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Proteção

Mesmo sem me atrever a justificar as palavras e sorrisos das jovens médicas ao se referirem às crianças vítimas de um raio, eu posso entender que pessoas usem humor quando estão muito angustiadas e nervosas. Em verdade, este é um recurso que eu mesmo muito utilizei.

Lembro de uma parente minha que, quando criança, teve uma crise de gargalhadas ao ser informada da morte do avô. Ela recorda vividamente do profundo pesar pela perda, mas também da sua resposta paradoxal, movida pelo nervosismo do momento. Da mesma forma, muitas crianças choram copiosamente de alegria ao receber um presente ou a visita de uma pessoa querida. Lembro de amigos que, diante da perda iminente de um familiar, faziam piadas ainda na UTI como forma de diluir a angústia da circunstância. Há outro fenômeno muito bem descrito onde meninas vítimas de abusos voltam para casa e lavam a louça, arrumam suas roupas e fazem as lições da escola, agindo de maneira corriqueira como forma de afirmar a si mesmas que o mundo continua girando da mesma maneira, e que a ordem do universo está mantida apesar da tragédia pela qual passaram.

Quando as médicas fizeram piadas em um atendimento de emergência eu imediatamente pensei: “só quem esteve imerso em um plantão de pronto-socorro consegue entender perfeitamente o que ocorreu”. Nesses locais você está conversando com amigos sobre a escalação do seu time para o jogo de domingo e no minuto seguinte aparece um jovem morto em um acidente de motocicleta. Algumas horas mais tarde, logo após comentar sobre a beleza de uma atriz, uma jovem – igualmente bela – aparece baleada, com a vida por um fio. Acidentes com crianças, a toda hora; morte, tristeza, horror e miséria humana. Sair da sala e encontrar os familiares em pânico e tudo o que você tem a dizer é “Sinto muito, fizemos todo o possível, mas…”

O clima é sempre de tensão. Diante desse cenário de hecatombe iminente usamos de estratégias para salvaguardar nossa sanidade mental. Não há como absorver as mortes que nos cercam como elas verdadeiramente são: a partida de alguém cercado de afetos, memórias, vivências; a viagem sem volta de pessoas que amam e foram amadas. Para nos proteger dessa carga nos escondemos na frieza, no distanciamento, no isolamento afetivo – e no humor. Sem isso nossas emoções são destruídas e não é possível sobreviver. Quem trabalhou em PS, ou mesmo como psicanalista, sabe o quanto o espírito pode ficar em frangalhos depois de ver ou escutar certas histórias de morte, dor e sofrimento.

Nestes ambientes contar piadas e usar o humor é uma estratégia que sempre utilizamos. E vejam, não se trata das piadas que usam do deboche ou do escárnio com a dor alheia, mas de perceber o lado engraçado das situações, tirando da cena trágica seu aspecto bufão e cômico. Quem já passou por esse tipo de vida sabe o quanto esse artifício pode ser um alivio para as almas tensionadas pelo ambiente dramático onde se encontram.

Há também outro fenômeno que merece uma análise: um plantão de emergência é um ambiente muito masculino, de muita testosterona. Fragilidades emocionais, choro, pesar, etc. não são bem vindos. É preciso mostrar dureza diante da morte ou das tragédias. É necessário ter fibra, força, resistência emocional e frieza. Não se aceita que os profissionais sejam fracos ou demonstrem suas emoções. Talvez as meninas quisessem chorar diante da tragédia com as crianças, mas esta porta estava fechada.

Lembro de uma doula me contando de suas primeiras experiências em sala de parto. Depois de um trabalho de parto longo e desafiante a médica indicou uma cesariana de urgência. A criança nasceu com pouca vitalidade e foi direto para a UTI. A doula, angustiada, foi para a sala de conforto médico e começou a rezar. Quando foi avisada que a criança estava se recuperando teve uma compulsiva crise de choro e alívio. Nesse instante a obstetra adentrou a sala e, com seu jaleco coberto de sangue, disse a ela:

– Obstetrícia é assim, minha filha. Se não tiver nervos de aço não pode trabalhar com partos. Pense bem se é isso que você quer fazer.

