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Benedito

Um dos personagens que mais admiro no campo do conhecimento humano é o judeu holandês Baruch Espinoza. Não por acaso, eu o acho parecido com meu pai; alguns aspectos de suas vidas são semelhantes, em especial a coragem de enfrentar as opiniões majoritárias e manter-se firme em suas convicções, como fez o jovem Baruch. Foi esta postura que o levou a ser excomungado aos 23 anos pelas autoridades judaicas de sua cidade. Sua excomunhão vexatória e humilhante foi realizada através dos rituais judaicos, com todos os requintes de maldade que recaem sobre estas cerimônias:

“E que Adonai apague o seu nome sob os céus, e que Adonai o afaste, para sua desgraça, de todas as tribos de Israel, com todas as maldições do firmamento escritas no Livro desta Lei. E vós, os dedicados a Adonai, que Deus vos conserve todos vivos. Advertindo que ninguém lhe pode falar, pela boca nem por escrito, nem lhe conceder nenhum favor, nem debaixo do mesmo teto estar com ele, nem a uma distância de menos de quatro côvados, nem ler papel algum feito ou escrito por ele.” Este texto foi originalmente escrito em português, pois que a família de Baruch era de portugueses fugidos da inquisição ibérica que recebeu asilo nos Países Baixos.

O crime de Baruch Espinoza (que assinou seus trabalhos com o nome latino Benedito) foram seus escritos, os postulados a respeito de Deus contidos em seu livro “Ética”. Nesta publicação o jovem Espinoza defende que Deus é o mecanismo imanente da natureza, e que com ela se confunde. Além disso, agrega que a Bíblia é uma obra metafórico-alegórica, que não exige uma leitura baseada na razão e que, por ser uma criação simbólica, não pode ser a justa expressão da verdade sobre Deus. Seu axioma mais famoso foi “Deus, sive Natura” (Deus, ou a Natureza) que traduzia sua visão teológica monista. Para o jovem Baruch, Deus era a causa de todo o universo perceptível, sendo a Natureza tão somente as formas e atributos de Deus. Para ele, a “substância” é a única realidade que existe e é a causa de si mesma. Sustentou sua perspectiva teológica mesmo com as ameaças de excomunhão (na verdade, o Chérem, equivalente judaico da excomunhão católica) que acabaram se efetivando em 27 de julho de 1656. Despido, humilhado e sem família, refugiou-se no sótão de uma bondosa senhora que o abrigou até sua morte em 1677, provavelmente por silicose ou tuberculose, com apenas 44 anos. Neste seu período de ostracismo e isolamento trabalhou como polidor de lentes, recusando todas as ofertas de trabalho acadêmico. Hegel dizia ser ele o divisor de águas da filosofia: “Ou você é espinozista, ou não é filósofo”, enquanto Deleuze afirmava que Espinoza era o “príncipe da filosofia”. Einstein adotou o monismo de Espinoza quando perguntado se acreditava em Deus.

Baruch Espinoza morreu aos 44 anos, vítima de suas verdades. Foi sacrificado no altar das conveniências, atacado por desagradar às autoridades, chamado de “ateu”, humilhado publicamente, rechaçado e desprezado em seu tempo. Manteve altiva sua postura, guardando fidelidade às suas ideias e oferecendo aos seus detratores e inimigos o perdão. Soube honrar seu curto tempo de vida oferecendo ao mundo suas ideias, deixando a paixão pela filosofia como um legado a influenciar muitos que o seguiram. Isto é, provavelmente, o que Hahnemann queria dizer quando falou que o maior propósito de restaurar a saúde seria a possibilidade de “atingir os altos fins de uma existência“. O mundo está repleto de Beneditos de muitas nacionalidades, muitos deles jamais conheceremos. Todavia, mesmo aparentemente solitários e insignificantes, seu exemplo de vida poderá ser a semente a germinar em um bravo coração.

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Consensos Manufaturados e Religião

Esta semana a direção da UDV, União do Vegetal – uma seita cristã criada por Mestre Irineu usando plantas (Mariri e Chacrona) para fazer um chá usado de forma iniciática, declarou apoio ao atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Do pouco que conheci do perfil dos frequentadores desta religião (eu mesmo já escrevi sobre o tema e já participei de um encontro), eu tive um nível zero de surpresa com essa declaração de voto. A mesma sensação que tive ao testemunhar o bolsonarismo dos espíritas. Percebam; há um padrão de conexão entre as religiões dos países imperialistas com os valores conservadores. Por esta razão a UDV, os evangélicos, os espíritas cristãos, muitos católicos e outros estão todos ligados pelos fios invisíveis do conservadorismo brasileiro, uma estrutura social que namora com o fascismo. Creio que já escrevi muito sobre minha desilusão com os religiosos, e ainda lembrei com dos amigos de infância que se tornaram bolsonaristas, defensores do Jesus com arma na cintura, desconsiderando as falas racistas, violentas, misóginas, homofóbicas e genocidas do líder. Para mim ainda é inacreditável que, aqueles mesmos que falavam do Jesus que oferece a outra face, justificam abertamente as ações racistas, homofóbicas e terroristas do atual presidente.

