Primeiramente deixo claro que eu debato o que eu quiser e quando eu quiser. Não há o que possam fazer, a não ser me bloquear caso minhas opiniões machuquem. Eu, em verdade, prefiro ser bloqueado (e sou diariamente) quando o livre direito de expressão não é respeitado ou bem-vindo. Quanto ao debate sobre Neymar x Rivaldo, ele é realmente inútil; apesar disso, está na Internet e muita gente está fazendo essa comparação. Eu mantenho a minha opinião sobre esse tipo de discussão: o debate é sem sentido porque são jogadores diferentes, de posições diversas e de gerações diferentes, mesmo que próximas. Essa história de “quem foi melhor” é um debate caça níquel, pois as pessoas tendem a desvalorizar um jogador para valorizar o outro. No caso, dois craques máximos do futebol brasileiro, na galeria dos Top 10.
Passei boa parte da minha vida escutando esse debate sobre Pelé x Maradona e nada de produtivo pode ser retirado das toneladas de textos escritos sobre essa comparação. Muitos até reconhecem que se trata de “uma discussão praticamente sem fim“. Ora… o que é uma discussão infindável? É exatamente aquela que impossibilita uma conclusão, tornando-a sem utilidade, pois esbarra em preferências pessoais e modos distintos de analisar futebol. No caso, estamos comparando “maçãs com peras” e tentando afirmar qual é a melhor das duas, mas felizmente não há gostos e perspectivas idênticas, e o debate se torna um “cul de sac”, um beco. A complexidade das visões subjetivas sobre a qualidade (das maçãs, das peras e dos jogadores) nos condena a jamais chegar a uma conclusão definitiva.
Eu lembro que na minha época de garoto, na virada dos anos 60-70, os salários dos jogadores da dupla Grenal eram semelhantes aos proventos de um médico ou advogado bem sucedidos; eram salários de classe média. Naquela época o dinheiro que circulava no futebol era pouco, mas a economia do país também era muito menor, uma fração do que é agora. Não havia ainda transferências de jogadores para a Europa, algo que só começou pra valer nos anos 80, com as vendas de Falcão para a Roma, Maradona para o Napoli e Zico para a Udinese – três grandes craques vendidos para times de segunda linha do futebol europeu. Lembrem que a grande seleção brasileira de 1970 tinha 100% de jogadores jogando no Brasil, inclusive o gremista Everaldo.
“Naquela época o futebol era muito mais humano”, como dizia meu irmão e saudosista profissional Roger Jones. Quando estava no colégio, todos os dias eu passava na frente do edifício onde moravam dois jogadores titulares do grande time do Internacional dos anos 70 ‐ Carpegiani e Tovar – que ficava na esquina da Av. Getúlio Vargas com a Rua Botafogo. Era (ainda é) um edifício simples, parecido com o que minha família morava algumas quadras adiante, no mesmo bairro Menino Deus que encantou Caetano Veloso. Na rua dormia o carro do Carpegiani, que era um “opalão” verde. Sim, nos anos 70 os carros dormiam na rua porque os edifícios mais antigos não tinham garagens. A gente conhecia o carro, passava por ele todas as manhãs no caminho para o Infante Dom Henrique, mas jamais pensamos em vandalizar, apesar de sermos gremistas. Esse ódio de torcidas ainda não tinha nascido, e o mais radical que existia era a flauta, o deboche e a galhofa, mas não a violência.
Outro fato curioso aconteceu quando eu já estava na faculdade. Ainda morando no Menino Deus, eu tinha uma namorada no Partenon. Aliás, a mais linda namorada que eu já tive, além de ser a única. Eu costumava pegar um ônibus, o T2, para ir na sua casa e, em uma dessas viagens, sentaram-se no último banco do T2 e logo atras de mim, dois jovens negros. Começaram a conversar e pelo conteúdo da fala percebi que eram jogadores do Internacional. Passados mais alguns minutos me dei conta que um deles era o zagueiro central titular do Inter que estava falando do interesse do Bahia em comprar seu “passe”. Hoje em dia, quando existem páginas dedicadas a descrever os carros impressionantes dos jogadores, é inacreditável pensar que há 40 anos um jogador titular de um grande clube pudesse andar de “busão”.