Deu meia volta e saiu da sala, deixando a doula sozinha em seu pranto.

Portanto, entender os gracejos trocados entre os plantonistas é apenas uma obrigação de quem já usou desse recurso muitas vezes. Não vejo desrespeito nas palavras das meninas, apenas medo e angústia. Nossa leitura de suas ações precisa ser mais humana também, percebendo em suas atitudes o uso de recursos comuns diante de tragédias cotidianas. E, repito, não se trata de justificar tais ações, mas colocá-las no devido lugar: ações de proteção do ego, mecanismos de isolamento afetivo para suportar as perdas e dramas dessa atividade profissional.

Por outro lado, fica evidente que as ações de ambas só se tornaram escandalosas por terem sido publicadas. Se minhas piadas, contadas em família enquanto tomo café da tarde, fossem gravadas e publicadas não haveria tempo suficiente no planeta Terra para cumprir a minha pena. A diferença é o contexto no qual foram ditas, onde as pessoas conhecem minha forma de ser e entendem o sentido último do gracejo. Entretanto, colocadas nas redes sociais as circunstâncias se perdem, o ambiente que as circunda não pode ser visto, o que ocorreu há 5 minutos não será jamais conhecido e sobrarão apenas as palavras e risadas isoladas do contexto que as produziu.

Não é justo julgar duas meninas recém formadas da forma cruel como testemunhei nos últimos dias. Entretanto, a atitude delas servirá para refletirmos sobre nossa compulsão em publicar qualquer tolice que tenha sido dita. Existem coisas que é melhor jamais serem publicadas, e esse caso é um excelente exemplo. E eu posso afirmar isso por experiência própria.

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Piadas

Quando as minhas piadas mais geniais são publicadas nas redes sociais quase ninguém dá bola. As vezes dá vontade de desistir, jogar tudo pra cima e ser um cara normal. Ser um gênio do humor é um fardo pesado, saca? Incompreensão, inveja, desprezo, é só isso que se recebe. Sabem quantas horas levamos em média para elaborar as piadas que tantas pessoas rolam de gargalhar? Muitas delas mais de uma semana!!! E o que recebemos? Meia dúzia de tímidos “likes”. Enquanto isso acontece, pessoas – que não vou nomear porque indireta é estratégia de babaca – postam fotos de bebês e tem 3, 4 ou 5 mil aprovações!!! Seus leitores mandam beijos e fazem elogios!!! Quando publicam fotos de gatinhos então, nem se fala.

Será que ninguém percebe o trabalho que dá para fazer uma piada? Pois é, na maioria delas é preciso que pesquisar!!! Dá trabalho, a gente se estressa, se incomoda. As vezes aparece gente que reclama, diz que a piada é “ofensiva”. Outro dia mesmo tive que deletar uma reclamação de um grupo de jovens católicos que se indignaram porque eu poderia estar “debochando dos seus valores cristãos”. Ora, “vão reclamar para o Bispo”, gritei para eles (em caixa alta) mas depois deletei tudo.

As pessoas valorizam neurocirurgiões, astronautas, engenheiros espaciais e mesmo aqueles superdotados que terminam o “cubo mágico” em 30 segundos, mas qual o valor que dão para uma piada? Lembrem apenas que se não fossem as piadas e os chistes a psicanálise sequer existiria. Freud aprendeu a analisar o inconsciente através da leitura dos gracejos, mas vocês acham que as piadas nasceram de um pé de couve? Foram trazidas ao mundo por cegonhas? Não!!!!

Sempre haverá um piadista anônimo, sofrendo para pagar o aluguel por trás dessa piadinha inocente que você escutou. Há um sujeito que passa fome e sofre, mas que faz você sorrir.

Pense nisso…

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Stand up

Como é “Stand up” no Brasil: o cara pega uma vítima da plateia, pergunta a profissão, o nome e fica debochando do sujeito. Da roupa, da namorada ao lado, do seu ofício, se ele é gordo, se ele é careca, etc. As pessoas submetidas a este tipo de “brincadeira” são constrangidas a rir, sob pena de serem consideradas “mal humoradas”.