A justificativa? O fantasma comunismo, por certo, que serve como um “homem do saco” para adultos. Mas também se encontra com frequência a associação de Lula com “ditaduras”, como a Venezuela, Cuba e a Coreia Popular (um trio que é tanto usado pela direita quanto desconhecido por ela), em especial no que diz respeito ao envio de dinheiro para estas “ditaduras”, assim como a “ladroagem de Lula” (que só não foi condenado porque houve um erro no CEP – uma tecnicalidade). Todavia, estes mesmos moralistas desconversam quando questionados sobre as fotos do presidente Bolsonaro com o Sheik da Arábia Saudita, este sim um ditador sanguinário e cruel, ou os inúmeros casos de corrupção no seu governo.

Entre estes aficionados do capitão encontramos gente educada, estudiosa, com curso superior, pais de família, diretores de Centros Espíritas, pastores, padres, crentes de todo tipo; todos irmanados em uma luta contra os “vermelhos”, os vagabundos dos sindicatos, os invasores de terra, os ativistas do MST (que mal sabem usar uma enxada) e os indefectíveis “socialistas de IPhone”.

“Vai pra Cuba”, “Empacote tudo que você tem e distribua para os pobres”, “Ahh, reclama do capitalismo mas usa luz elétrica(??), celular(??) e computador(??)”. “Quer ficar como a Venezuela? Na Coreia do Norte é proibido cortar o cabelo igual ao Kim, e na China você é condenado à morte em 30 dias e a família ainda precisa pagar a bala. Quer isso no nosso país?”

Somos bombardeados todos os dias por uma avalanche impressionate de propaganda via redes sociais, que em muitos causa uma profunda lavagem cerebral. “Credo quia absurdum“, como diria Agostinho, “acredito nas fake News porque são absurdas, e isso prova minha fé e o meu engajamento”. São 80 anos de propaganda anticomunista diária subliminar, insidiosa, camuflada, sub-reptícia e constante. Não importa o quão ridículas são as fake news sobre “comunistas que comem criancinhas“, ou “Na Coreia Popular mentem que a seleção venceu o Brasil na Copa do Mundo“. Todo santo dia, martelando na cabeça, criando ficções ridículas (como estas acima), produzindo narrativas baseadas em delações falsas, estrangulado as economias socialistas com boicotes, sanções e bloqueios. Condenando quem denuncia os crimes do Imperialismo – como foi feito com Edward Snowden, Chelsea Manning e Julian Assange – atacando (e matando) líderes dos direitos humanos (como na Colômbia) e usando religião como um escudo, uma identidade que precisa ser preservada dos ataques insanos dos depravados, gayzistas, abortistas e ateus, tudo pelo bem dos nossos valores e do santo nome de nosso senhor Jesus Cristo, amém.

Sobre esta ligação dos religiosos em geral com o conservadorismo e a propaganda anticomunista acho que o sobrinho de Freud, Edward Louis Bernays, tem mais a dizer do que Hippolyte Rivail, o filósofo de Lyon. Edward Bernays dizia que “somos controlados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos são formadas e nossas ideias são sugestionadas”. Ele foi quem primeiro entendeu a importância da propaganda na criação do que passou a ser chamado de “Consenso Manufaturado”, um conceito primeiramente criado por Walter Lippmann em 1922 e posteriormente disseminado pelo intelectual americano Noam Chomsky. . Não se pode desprezar décadas de propaganda violenta que, junto com os aparatos de repressão do Estado, tentam evitar a explosão inevitável da barragem produzida pelas lágrimas de milhões que são excluídos pelos privilegiados do capitalismo. Propaganda e Estado policial. Publicidade e Forças armadas a serviço do Império. Salve-nos Luke Skywalker

Praticamente todas as religiões derivadas do cristianismo – enquanto fenômeno social, não como doutrina – replicam uma visão individualista do progresso onde cada um, através da penitência, da fé, da “reforma intima”, do sacrifício, da dedicação à Igreja e o pagamento do dízimo, será responsável pela evolução espiritual do planeta, um conceito que se adapta maravilhosamente à meritocracia do nosso modelo capitalista. Assim, as mudanças vão ocorrer na dependência de ações individuais, inobstante os modelos sociais a que estamos submetidos. Outro fator é o pacifismo alienante de muitos religiosos, um idealismo paralisante que os impede de aceitar a sociedade de classes como o resultado inexorável do capitalismo, a qual só será derrubada através da luta de classes e do enfrentamento.

Quando eu vejo o “cristão mediano”, frequentador da sua Igreja, que toma passes, faz comunhão, se confessa, toma hóstia ou água fluida e entoa os cânticos não consigo perceber nenhuma diferença substancial entre todas as modalidades de fé cristã. Todos eles reproduzem condicionamentos sobre costumes e política, da mesma forma como qualquer um que tenha sido intoxicado por oito décadas de violenta propaganda contra a luta organizada dos trabalhadores. Espíritas, católicos, protestantes em suas diversas denominações são semelhantes demais aos “crentes” e os neopentecostais nesse terreno para que se perceba qualquer diferença. A religião, no dizer de Hegel em “Crítica da Filosofia do Direito, , é o “Ópio do Povo” (Die Religion … Sie ist das Opium des Volkes), canalizando a energia de milhões para a contemplação e a aceitação das mazelas, ao invés de seguir as palavras de Cristo e agir objetivamente para diminuir a iniquidade no planeta e a dor de seus semelhantes.

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