade social para Judith (uma homenagem à sua falecida avó Judith, que sempre a apoiou em sua transição). Seus livros falam de dramas cosmopolitas, mulheres solitárias e sofridas, tragédias familiares, capitalismo e desterro. É casada com a artista plástica Sophia Marchette e ambas tem um filho chamado Leonard.

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Masculino

Atlas

Nenhum homem jamais saberá o quanto sofre uma mulher, nem tampouco o que há de gozo em sê-lo. Também nenhuma mulher poderá entender o dilema masculino, sentido no peito, na dureza que vem ou que falta, na saliva que seca, na perna que fraqueja, nas costas nunca suficientes, na bala que cruza a rua e se choca ao peito, na guerra que escolhe os meninos, no filho que nunca viu e do qual nunca soube, do leão que naquele dia não matou, o olhar severo do pai, o avanço chamado abuso e a espera chamada covardia, o desejo tesão, o cansaço fraqueza, a vaidade crime, o medo fracasso.

E nenhuma víscera a crescer em seu corpo que lhe possa, por fim, garantir a masculinidade angustiosa, frágil e incerta.

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