É o humor do bullying, do deboche, da humilhação. Para mim isso demonstra falta de texto, de criatividade e de qualidade. Quando eu vejo que o show apela para este tipo de estratégia eu simplesmente desligo ou paro de assistir.

Sofro muito com essas vergonhas alheias. Sim, eu sou mal humorado, mas quando a risada vira obrigação e produz humilhação e dor é porque há muito deixou de ser humor.

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Sobre o humor

É curioso ver o quanto o humor é atacado nos tempos atuais, em especial porque em tempos de identitarismos e de cancelamentos os próprios humoristas tiveram que refrear sua propensão a fazer piadas sobre tudo e todos. A grande queixa é que o humor “pode ferir as pessoas” e os humoristas não deveriam fazer de sua arte uma arma para gerar sofrimento, exclusão, preconceito e divisões.

Parece justo, desde que se entenda a diferença entre piada e “humor bullying”. Existe entre elas uma diferença muito grande que poucas pessoas – até mesmo por oportunismo – se negam a ver. É possível – e eu diria, é necessário – fazer piada com QUALQUER coisa. Sim, inclusive mortes de crianças, câncer, tragédias e até abusos, desde que o texto do gracejo respeite o CONTEXTO. A piada não pode ser o veículo que carrega o preconceito. Ela não pode ser usada para que uma mensagem obtusa, excludente ou claramente ofensiva seja levada adiante sem pagar o preço de uma posição aberta e estampada. “Ah, relaxa, é só uma piada”, frequentemente é usado para esconder uma manifestação de puro racismo, sexismo, lgbtfobia, preconceito de classe, etc. O humor não deveria se prestar para isso, mas para quebrar a arrogância que cada um constrói sobre si mesmo ou o grupo ao qual pertence.

O HUMOR É SAGRADO e eu não acho que existam etnias, gêneros, comportamentos ou orientações sexuais que possam exigir isenção à acidez natural e benéfica de uma piada. Um chiste humaniza a todos nós, mostrando nossas quedas, falhas, desacertos e aspectos ridículos. Nos reinos antigos o Menestrel tinha pleno direito de fazer gracejos com o Rei e sua família, porque assim humanizado o povo se sentia mais próximo dele – e assim podia ser mais facilmente manipulado e roubado.

Portanto, creio ser importante garantir o direito à piada, ao gracejo e ao humor… sobre QUALQUER coisa, sem limites (a não ser os legais, se houver) e sem censura. Como diria um famoso piadista americano quando perguntado se era possível fazer piada com “câncer infantil”, sua resposta foi excelente: “Claro que pode, mas é melhor que seja muito boa”. Ele dizia que tocar em um ponto tão delicado como este para fazer humor é possível, mas é importante que a qualidade da piada e seu contexto sejam tão bons a ponto de romper a barreira que naturalmente usamos para nos defender destes temas.

Aliás, para mim um dos piores tipos de exclusão em um grupo é saber que meus iguais se negam a fazer gracejos a meu respeito apenas porque acham que minha condição – seja ela qual for – me impediria de rir de mim mesmo.

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Humor

Costumo avaliar a inteligência de um sujeito pela capacidade de formular uma piada, e a genialidade de alguém pela habilidade de escrevê-la. Uma piada é feita de tempo, ritmo, fluxo, contexto e circunstância. Uma piada tem a ver com frações de milésimos de segundos na espera precisa entre seus tempos. As piadas e gracejos brincam com os sons, as rimas, os sentidos múltiplos, as confluências e o distanciamento dos conceitos.

Um chiste se estabelece nas entonações de voz, na mudança acertada dos personagens, nas supressões de termos e pela notável simplificação necessária, pois que se relaciona à contenção e ao minimalismo. A piada é uma prece em louvor à nossa grandiosa pequenez, um ode à maravilhosa falibilidade humana. O humor é sagrado e imortal.

