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Comentaristas isentos

Aqui no RS existe, desde longa data, o costume dos comentaristas de futebol, repórteres de TV e rádio, serem “imparciais”. Na verdade, pela divisão das torcidas, definir-se por um lado significava ser odiado pelo outro lado. Por esta razão os profissionais da imprensa passaram anos fingindo uma imparcialidade para se forjar uma equidistância dos polos clubísticos. Como sempre, é impossível enganar todos o tempo todo, e a cor da camisa sempre acabava aparecendo.

Esse costume foi rompido há alguns anos com advento das redes sociais e o surgimento dos comentaristas “identificados” com os clubes. Na maioria não são jornalistas de formação e com o tempo foram eclipsando a luz dos famosos jornalistas sabichões, que tudo sabem do ludopédio. A partir de então, não apenas inúmeros novos comentaristas surgiram como alguns “isentos” saíram do armário, declarando abertamente seus clubes, sendo que a maioria, ao fazer esta revelação, causou tanta surpresa quanto a declaração “bombástica” do governador do Estado para o Pedro Bial.

O que me surpreende (mas não devia) é que esses novos “assumidos” agora agem como torcedores fanáticos, esbravejando, gritando o nome do seu clube, chorando ao vivo e disparando palavrões quando o juiz marca algo contra seu time. Isso me obriga a pensar: quando havia encenação? Antes, quando agiam com moderação e isenção ou agora quando atuam de forma histriônica e fanática?

Minha resposta simples é: em ambos momentos. Antes para evitar a desvalorização de suas opiniões, pois estariam afetadas pela paixão clubística, e agora para solidificar sua condição de representantes fanatizados da torcida, mesmo que, diferente de outrora, agora suas manifestações são irracionais, escandalosas e mediadas pelo fervor por suas cores. Ou seja: na crônica esportiva, como em qualquer outro setor do mundo do espetáculo, a luta pela audiência pressupõe um teatro incessante, onde o que importa é cativar a atenção do espectador usando todas as armas possíveis. No passado a máscara era a isenção e a seriedade; hoje se usa a desbragada afiliação ao clube do seu coração como ferramenta de marketing. A sinceridade, como sabemos, é um detalhe pouco importante.

PS: quem é da Aldeia conhece M. Saraiva e a instituição da IVI.

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Pilhou, perdeu

* Na imagem a camiseta personalizada da comunidade, nas cores roxa e amarela, cuja combinação bizarra e esdrúxula foi escolhida para não correr o risco de ficar parecida com a de qualquer clube do país. Meu número é em homenagem, claro, ao partido. *

Existe uma comunidade antiga no Facebook que se chama Futvacas. Foi criada pelo meu irmão Roger Jones como um “spin off” da Progvacas, antiga comunidade de rock progressivo que migrou do Orkut para o Facebook. Pois na Futvacas as pessoas são amigas e torcem para clubes diferentes e o mito fundador desse grupo é a zoação. Ali o “clubismo” é mais do que tolerado; ele é bem vindo. “Isenção é para os fracos”, dizemos.

Criamos uma comunidade para zoar e debochar dos adversários, falando de suas fragilidades, pegando pesado, fazendo gozações, publicando memes etc. “Palmeiras não tem mundial”, “Flamengo mulambento”, “Grêmio rebaixado”, “torcedor do Inter que precisa ir no cartório para ver um título“, “Botafogo cuja torcida cabe numa van”, “Corinthianos maloqueiros” etc. Pura pegação…

Claro, há limites. Sem racismo, sem xenofobia, sem homofobia, sem ataques pessoais ou à honra. Não é uma terra sem lei, mas a gente apostava no bom senso e em uma lei maior que regia a todos:

“Pilhou, perdeu”.

Essa é a regra. Pode zoar todo mundo, mas se o seu time perdesse tinha que aceitar e ser forte para aguentar a troça. “Se ficar brabinho é porque sentiu”. A gente frequentemente diz algo peremptório como “Meu time ganhou de todos vocês, ENAFB”, onde a sigla significa “E Não Adianta Fazer Beicinho”. Ra ra ra ra ra….

Quem responde com rispidez, ou usa “ad hominem” como resposta, perde. Não só perde como sua atitude é apontada por todos como inadequada e derrotada. Perder as estribeiras é a suprema demonstração de fraqueza e de fragilidade, não apenas do interlocutor, mas quem ele representa: seu clube, sua tradição, a região do Brasil onde mora, etc. Ficar irritado é humilhação.

A comunidade exige essa maturidade de quem participa. “Não aguenta a flauta? Não suporta zoação com seu time? Então não desce pro play pra brincar.” Se você não aceita a que os outros mostrem seus aspectos ridículos e menores, suas contradições e falhas, então não merece conviver com gente que usa estas piadas – e o processo de humanização que elas estimulam – para fortalecer amizades.

“Mas porque ficam zoando de mim logo hoje, quando estou triste pela derrota do meu time?”. Pois esta é a função principal da piada: derrubar o ego de quem se acha acima do resto da humanidade, mostrar a nudez do rei, expor o humano frágil em cada um de nós, assim como nossas falhas, nossos erros, nossa pequenez.

