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Lutas indispensáveis

Não existirá resultado algum na busca pela diminuição das taxas obscenas de cesariana se as preocupações com o tema se mantiverem concentradas em profissionais da saúde – em especial com os médicos que controlam o parto desde a derrocada da parteria na primeira metade do século XX. A experiência de mudar a tendência de nascimentos cirúrgicos “de cima para baixo” ocorreu no Brasil e se mantém um fracasso. Já escrevi muito sobre as “Caravanas da Humanização” e o fato de que elas se assentaram sobre pressupostos idealistas, que não contemplam a materialidade das relações de poder.

É mais do que óbvio que os médicos jamais mudarão um sistema que os beneficia. A obstetrícia cirúrgica, que aliena as “pacientes” de qualquer atuação efetiva na condução de seus partos, é o ápice da transformação das mulheres em contêineres fetais, cuja abertura só compete aos profissionais da intervenção. Desta forma, os médicos jamais poderão liderar um movimento de mudança no cenário do nascimento que, em última análise, provará o erro de oferecer a esta corporação o comando do processo de parto. Quaisquer mudanças que porventura venham a ocorrer só terão sucesso se vierem das próprias mulheres, quando forem devidamente esclarecidas da expropriação do parto produzida pela tecnocracia. Enquanto as mulheres forem doces repositórios do “saber magnânimo” da obstetrícia corporativa, estarão sempre à mercê de interesses (econômicos, profissionais, legais, circunstanciais, sociais, etc.) que não são necessariamente os seus.

Há quase 30 anos eu repito que não haverá uma revolução do conhecimento, com evidências científicas e dados de morbimortalidade, capaz de produzir uma mudança de comportamento, muito menos no que concerne a um fenômeno que ocorre no corpo das mulheres – território de eternas disputas pelos significados amplos para nossa espécie. Tal transformação nunca ocorreu na história humana. Por acaso os Franceses se retiraram da Argélia porque ficou comprovado que o colonialismo é imoral e genocida? Israel vai “se dar conta” da indecência do apartheid e da limpeza étnica e discutir com os palestinos a plena democracia da Terra Santa? O imperialismo acabará pelo amor dos Estados Unidos à paz e à livre determinação dos povos?

A resposta a todas estas perguntas é um sonoro não. A única possibilidade de mudança no modelo intervencionista e alienante da obstetrícia será através da luta. Não existe possibilidade de conciliação; a Medicina tomou as rédeas do nascimento humano retirando esta função das mãos das parteiras em quase todo o mundo ocidental, e não vai entregar este domínio graciosamente. Esta retomada não se dará sem conflito, e as únicas “guerreiras” capazes de vencer a batalha do parto são as próprias mulheres, auxiliadas pelos batalhões de “combatentes auxiliares” como doulas, psicólogas, obstetras, enfermeiras, sociólogas, psicanalistas, gestoras, epidemiologistas etc. Não haverá um consenso internacional capaz de garantir o direito ao parto normal sem que haja uma disputa entre aqueles que apostam na suprema alienação dos corpos grávidos e aqueles que lutam pelas escolhas informadas e pela liberdade de parir.

Espero que alguém além de mim perceba que a luta pelo parto fisiológico não será travada nas academia, mas na arena política das lutas pela liberdade e pela autonomia.

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Baratinhas


Baratinhas

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Vai rolar uma nota de repúdio pelas expressões (descontextualizadas) que usei sobre as doulas, chamando-as de “biscateiras da Deusa” e “baratinhas” cuja presença denuncia as fissuras no assoalho da assistência ao parto. A metáfora das “baratinhas”  foi usada por duas características: por elas serem pequenas diante do gigantismo de uma corporação e por elas serem a demonstração tácita de que existe “algo de sujo no reino da obstetrícia“. E enquanto uma nota de repúdio sai – escrita por inimigas declaradas, as doulas do mal – eu continuo no hospital, atendendo orgulhosamente com uma doula, da mesma forma como faço há 16 anos, e muito feliz.

Mas pensem bem. Se eu as tivesse chamado de “anjos” seria criticado por não “humanizá-las”; se as chamasse de “maravilhosas” estaria essencializando e/ou bajulando. Se chamasse de “guerreiras” estaria reforçando o estereótipo de belicosas. Caso as chamasse de “doces” estaria tratando como submissas. Quando alguém é inimigo declarado, a ponto de vigiar cada frase escrita, nada que se diga será interpretado de forma positiva. Sem simpatia, ou mesmo respeito, que diferença faz a metáfora usada?

Quando suas mágoas pessoais sobrepujam os seus sonhos e ideais há que se questionar se sua ligação com estas propostas é o que realmente lhe mobiliza, ou apenas mais uma forma de tratar uma ferida que teima em arder.

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