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Médicos

Eu acho que, inobstante o avanço da ciência e da tecnologia, não há como os médicos tornarem-se obsoletos e trocados por equipamentos, por mais sofisticados que eles se tornem. Por outro lado, estes médicos que consideramos “top de linha” – que em verdade são bons ou excelentes técnicos – poderão ser substituídos por robôs ou terão suas ações realizada por engenheiros, sejam eles mecânicos ou geneticistas.

Além disso, imaginem a transformação radical que vai ocorrer na prática médica quando políticos e sanitaristas resolverem os problemas produzidos na saúde pública pela pobreza, a fome, a competitividade doentia, as guerras, a exploração do trabalho, os acidentes evitáveis, o ódio de classe, o racismo e a xenofobia. O que será da medicina quando o capitalismo for superado e não houver mais ódio e desprezo de classe? Quantas vezes atendi pacientes cujo principal diagnóstico era “síndrome da estrutura social perversa”

Como eu costumo dizer, bastaria que a Medicina fosse praticada com plena observância das evidências científicas para que sua prática se tornasse totalmente irreconhecível daquela que se aplica hoje. Imagine isso combinado com um mundo de paz, com a superação da sociedade de classes. A medicina se tornaria um exercício de pura conexão pela palavra. Por esta razão, o médico que produz uma ponte afetiva e profunda com seu paciente jamais será substituído por máquinas, pois a ligação que ele propõe é de alma para alma.

Isso me lembra a forma como os Navajos classificam seu curadores. Longe de romantizar as populações nativas, eu acho apenas que a experiência da medicina num modelo pré-capitalista sempre tem algo a nos ensinar.

Para estes nativos existem 3 níveis de curadores, numa carreira que prolonga por uma vida inteira. O primeiro nível comanda rituais e utiliza algumas ervas curativas. O segundo nível se especializa no uso das múltiplas ervas e substâncias para as diversas doenças catalogadas por sua cultura. Já o último nível, aquele que se alcança depois de ter passado uma vida inteira na função de curador, se ocupa tão somente em oferecer… conselhos.

Assim, a função do curador segue na direção da sutileza, partindo das artes mais densas dos corpos – pessoal e social – e chegando na palavra, a quintessência da cura. Sim, é possível substituir as ações mecânicas dos médicos, mas sempre haverá a necessidade de conectar-se com o suposto saber de alguém que instrumentaliza sua fraternidade no sentido da compaixão e da cura.

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Enterrem o meu coração…

Quanta ingenuidade e alienação teve a minha geração que brincou de “Forte Apache”. Era uma passada de pano brutal e uma lavagem mental programada para que a população branca americana acreditasse na mentira – apenas muitos anos depois questionada – de que a “conquista do Oeste” foi uma colonização limpa e justa de “vazios populacionais”.

Nada disso; o “Forte Apache”(que eu muito brinquei na infância) era parte de um plano conduzido pelo cinema americano de transformar assassinos, torturadores, matadores de crianças, incendiários e ladrões de terra em “pessoas de bem”. Colonos que adoravam a Cristo e que tentavam levar sua palavra aos índios e suas “crenças primitivas”. E sequer é necessário ir longe: o mesmo ocorreu com os “Bandeirantes”, cruéis assassinos de indígenas, canalhas e genocidas que são hoje nomes de rua e tem estátuas distribuídas pela cidade.

Quando acreditamos na inocência desses brinquedos, com a crença de que eram apenas baseados em filmes de “bang-bang“, na verdade estamos nos referindo a um importantíssimo momento da cultura dos Estados Unidos alguns anos após o fim da Guerra. É o que os americanos tratam como “Wild West” ou “Far-o-West“, que diz respeito à conquista feita à Oeste anos após a guerra de secessão, do norte contra o sul. Este movimento expansionista levou cerca de 300 000 pessoas, oriundas do restante dos Estados Unidos e do exterior, para estas terras, pela descoberta de jazidas na costa oeste, mais especialmente na Califórnia. Foi exatamente esta descoberta que levou os “Pioneiros” (isso lembra outro seriado?) a migrarem em massa para estas terras inóspitas e selvagens (wild) para bem longe (far) no Oeste americano.

O problema é que essa trilha de pioneiros passava por cima de lugares povoados por inúmeras populações indígenas (first nations) como Cherokee, Navajos, Sioux, Comanches, Chippewa, Mohawks, etc, que foram dizimadas, mortas, queimadas e destruídas em uma verdadeira carnificina que nós celebrávamos inocentemente quando víamos “Daniel Boone”, “Rin-tin-tin” e “Os Pioneiros” na TV e depois brincávamos com o Forte Apache.

Esse brinquedo, assim como essas propagandas de brancos assassinos travestidas de seriados de TV, deveriam servir como amostra da crueldade humana, algo a ser tratado como grande vergonha planetária. Não é por ser “violento” que o “Forte Apache” deveria ser debatido, mas por romantizar o genocídio das populações originárias da América, os massacres, as mortes e as torturas. Recomendo o livro de Dee Brown: “Enterre o meu coração na curva do rio”.

A propósito: alguém acha que seria legal um brinquedo chamado “Hiroshima” que tem um aviãozinho chamado “Enola Gay” sobrevoando uma cidade e uma rosa de fumaça de montar para as crianças brincarem?

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