O futebol está passando por uma crise existencial muito grave, mas ela não se desenvolve em um vácuo conceitual. Ela é fruto da crise do capitalismo, que se manifesta em todas as dobras do tecido social. Os valores astronômicos pagos a jogadores – em boa parte atletas medíocres – e a eliminação do povo das arquibancadas das modernas arenas são uma demonstração clara da necessidade de alienar o gozo da vida a seus representantes, os heróis, gladiadores modernos, que usufruem – por nós – do gozo que nos é sonegado. Para isso pagamos valores obscenos, imorais e indecentes. Os jogadores não tem culpa disso, são apenas os vetores dessa nossa angústia, nossa insatisfação, nossa dor. “Se minha vida é um lixo, pelo menos meu time é campeão”, diz o torcedor padrão. Se não vejo sentido ou esperança na luta de classes, ao menos pagarei minha mensalidade para que minha equipe seja a grande vencedora.
Eu não acredito que a bolha do futebol vá estourar antes de uma grande crise global do capitalismo. Alguns países, como a Argentina, já saltaram na frente. Seus grandes craques já saem de lá muito cedo, empurrados pela crise econômica grave causada por esse mesmo capitalismo concentrador decadente. Não há dúvida que, mais cedo ou mais tarde, o mesmo vai ocorrer no Brasil e no mundo. O futebol também terá um choque de realidade da mesma forma como a “Febre das Tulipas” terminou na Holanda, e teremos valores circulando no futebol mais próximos da realidade do povo que o sustenta. Quem sabe no futuro os jogadores vão voltar a morar perto da sua casa e terão carros comuns na garagem.
O jogador Edenílson está saindo do Internacional no início de 2023 para jogar no Atlético MG. Ficou 6 anos no Internacional de Porto Alegre e jamais deu uma volta Olímpica sequer, nem mesmo no ruralito (campeonato gaúcho, ou “gauchão”). Alguns jogadores tem essa sina; são bons, competentes, dedicados e alguns são até mesmo craques da bola, mas jogam em times que não conseguem ganhar nada. O mesmo aconteceu com Tcheco do Grêmio na época ruim do início desse século, ou Rubem Paz também do Inter nos anos 80. São os famosos “Craques das vacas magras”.
Entretanto, para mim o maior exemplo no mundo inteiro de craque sem títulos na carreira foi Rivelino, craque indiscutível, ídolo e exemplo maior de Maradona, mas que teve o supremo azar de jogar naquele Corinthians que viveu à sobra da “Academia Palmeirense” e depois dos anos de glória do Santos de Pelé, e por isso ficou 23 anos sem ganhar nada de relevante, mesmo sendo a maior e mais fiel torcida de São Paulo.
Estes são os títulos da carreira de Roberto Rivelino. Percebam que os títulos obtidos em clubes são todos inexpressivos. Entretanto, ele foi um dos principais jogadores da conquista definitiva da Taça Jules Rimet, o tricampeonato conquistado no México em 1970.
Até quando o Maradona morre o foco volta a ser o Pelé e de novo aparece a nossa incapacidade de aceitar um ídolo e herói negro para um país racista. É difícil aceitar o Pelé, não?
Acho curioso que o Pelé não pode ser referência por causa de seus erros humanos, mas a madame branca que apoiou a pedofilia pode…
Nada a ver com drogas ou “vidaloka” de um ou pela postura política à direita do outro. Pelé é criticado porque ousou ser um Rei preto num pais racista. Maradona pôde fazer filhos com todo mundo e dar porrada na mulher, mas não é negro. Aqui falam exaustivamente do “reconhecimento da filha” apenas para facilitar o ódio que sempre tiveram do Pelé pela cor da sua pele. Preto desaforado, metido…
Pelé deu declarações à esquerda no passado, mas assina camisas para presidentes de direita hoje, e por isso não é perdoado. Toda a cocaína e o álcool de Maradona, assim como as violências domésticas, recebem nosso perdão porque, afinal, ele “parece” ser um rei, e não alguém que algumas poucas décadas atrás era açoitado por um deslize qualquer.
Pelé nunca será perdoado pelo crime de ser negro.
Maradona não foi nem uma quarta parte do que Pelé foi em campo, não teve metade da sua genialidade com a bola nos pés, mas teve muito mais consciência social e muito mais engajamento nas lutas pelo povo da América Latina, e por isso merece também estar no Panteão dos gênios da raça.
Salve Maradona, salve Pelé, salve Fidel e Simón. Viva Che, viva Rosa e Ataualpa… e longa vida à unidade Latinoamericana.