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Uma graça

jesus diabo

Se o mestre Nazareno de mim se aproximasse e suas mãos vazadas pelas chagas segurassem as minhas oferecendo um pedido qualquer que enchesse meu coração de alegria, que diria eu a ele?

Eu pediria a Jesus que deixasse cumprir tudo o que a mim fosse destinado. Que caísse sobre mim o que for por mim merecido e justo. Jamais aceitaria receber o que fosse por uma graça, por um favor, por uma bênção.

– Quero todas as bolhas que meu caminhar mereceu. Quero todo suor que minha pressa escorreu. Exijo toda a sede que minha palavra produziu e todo calor que minha paixão expulsou. Não quero nenhuma dádiva, nenhum valor que não tenha vindo do meu esforço. Peço as punições que for merecedor, mas desejo que só cheguem a mim as recompensas a que fiz jus.

– Não me dê nada, Jesus. Que sentido teria essa vida se nossas conquistas fossem realizadas através de prêmios recebidos sem merecimento? Que justiça é essa que nos oferece benefício por loteria ou bajulação?

– Obrigado, senhor, pelo oferecimento. Guarde o presente para quem realmente o deseja. Para mim me bastam as alegrias simples e a harmonia fugaz que nosso mundo de expiações oferece.

Nesse momento o Jesus redivivo sorri, larga minhas mãos e desaparece em uma nuvem avermelhada, deixando no ar um inconfundível odor sulfuroso.

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Jesus Cura

Jesus cura

Como eu acredito que a cura é um processo interno, que se instala a partir da alterações profundas de rotas adaptativas inconscientes, eu não acredito que drogas, cirurgias, psicólogos ou médicos tenham a capacidade de curar um sujeito. Tais instâncias são elementos de auxílio para um caminho que é fundamentalmente solitário, e não a fonte da cura.

Por isso eu acho que Jesus não cura homofobia, como afirma o cartaz dos evangélicos “moderados”. Se curasse os cristãos seriam menos homofóbicos do que os ateus, mas o que observo é o oposto disso; os Felicianos e Malafaias não me deixam mentir…

Dizer que Jesus cura a homofobia tem tanto sentido para mim quanto dizer que a Bíblia condena os gays. Se Jesus foi mesmo o ser superior que nos fazem crer ele não se importaria com quem seus fiéis dormem. Isso, do ponto de vista do caráter ou da evolução espiritual não nos diz nada…

Deixem Jesus fora disso…

Se vc não acreditar em Jesus como divindade, realmente não fará nenhum sentido para você dizer que Ele pode curar!

É exatamente isso… Eu não acredito em nenhum guru, Messias, salvador…. nada. Não quero, não aceito e não desejo ser salvo por ninguém. Se alguma salvação existe ela será feita tão somente por mim.

Os evangélicos são os maiores porta-vozes da homofobia nacional, e é muito triste constatar que isso venha de uma organização religiosa que, a princípio, deveria se nortear pela fraternidade e pelo amor ao próximo. Aquele que for evangélico e não aceitar as palavras contra a opção sexual do seu semelhante que se manifeste publicamente contra isso, e mostre sua aversão aos Malafaias e Felicianos que pregam a exclusão. Eles disseminam de forma muito clara essa visão demeritória aos homossexuais e, quer aceitemos ou não, essa é a face dos evangélicos hoje em dia.

Sei que minhas palavras não agradarão boa parte das pessoas que cultivam suas crenças, mas sofro isso na carne há 30 anos, desde que iniciei a escrever. Ter coragem de desagradar as pessoas é tarefa que poucos aceitam. A maioria faz avaliações de suas opiniões baseadas na popularidade. Sou contra muitas coisas que as pessoas consideram óbvias, mas não por isso deixo de expressá-las, pois elas significam a minha verdade, parcial, passageira e frágil. Mas não foi Jesus ou Maomé quem me mandou dizê-las: elas são de total responsabilidade minha.

Aliás, há alguns poucos anos (uns 30) eu era crente nas realidades cristãs. Participei na minha juventude de grupos de jovens, algo que muito me ajudou a passar pelas atribulações da juventude. Depois joguei para longe toda e qualquer crença baseada em “livros sagrados“, “palavras do mestre“, etc. Entretanto, enganam-se os que pensam que eu me decepcionei com o tímido humanismo cristão. Não, eu me desencantei com a ideologia por trás de qualquer religião, que afasta os indivíduos do verdadeiro humanismo. Os evangélicos que combaterem de maneira FEROZ as religiões africanas não seguem nenhum preceito de fraternidade. Os católicos que fazem o mesmo sofrem da mesma falha ética. E assim com todas as religiões.

