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Tríptico Amor Romântico – 1. Amores decadentes

Tenho uma curiosidade sobre a “decadência do amor romântico” e gostaria de saber a opinião das pessoas sobre essa ideia. Por que tantos acreditam que o amor romântico “não funciona” e precisa ser eliminado? Qual a alternativa a ele? Se o amor romântico não funciona a alternativa seria a construção de uma cultura hedonista, baseada em múltiplos encontros sexuais e amorosos fugazes, superficiais e “operacionais”, tipo, objetivando apenas a reprodução? Poliamor seria a resposta para o desejo? Relacionamentos abertos? E as crianças? Tribos, comunidades, comunas? Como podemos imaginar as sociedades, as famílias, as crianças e a velhice num mundo pós amor romântico?

A questão proposta é apenas esta: se o amor romântico como o entendemos não tem mais sentido, como seria a estrutura social do futuro? Amores líquidos, meteóricos? Prazeres descompromissados? Surubas cibernéticas? Sexo casual? Filhos comunitários? Admirável Mundo Novo?

Para ser mais explícito, não é sobre apaixonamento, tesão ou outros tipos de amores que estamos falando. “A crise do amor das relações surgiu no horizonte como um impacto muito forte, com as separações tanto das relações mais formais como as informais. O casamento oficializado entra em crise.” (Edson Fernando Oliveira). A crise está na ideia de que precisamos nos relacionar por amor, pelo desejo de formar parcerias longas, “até que a morte os separe”, uma vida conjunta envelhecendo em parceria, ao lado de filhos, netos e bisnetos. É sobre esse “contrato social” de pessoas que estão juntas e decidem se manter assim porque se amam. Não é sobre paixão e desejo, mas a forma de acomodá-los, criando uma dualidade afetiva duradoura.

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Crenças, Gostos e Castas

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Conservadores saem as ruas no Brasil, a exemplo do que fizeram na França há poucas semanas.

No Brasil, quase à mesma hora, ocorreram a Marcha das Vadias e a Marcha para Jesus. Mais do que uma demonstração de ativismo feminista ou uma demonstração de fé no “Senhor Jesus”, vejo em tais demonstrações um claro divisor de classes sociais. Há poucas semanas um fenômeno semelhante: Daniela Mercury e Joelma dividiram as opiniões entre os pobres e a classe média. A cantora baiana por assumir publicamente um relacionamento homoafetivo e a musa do Calypso por defender posturas conservadoras em relação à homossexualidade.

Se você é de classe média pega mal se posicionar contra homossexuais e os direitos que estes reivindicam, da mesma forma que pega mal escutar Latino ou Luan Santana. Muitas opiniões que vemos a respeito destes temas são, em verdade, aprisionamentos ideológicos determinados pelas castas sociais, e não avaliações maduras sobre os temas em questão. Mesmo que você curta cantar músicas do Latino enquanto toma banho, se você quer se manter na classe média não fica bem declarar publicamente que gosta delas.

Desta forma os gostos estéticos (musicais, artísticos, literários, etc.) e sua expressão explícita no convívio público, são senhas, códigos e “palavras passe” para a classe social onde você se encontra. Lembro de escutar uma conversa de duas meninas adolescentes em que uma dizia a outra: “Que tipo de banda você ouve”? A outra respondeu incontinenti: “Ramones”. Quando ouviu o nome da banda a primeira lhe abriu um enorme sorriso. Era o código: a tribo específica à qual você se liga. Era possível, a partir desse reconhecimento, uma vinculação. Eu penso em fazer isso na sala do café dos médicos no hospital onde atendo: iniciar uma conversa animada com uma colega a respeito de música, e citar elogiosamente várias duplas sertanejas, apenas para observar a cara de espanto dos colegas médicos, como que a dizer “O que esse indivíduo está fazendo aqui, entre nós?”

Quanto aos objetivos da “Marcha das Vadias” ninguém discorda. Pelo menos os objetivos explícitos e conscientes, o que não tem necessariamente que ver com os objetivos verdadeiros e inconscientes. Mas veja bem, na “Marcha para Jesus” também havia o interesse de exigir direitos, fazer uma demonstração de fé de forma contundente e firme e estava cheio de homens conscientes e parceiros, todos em prol da família e da religião. Eram nitidamente pessoas do “bem”, cheias de boas intenções. Mas, se as intenções e a essência das pessoas era a mesma (nas Vadias e em Jesus havia gente bacana, e muita gente histérica também, claro), o que salta aos olhos é a diferença de classe social.

Por isso é que afirmo que muito mais do que um interesse ideológico existia uma imantação por classe social. Pega mal para a classe média se ligar à Jesus, e fica estranho para as pessoas de classe baixa entrar no meio da parada das Vadias. A classe média é notoriamente progressista, mas as classes C e D (emergentes no Brasil contemporâneo) são eminentemente conservadoras. É por isso que o Feliciano recebeu mais apoio que paulada, e é por esta razão que o discurso político brasileiro da atualidade apresenta uma nítida guinada conservadora (Jesus, família, sexualidade, etc.) e para a direita (capital, mercado, competitividade, lucro, etc.).

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