Jonathan Harris-Walker, “Laugh or Death – The Biography of Googa, the Clown”, ed. Parnell, pág 13

Jonathan “Googa the Clown” Walker nasceu no Brooklin em 1916 de uma família de palhaços. Judeu de origem ucraniana, seu nome de batismo era Hrihoryi Kredzierski, filho de Aleksei e Martina Kredzierski, trapezistas do “Gran Circus Anatoli”. Atuou no circo em que os pais trabalhavam desde os 5 anos de idade e depois circulou pelos Estados Unidos como comediante, garçom, estafeta, cozinheiro, trapezista, malabarista e principalmente como palhaço. Chegou a participar de dois filmes de Buster Keaton e fez alguns episódios de “Lauren & Hardy” (O gordo e o magro). Suas memórias foram publicadas após sua morte por pneumonia em 1986 quando seu filho Jason descobriu vários cadernos de apontamentos, onde constavam piadas, chistes, truques e pensamentos que foram recolhidos em mais de 60 anos de profissão. Foi enterrado no cemitério de Cypress Hills, no Brooklin.

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Snow flake

 

Uma das minhas manias mais radicais é com a questão da liberdade de expressão; sou fanático por isso. Não aceito de forma alguma cerceamento de consciência. Não vejo erro em defender vacinas, putaria, homeopatia, transexualismo, futebol, parto humanizado, homem, mulher, gays, nazismo, comunismo e neoliberalismo. Tudo, literalmente tudo, e sempre no terreno das idéias.

Infelizmente vemos a censura da geração “overly woke”, ou “snowflake” que nao suporta que determinados grupos ou ideias possam ser submetidos a críticas e – muito pior do que isso – ao humor.

Ontem assisti dois espetáculos de stand up que tratam exatamente dessa questão: Rick Gervais e Brimbilla. Ambos traziam uma temática provocativa sobre temas complexos, passando dos transgêneros aos abusos sexuais. Evidentemente, com graça e humor, mas sem fugir do tema e sem sacralizar grupos e sujeitos.

Sim…. é possível fazer humor com qualquer tema. Morte, estupro, mulher, homem, gay, judeus ou palestinos. A questão é a forma, a circunstância e o contexto. Se a piada visa humilhar um grupo, sendo apenas um veículo desse ataque, somente os preconceituosos serão parceiros nas risadas. Porém, se a piada serve para puxar o tapete de nossas certezas e nossa arrogância – para qualquer sujeito ou grupo – essa piada precisa ser PROTEGIDA dos batalhões snowflake, pois ela está na essência humanizadora do humor, a mesma que percorria o coração dos menestréis quando ridicularizavam a vida palaciana e apontavam a nudez dos soberanos.

Uma vida onde o humor é sufocado pela simples possibilidade de ferir suscetibilidades é uma vida onde os poderes são estanques, a existência imutável e o sorriso criminalizado.

Quem se leva muito a sério e não consegue rir de si mesmo está condenado a jamais entender sua própria existência, sufocado pelo mau humor e por uma falsa idéia de proteção.

Para exercício de alteridade aconselho refletir sobre os perigos de uma postura pusilânime em relação aos grupos minoritários. E claro, assistam “Humanidades” de Rick Gervais.

E sobre o humor, invoco Belchior:

 

“Não me peça que eu lhe faça

Uma canção (piada) como se deve

Suave limpa, muito linda muito leve

Sons e palavras são navalhas

E eu não posso cantar (contar) como convém

Sem querer ferir ninguém”

Salve o humor.
O humor não morrerá jamais.
Chega de caretice.
Abaixo toda forma de racismo.

 

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Não pude evitar

Esse livro é sobre um assassino que estuprava e matava a facadas senhoras idosas em várias cidades da América do Sul. “As véias abertas…” é um libelo em prol da pena de morte e em favor das medicações que controlam os sintomas da menopausa. Henriqueta, a protagonista, sofria de fogachos terríveis e que limitavam suas atividades quando consultou Dr. Mendoza Estibarriga, renomado ginecologista de Santa Cruz de la Sierra.