O salvacionismo evangélico leva a dissoluções e, acima de tudo, no caso dos pentecostais, uma “desmoralização” da religião, que de um artigo de fé passa a ser um produto a ser comprado no balcão dos bispos para o sucesso profissional. Basta ligar a TV e ver as vendas de “vassouras”, “pedaços da cruz”, “aspiradores de más energias”, e tantas outras bobagens que tentam enganar as pessoas e ludibriar fiéis, enclausurados em suas crenças e no seu misticismo.

Minha crítica, como pode perceber, não é ao católico fervoroso que tenta ser um bom cidadão, nem ao espírita religioso, ao umbandista caridoso ou ao evangélico que deu sua mente e seu coração para um ser etéreo (Jesus), mas para as religiões, criações humanas que lucram com uma visão mística, alienante, baseada em histórias que, quando literalmente entendidas, nos levaram a guerras, destruição, morte e dor.

Apesar das opiniões contrárias, continuarei pedindo que deixem Jesus fora deste tipo de debate sobre a homossexualidade, seja para acolher ou para repudiar os homossexuais. Se esse Jesus realmente existiu e foi o responsável pelo Sermão da Montanha, que é a síntese humanista da sua obra (e todo o resto – ressurreição, cruz, traições, etc. são apenas ficções que se repetem em quase todas as tradições para reforçar a mística do salvador) ele realmente não se importaria com a vida sexual das pessoas de bem.

Para Jesus, o “mestre nazareno”, tanto quanto para mim, qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor valerá, e toda e qualquer segregação deve ser repudiada…

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Crenças, Gostos e Castas

marcha-para-jesus
Conservadores saem as ruas no Brasil, a exemplo do que fizeram na França há poucas semanas.

No Brasil, quase à mesma hora, ocorreram a Marcha das Vadias e a Marcha para Jesus. Mais do que uma demonstração de ativismo feminista ou uma demonstração de fé no “Senhor Jesus”, vejo em tais demonstrações um claro divisor de classes sociais. Há poucas semanas um fenômeno semelhante: Daniela Mercury e Joelma dividiram as opiniões entre os pobres e a classe média. A cantora baiana por assumir publicamente um relacionamento homoafetivo e a musa do Calypso por defender posturas conservadoras em relação à homossexualidade.

Se você é de classe média pega mal se posicionar contra homossexuais e os direitos que estes reivindicam, da mesma forma que pega mal escutar Latino ou Luan Santana. Muitas opiniões que vemos a respeito destes temas são, em verdade, aprisionamentos ideológicos determinados pelas castas sociais, e não avaliações maduras sobre os temas em questão. Mesmo que você curta cantar músicas do Latino enquanto toma banho, se você quer se manter na classe média não fica bem declarar publicamente que gosta delas.

Desta forma os gostos estéticos (musicais, artísticos, literários, etc.) e sua expressão explícita no convívio público, são senhas, códigos e “palavras passe” para a classe social onde você se encontra. Lembro de escutar uma conversa de duas meninas adolescentes em que uma dizia a outra: “Que tipo de banda você ouve”? A outra respondeu incontinenti: “Ramones”. Quando ouviu o nome da banda a primeira lhe abriu um enorme sorriso. Era o código: a tribo específica à qual você se liga. Era possível, a partir desse reconhecimento, uma vinculação. Eu penso em fazer isso na sala do café dos médicos no hospital onde atendo: iniciar uma conversa animada com uma colega a respeito de música, e citar elogiosamente várias duplas sertanejas, apenas para observar a cara de espanto dos colegas médicos, como que a dizer “O que esse indivíduo está fazendo aqui, entre nós?”

Quanto aos objetivos da “Marcha das Vadias” ninguém discorda. Pelo menos os objetivos explícitos e conscientes, o que não tem necessariamente que ver com os objetivos verdadeiros e inconscientes. Mas veja bem, na “Marcha para Jesus” também havia o interesse de exigir direitos, fazer uma demonstração de fé de forma contundente e firme e estava cheio de homens conscientes e parceiros, todos em prol da família e da religião. Eram nitidamente pessoas do “bem”, cheias de boas intenções. Mas, se as intenções e a essência das pessoas era a mesma (nas Vadias e em Jesus havia gente bacana, e muita gente histérica também, claro), o que salta aos olhos é a diferença de classe social.

Por isso é que afirmo que muito mais do que um interesse ideológico existia uma imantação por classe social. Pega mal para a classe média se ligar à Jesus, e fica estranho para as pessoas de classe baixa entrar no meio da parada das Vadias. A classe média é notoriamente progressista, mas as classes C e D (emergentes no Brasil contemporâneo) são eminentemente conservadoras. É por isso que o Feliciano recebeu mais apoio que paulada, e é por esta razão que o discurso político brasileiro da atualidade apresenta uma nítida guinada conservadora (Jesus, família, sexualidade, etc.) e para a direita (capital, mercado, competitividade, lucro, etc.).

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