Não lembro de ninguém achando que uma piada sobre “a falta de taças de um clube” merecia uma troca de socos, e muito menos que essas coisas ofendiam a honra de alguém. É muito claro para todos os participantes que as atitudes “floco de neve” são absolutamente mal vistas, e talvez a seleção dos participantes seja nossa maior virtude.

PS: Sim, a razão da postagem é lembrar que a vida pública exige maturidade. Ir numa festividade do Oscar e não aceitar a tradição mais antiga da casa – o “roasting”, o deboche com estes artistas e produtores milionários e suas vidas pessoais muito sujas – é ridículo e indecente.

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Decisões

Há uns trinta e tantos anos eu estava de plantão em um hospital quando adentraram na emergência dos pacientes baleados. O estado de ambos era crítico. A esposa de um deles contou que o bar onde trabalhavam foi assaltado e seu marido reagiu. Na troca de tiros ele foi atingido na cabeça, mas antes disso conseguiu acertar o bandido que invadiu o estabelecimento.

Eu era um estudante plantonista e fui designado para a neurocirurgia do dono do bar. Meu colega acompanhou o cirurgião para a outra cirurgia, na sala ao lado, a ser feita no assaltante que havia sido atingido no peito.

Ao entrar na sala soube que ambos os casos eram dramáticos. A cirurgia no cérebro é sempre delicada e seria minha primeira vez a acompanhar uma delas como auxiliar. Naquela época já era claro para mim que este tipo de trabalho jamais seria a minha rotina de vida, mas ainda assim era algo excitante e desafiador.

No meio da cirurgia nossa sala foi invadida pela dupla de médicos da sala ao lado. Abraçados e rindo alto gritavam “acabamos com o bandido!!!”. Entre risadas jocosas diziam que a cirurgia havia “corrido com perfeição”, e que suas habilidades foram colocadas à prova “com sucesso”. As risadas foram compartilhadas pelos cirurgiões da minha sala. Eu fiquei confuso…

Não sei o que aconteceu com o nosso paciente, mas lembro de termos terminado a cirurgia com ele vivo. A delicadeza do caso não poderia nos oferecer nenhuma garantia.

Entretanto, a reação dos médicos da sala do lado nunca saiu da minha lembrança. Prefiro acreditar até hoje que o paciente não resistiu à severidade e extensão dos seus ferimentos e que o que se seguiu foi apenas uma manifestação de humor diante do insucesso. Não conseguiria acreditar que médicos deixassem de usar seu talento para salvar uma vida guiados pelas considerações de caráter moral de seus paciente. Um bandido, um terrorista ou o Papa são iguais diante da ética que deve orientar o proceder dos médicos.

Não há nenhuma desculpa para quem revoga seu compromisso com a ética profissional. Os pacientes acreditam que não serão julgados por sua cor, religião ou condição social, inobstante o que tenham feito. Essa é a premissa que suporta a atenção médica. Até na guerra, o ferimento do inimigo vale tanto quanto os dos nossos soldados.

A sensação de estranhamento com esta cena me voltou à memória quando escutei essa semana pessoas defendendo a validade das ações de um juiz que liderava uma cruzada contra um partido. A mesma falha ética, o mesmo desrespeito com os elementos mais basilares da função social que desempenha. O mesmo abuso de poder baseado na crença de sua infalibilidade e superioridade.

Uma medicina que escolhe quem merece viver ou morrer é tão danosa e maléfica quanto uma justiça que decide pela culpa ou inocência baseando-se em valores alheios aos fatos julgados. Sem essa confiança na isenção nenhuma atenção será digna e nenhuma justiça será possível.

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Das Tripas

inteligencia-emocional

Uma pessoa que passou meses a fio chamando o ex-presidente de “Mulla”, “Lulladrão”, “9 Dedos”, “molusco” e a ex presidente de “Dilmanta” NUNCA teve um neurônio sequer dedicado à análise racional dos fatos. É inegável que as pessoas que assim se referem aos políticos em seus posts são contaminados por emocionalismos, paixão, fervor religioso (já que o antipetismo se configura como uma religião) e um viés moralista (petralhas corruptos!!!!) inquestionáveis. Meus amigos que assim agem podem dizer o que bem entendem e fazer todas as criticas que quiserem ao PT; metade delas até eu vou concordar. A única coisa que não vão conseguir é NOS convencer que suas posições são “racionais e isentas”. Como dizia Max, “Tal foi a intensidade da escuridão a lhe encobrir a visão que sequer conseguiu enxergar a própria cegueira“.

Ahhh… e TUDO o que escrevo é emocional, é afetivo e vem das tripas. Nossa racionalidade não passa de um verniz, uma fachada intelectual que nos afasta dos medos encobrindo-os com o conhecimento. Entretanto, por mais que esse verniz brilhe ele não é capaz de cobrir por completo os medos e mitos e nos definem e regulam.

Portanto…. não tenham medo de assumir sua postura não-isenta. Não há necessidade de esconder (ilusão!!) seu ódio ao PT. Ele é muito mais digno e respeitável do que uma isenção dissimulada. Eu não tenho vergonha alguma de abandonar as posições “equidistantes”; no ativismo é preciso paixão e amor pelas causas.

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