Arquivo da tag: Medicina e capitalismo

Sociedade drogada

Para consideração…

Na minha época de infância, antes dos remédios serem a maior indústria do planeta, existiam os “moscões”, sujeitos desatentos e lerdos, e as crianças hiperativas, falantes, inquietas e com “bicho carp’inteiro”, mas ambas as pontas do espectro eram vistas como formas de se comportar dentro dos limites da normalidade. Era o “jeitinho” da criança.

Foi a indústria farmacêutica que induziu a medicina a tornar patológicas as características individuais. Assim como fez com a tristeza e o pesar, assim como medicalizou o nascer e o morrer, criminalizando-os e controlando-os, tornou a adaptação escolar forçada como distúrbio. Nada poderia ser mais errado. Aliás, penso que a patologia está exatamente no oposto: qualquer sujeito que se adapta muito bem às prisões, hospitais e escolas deveria ser investigado.

Tenho exemplos na minha família de gente que, por sorte, não foi medicado em função das suas condições “diferentes”. Tivesse sido e hoje por certo não seria quem é, pois teria perdido a maior parte do que aprendeu com o seu jeito especial de ser.

Não digo que os medicamentos para as crianças são inúteis, assim como nunca disse isso das cesarianas, mas apenas que o ABUSO de tais intervenções é um grave problema de saúde pública derivado da influência do capitalismo na assistência médica.

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Distopia do parto

“Quando o absurdo se torna a regra nós perdemos a capacidade de perceber o quão distante estamos do normal. No Brasil se alguém relatasse que um hospital tem 70% de partos vaginais todos soltariam foguetes e comemorariam, mas isso significaria também que a taxa de cesarianas deste mesmo hospital estaria entre o DOBRO e o TRIPLO do valores recomendados pela OMS. Que fique claro: este lugar sequer existe.

A atenção ao parto inserida na medicina e no capitalismo produziu um monstrengo que, de tão deformado, impede que se perceba sua forma original. Uma construção social feita da matéria prima dos medos, controle social e submissão, envolta no tecido puído e desgastado do patriarcado decadente. Ou, seguindo a ideia de Baudrilhard, um mundo material que desapareceu deixando em seu lugar apenas um mapa, imagem deformada da verdade, que desenhamos de acordo com nossas conveniências egoísticas. O real desapareceu para fazer surgir uma distopia autocida.”

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Escuta

O que seria “inútil” em uma consulta médica?

O que, no discurso de um paciente, “nada tem a ver” com a consulta? Ora… a verdade é que a Medicina procura enquadrar o discurso livre do sofrimento dos sujeitos à sua estreita visão etiológica e propedêutica. Em uma consulta padrão se objetiva traduzir toda a construção subjetiva dos pacientes para uma formulação farmacêutica, pois é para esse fim que os médicos são treinados.

A medicina, assim inserida no capitalismo, investe nos médicos como meros despachantes de drogas, e por isso mesmo os trata como crianças, oferecendo canetinhas coquetéis espelhinhos e amostras grátis. Em verdade, não há NADA na narrativa dos doentes que deveria escapar à atenção e ao escrutínio de quem se ocupa da cura. Não existem palavras vãs para ouvidos dedicados e compassivos

Aliás, a própria escuta atenciosa, respeitosa e livre de preconceitos já é a etapa inicial da terapêutica, e geralmente a mais importante. Como dizia o psicanalista Ballint, “O melhor medicamento que um médico pode oferecer ao seu paciente é ele mesmo“.

Desconsiderar a energia transformativa do encontro curador-paciente é a mais grave tolice da tecnocracia.

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Propina

Os médicos moralistas e conservadores acham um escândalo que um político receba presentes de empreiteiras mas passam a vida recebendo amostra grátis, canetinhas, jantares, viagens, tablets, passagens aéreas e convites para congressos pagos pela indústria farmacêutica, e tudo isso sem a menor cerimônia. A corrupção é sempre um problema dos outros.

Sheldon McGuinitty, “Corruption by prescription”, Ed Alteros, pág. 135

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Medicina Americana

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Uma amiga minha que mora nos Estados Unidos foi acometida de uma dor abdominal violenta que se manteve por alguns dias. Em seu histórico o (ab)uso de remédios, em especial anti-inflamatórios e antidepressivos. Não tinha cobertura de nenhum seguro saúde, mas dentro de 5 dias ela alcançaria o vencimento de sua carência. Sozinha e em pleno desespero decidiu-se por procurar uma emergência, pois teve medo de morrer. Foi admitida e realizaram muitos exames, todos os possíveis em um caso de dor epigástrica aguda sem febre, diarreia ou sintomas sistêmicos.

Durante 5 horas permaneceu na emergência. O diagnóstico final foi “gastrite aguda”. O tratamento foi basicamente aquele para quadros similares: antiácidos e bloqueadores.

Preço do atendimento: 30 mil dólares.
Sim… mais de 90 mil reais. Tudo discriminado. 30 mil dólares por 5 horas de atendimento.
(Se eu cobrasse 20% disso por 20h de atenção ao parto seria chamado de muitas coisas desabonatórias)

No SUS, que está prestes a acabar nas garras de Temer, o valor seria zero. Mas por este tipo de relato podemos entender as forças que atuam nas sombras e que desejam acabar com o sistema universal de assistência à saúde no Brasil.

Outro problema que vamos enfrentarem breve é a transformação da assistência médica em um processo industrial, com a mesma lógica da linha de montagem de uma fábrica comum.

Uma vez conheci um oftalmologista que ganhava fortunas pela Unimed. Ele atendia mais de 300 pacientes por mês. Em função do alto custo uma equipe da Unimed foi avaliar porque suspeitaram de fraude. O resultado da investigação não podia ser pior: não era fraude.

Ele passava pacientes de 10 em 10 para sua sala de exames. Pingava colírio dilatador de pupila em um por um e depois disso pedia que saíssem e esperassem para serem chamados. Chamava outros 10 e repetia as gotinhas dilatadoras. Depois disso chamava a primeira turma novamente e fazia exame de “fundo de olho” em todos, ditando os achados para uma secretaria que copiava ao seu lado. Quando terminava essa fase repetia o exame na segunda turma. Quando finalizava essa etapa chamava de novo a primeira turma e distribuía os diagnósticos e as receitas. E assim ia fazendo, realizando um verdadeiro atendimento oftalmológico fordista, industrial. Máxima eficiência no mínimo de tempo.

Meu comentário na época foi…

Eu entendo porque ele faz este tipo de atendimento, porque aumenta os lucros diminuindo os intervalos entre a saída e a entrada dos pacientes. Mas até hoje não consigo entender as razões que levam um paciente se submeter a tal desumanidade“.

Ah…. era pela Unimed. Se fosse pelo SUS imaginem o que estaríamos falando.

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