Todavia, jamais poderia imaginar que ao encontrá-lo encararia a morte de frente, pois ele era nada mais que a outra personalidade do famoso “estripador galante”, que deixava velhas senhoras com ventres abertos enquanto escutava música andina e tocava maracas. Um clássico de terror, suspense e folclore boliviano.

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Comédia

gargalhada

Quem já passou por esta experiência: você assiste uma comédia e quando termina acha que ela é sem graça, as situações são inverossímeis ou clichês, que o filme foi superestimado, que os atores estavam mal nos papéis, que o roteiro desanda do meio para o fim, etc.. Em suma, um filme medíocre.

Aí você encontra uma pessoa que te pergunta “É aí, você assistiu o filme X?“. Você responde que sim, e enumera todas as falhas que acha existirem na película.

Daí a pessoa diz: “Mas cara, eu simijei vendo o filme de tanto que eu siri!!! Lembra da cena que o cara fez aquilo, e a mulher respondeu aquela outra coisa, que os dois se encontraram e o amigo perguntou pra ele se ele sabia e….”

Conforme a pessoa vai contando você começa a rir lembrando do filme e, subitamente, encontra a comicidade que existia nele, mas que estava escondida, longe do seu entendimento. Imediatamente o filme se transforma, se transmuta e você começa a dar gargalhadas lembrando das cenas. A compreensão do humor não veio diretamente do filme, mas da narrativa que alguém faz dele sobre sua experiência prévia.

Pois é…. já passei muito por isso. Quando minha filha Bebel me conta as comédias eu enxergo graça onde nunca tinha visto antes…

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Bom Humor

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Bom humor no CO do hospital.

Sábado à tarde, 40 graus à sombra, Porto Alegre vazia e incandescente. O obstetra entra no CO, cumprimenta a enfermeira, suspira com desânimo e exclama:

– Eu podia estar matando, eu podia estar roubando, eu podia estar sequestrando, mas estou aqui atendendo parto no verão.

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Primeira Emenda

Liberdade e escravidao

Percebo com pesar que no meio onde vivo apenas duas pessoas consideram o “First Amendment” uma peça civilizatória altamente correta e sofisticada: eu e o meu pai. Creio que esta coincidência se dá pelo fato de termos sido queimados em fogueiras vizinhas em um passado não muito distante por dizermos coisas que desagradaram certos poderosos. Apesar do tempo ter confirmado a correção de nossas afirmações a Verdade ainda é uma prova insuficiente para arrefecer as chamas inclementes.

Aqui, na parte de baixo do planeta, defender o direito sagrado que um idiota tem de dizer o que pensa significa o mesmo que associar-se à sua idiotia. Para a maioria das pessoas Charlie Hebdo devia ser calado porque – para elas – esculachar uma religião é errado; para mim não se pode calar a crítica e muito menos cercear a liberdade de expressão, mesmo que o preço seja alto e custoso. Defender Charlie NÃO é o mesmo que defender a islamofobia, mas significa a defesa da livre manifestação crítica, e o respeito ao direito de se expressar, mesmo de forma jocosa, sobre qualquer questão.

Talvez as minhas queimaduras tenham me proporcionado uma visão radical e mais firme sobre a importância fundamental da liberdade como propulsora da cultura, mas a verdade é que ainda não encontrei argumentos suficientemente fortes para me demover da opinião de que nenhum governo ou instância social pode proibir a livre manifestação de pensamentos, por piores que eles possam parecer. Prefiro o pagamento de qualquer preço, mas não posso aceitar que uma sociedade tenha possibilidade de evoluir amarrada por dogmatismos de qualquer natureza.

Mas, por aqui, só me cabe a resignação e o reconhecimento de que minha visão é francamente minoritária. As condenações que vejo às idiotias não tem o tom democrático que eu admiro. Eu acho que não se evolui nas ideias impedindo os outros de se manifestarem. O que devemos fazer é produzir um posicionamento FORTE e INTENSO contra posturas misóginas, racistas ou sexistas, mas não impedir a manifestação do contraditório, seja ele qual for. Não esqueça que o debate sobre o heliocentrismo já levou pessoas que o defendiam à fogueira apenas por pensarem de forma diversa do modelo hegemônico.

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