Arquivo da tag: stand up

Humor e censura

Como é difícil convencer a “geração floco de neve” que a liberdade de fazer piada com TUDO, sem exceção, é uma das principais características da democracia. Se você criar espaços proibidos, lugares interditados para a crítica (porque piada é crítica social) você produz uma tirania cultural abjeta. Não posso imaginar uma sociedade evoluída que seja centrada no proibicionismo.

O humorista Bill Cosby, certa feita, fez um monólogo longo sobre “parto natural”, brincando com grávidas, gritos, bolsas rompendo, médicos, maridos, respiração, etc passeando por todos os clichês do parto e nascimento. Eu achei espetacular e de maneira alguma critiquei sua performance, porque sabia que um movimento cultural como o parto humanizado precisa ser forte o suficiente para suportar as inevitáveis críticas – inclusive aquelas que surgem em forma de piada ou paródia. E, quando vi este stand-up pela primeira vez, percebi que um movimento social como o parto humanizado precisaria ser testado através do humor. Se alguma coisa cai por ser objeto de piada, é por que nunca teve força para se sustentar.

Uma piada só existe dentro de um contexto; retirada deste espaço geográfico e histórico ela não faz sentido. Além disso, existem “falsas piadas” que são criadas e disseminadas apenas como veículo para preconceitos que, ditos de outra forma, não seriam aceitos. Entretanto, não é difícil perceber a construção dessas piadas, e elas invariavelmente carecem de graça.

Esta é a chave da piada: ela precisa ser engraçada, não limpa e moralmente impecável. Ela precisa tocar nas feridas sociais e humanizar personagens poderosos. Ela necessita ser livre de quaisquer coerções. Exigimos dela a crítica mordaz da cultura, da sociedade e, em última análise, de nós mesmos.

Criar censura sobre os chistes é destruir a cultura onde estamos inseridos. Não ajudamos grupos oprimidos oferecendo-lhes a censura como proteção, mas empoderando-os para que possam resistir.

Deixe um comentário

Arquivado em Palestina

Stand up

Como é “Stand up” no Brasil: o cara pega uma vítima da plateia, pergunta a profissão, o nome e fica debochando do sujeito. Da roupa, da namorada ao lado, do seu ofício, se ele é gordo, se ele é careca, etc. As pessoas submetidas a este tipo de “brincadeira” são constrangidas a rir, sob pena de serem consideradas “mal humoradas”.

É o humor do bullying, do deboche, da humilhação. Para mim isso demonstra falta de texto, de criatividade e de qualidade. Quando eu vejo que o show apela para este tipo de estratégia eu simplesmente desligo ou paro de assistir.

Sofro muito com essas vergonhas alheias. Sim, eu sou mal humorado, mas quando a risada vira obrigação e produz humilhação e dor é porque há muito deixou de ser humor.

Deixe um comentário

Arquivado em Humor

O Papel do Artista

Jerry Seinfeld

O comediante americano Jerry Seinfeld uma vez foi perguntado sobre a razão de ter terminado seu programa no auge da popularidade, quebrando recordes de audiência e sendo o programa mais visto na TV americana. Quando houve o anúncio do fim da “sitcom” até o presidente americano na época, Bill Clinton, solicitou a sua manutenção por pelo menos mais um ano. Apesar de todos os pedidos ele se manteve firma na ideia de terminar este trabalho depois de 9 temporadas de extremo sucesso.

Vou dar aqui a minha interpretação pessoal da sua resposta, já que não recordo das suas palavras exatas. Entretanto, as explicações que ele deu sempre fizeram muito sentido para mim no que diz respeito às ações que os indivíduos produzem para mudar a sociedade em que vivem, em especial nas pressões que tais sujeitos sofrem do entorno.

Ele explicou assim as razões para o fim de “Seinfeld”:

Aprendi com o stand up que você deve parar exatamente neste ponto, quando as pessoas saem de sua apresentação com o riso ainda nos lábios e o desejo de que o show continue. Insistir para além desse ponto é oferecer para as pessoas uma ilusão: a satisfação de seus desejos.

As necessidades podem ser supridas pelo homem, os desejos jamais. Por necessidades básicas entendo comer, beber, dormir, amar e reproduzir-se, e isso podemos oferecer como fundamento para a vida humana. Para além disso temos os desejos, que vão da mulher mais bonita ou o homem mais forte até os mais sofisticados “gadgets” tecnológicos. Estes desejos são, por definição, impossíveis de suprir. Para cada patamar alcançado desejamos mais, e mais, e mais… indefinidamente.

O entrevistador então questionou: “Mas não achas que o desejo das pessoas deve ser satisfeito? Todos queriam que o show continuasse. Ele fazia sucesso, era famoso, trazia alegria a todos. Porque parar diante de tantas conquistas? Porque resistir ao pedido sincero de tantas pessoas que amavam seu trabalho?

Jerry respondeu:

Acima de tudo eu acho que nunca devemos dar o que as pessoas querem. Esse não é o papel do artista. Você deve dar o que VOCÊ acha melhor, as suas ideias, sua arte, seu talento e seu esforço. As pessoas devem segui-lo se assim o desejarem, ou esquecê-lo, se assim for justo. Entretanto, jamais o verdadeiro artista deve entregar às pessoas o que estas lhe pedem.

O reverso dessa postura é o fracasso criativo, mesmo que haja um relativo e efêmero sucesso nas audiências menos exigentes. Quando o artista canta o que o público quer ouvir ele fracassa no seu intento renovador e revolucionário. Quando o ideólogo fala o que todos querem escutar ele falha na sua tarefa de sacudir ideias e conceitos. Quando o ativista caça desesperadamente o afeto de seus seguidores, por medo de decepcioná-los, estará falhando em sua tarefa de despertar mentes e estremecer a cultura.

Nietzsche já nos ensinava que o verdadeiro gênio só é reconhecido um século depois de sua morte. Para quê tanta pressa em ser amado e admirado?

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos