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Geração afascistada

Parabéns seus véios fascistinhas

Vejo entristecido uma quantidade enorme de idosos (véios, tipo eu) defendendo os desmandos dessa banda do judiciário que não aceita as nossas leis e sua aplicação. São pessoas entre 55 e 65 anos que, como eu, estavam na adolescência durante a ditadura sangrenta de meio século atrás. Então eu me pergunto: quando eu estava levando porrada de “brigadiano” na frente da faculdade, o que essa turminha de direitistas e conservadores fazia durante a ditadura de 64? Buscavam o quê? Eram contra os militares? Ou apenas brincavam de rebeldes, travestis de combatentes em corpos constituídos de privilégios e conservadorismo?

Posso dizer que certamente não lutavam pela volta da democracia, tanto é que agora desprezam a Constituição e os princípios da justiça. Tenho certeza que – mesmo usando camisetas do Che – mais se preocupavam em manter seus privilégios de classe e cor, pouco se preocupando com o resto do país que tinha fome e desassistência.

É uma lástima perceber que hoje, entre as pessoas da minha geração, o ódio às esquerdas e à justiça social – corporificada na perseguição a um líder popular preso sem provas – é maior e mais intenso que o amor à justiça e à democracia.

O que houve com minha geração que perdeu seus ideais, seus sonhos sua paixão e até sua humanidade?

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Palmada

palmada

Chego mais cedo ao terminal compelido pela minha neurose. A fila do check in está vazia, mas a tripa em pouco tempo se fará presente. Em tempo: na minha infância se usava a palavra “bicha” para designar fila, expressão que veio de Portugal. Hoje em dia “furar a bicha” é crime de transfobia; “bicha” está para fila assim como “gay” está para alegre. Os costumes sepultam expressões, mas para cada uma que morre outras tantas nascem ou são revividas pela fala.

Solicito a troca do meu assento. Outra neurose: só consigo viajar no corredor. Não adianta me dizer que “a vista quando se chega em… é linda”. Claustrofobia. Urina frouxa.

Troquei. “Viu como é bom chegar cedo?”. Poderei esticar as pernas e visitar o banheiro sem pedir licença.

Resolvo tomar um café com leite, mais para me acalmar de um dia cheio de atribulações do que por qualquer necessidade ou fome. Ao me aproximar do caixa escuto a conversa das atendentes enquanto faço o pedido da “média”.

– … e com cinco anos nunca apanhou. Não sei mais o que fazer.

Olho para a moça que havia falado. Loira, alemoa, carinha redonda de “colona”. Olhos verdes brilhantes e bochechas vermelhas. Parece uma figura que seria facilmente encontrada num “kerb” em Nova Hartz.

Pergunto, consciente da minha indevida intromissão.

– Quem aí disse que nunca bateu?

Elas se olharam intrigadas. Quem é esse velho se metendo na nossa conversa?

– Eu disse, falou a loirinha. Meu filho tem 5 anos e nunca apanhou, mas agora anda impossível. Não sei mais o que fazer.

– Bem, disse eu, não sei exatamente o que podes fazer, mas posso te garantir que bater no seu filho será absolutamente inútil. Se é verdade que as criança precisam descobrir limites para o seu ego em expansão, também é verdade que a violência apenas poderá oferecer a elas um idioma, uma linguagem de respostas imediatas, mas jamais uma comunicação correta ou adequada.

A moça do caixa, mais velha e talvez com filhos adolescentes, entrou na conversa.

– Mas a geração anterior, que recebeu castigos mais severos e até físicos, não é mais educada e respeitosa que esta? Não estou justificando espancar uma criança, mas uma palmada não seria adequada… talvez imprescindível?

A loirinha quis concordar, mas olhou para mim em busca de uma opinião de alguém mais ve…, digo, experiente.

– A minha geração e a anterior não produziu crianças mais educadas ou “com modos”; ela apenas criou crianças com medo. Muitas crianças tiveram sua criatividade destruída pelos castigos brutais que receberam. Não creio que esta opção possa lhe dar qualquer garantia de “educação” ou “bom comportamento”, mas certamente oferecerá a ela um “imprint“, uma marca afetiva e profunda, que determinará efeitos por toda a vida. Esta mensagem afirmará, por partir de uma figura importante e essencial como a mãe, que a violência é um artifício válido para a solução de conflitos ou frustrações. No futuro este adolescente ou adulto, diante de um desafio limítrofe qualquer, recorrerá ao depósito de suas memórias antigas e reconhecerá na brutalidade uma via lícita para resolver seus problemas ou descarregar suas angústias. O ciclo então se mantém: o espancado se identifica com o espancador e garante a linha sucessória da violência. É essa a herança que queremos deixar aos nossos filhos?

– Eu nunca consegui bater nele, moço.

– Então siga obedecendo seu coração. Não se conserta nada com violência. Pense nisso e…. parabéns.

Ela sorriu e entregou a bandeja com meu café, cujo vapor coloriu a atmosfera próxima com o aroma da nobre semente.

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