Crescer precisa Crescer

nene-chorando

Comentário sobre a Matéria da Revista Crescer com o título de “Tudo o que acontece nos primeiros 60 minutos de vida do seu bebê

Meu nome é Ricardo e sou médico obstetra. Infelizmente virou rotina que empresas jornalísticas escrevam matérias sobre parto e nascimento baseadas em mitologias, informações enviesadas e protocolos anacrônicos. A matéria acima não foge à regra, e esta poderia ser categorizada entre as matérias mais desatualizadas e fracas sobre parto e nascimentos dos últimos tempos. Certamente que o(a) profissional que a assina colocará a responsabilidade nos entrevistados, mas isso não o(a) exime de culpa. Não se admite mais TANTA desinformação e tantos equívocos. Seria enfadonho listar todos os erros graves na reportagem, mas atentem apenas para um deles: as episiotomias são procedimentos agressivos e injustificados, comprovadamente INÚTEIS para mães e bebês desde os trabalhos clássicos de 1987 (Thacker & Banta). Já se passaram 27 anos e existem jornalistas que ainda disseminam este tipo de violência obstétrica!

Para haver uma imprensa responsável, ética e correta é preciso que este tipo de informação venha de mais de uma fonte, para evitar que um entrevistado com carência de boas informações e com condutas ultrapassadas e erradas dissemine conceitos que não tem mais espaço na medicina moderna. Os erros sobre o corte do cordão e aspiração de líquido amniótico são constrangedores. Para um leitor desavisado, mas com conhecimento na área da saúde, pareceria estar abrindo uma revista “Seleções do Readers’s Digest” de 1955, tamanha a desatualização de conceitos. Numa época em que se fala incessantemente de Violência Obstétrica, uma matéria como essa serve de exemplo de como o (mau) jornalismo pode ser violento com a inteligência dos seus leitores.

É importante lembrar os 3 pilares que sustentam a humanização do nascimento:

  1. Protagonismo restituído à mulher, para que ela deixe de ser “tutelada” pelo sistema de saúde, e possa ser a condutora de seu próprio destino;
  2. Parto como evento humano, e não como procedimento médico (mesmo que a visão médica seja uma das importantes formas e perspectivas para avaliar o parto e o nascimento) e…
  3. Vinculação visceral com a MBE (Medicina Baseada em Evidências).

Na matéria da Revista Crescer a mulher não aparece como protagonista, mas como um ser passivo sobre a qual um grande número de procedimentos desnecessários e perigosos serão executados, em sua grande maioria sem a autorização expressa por parte da mulher para a sua realização. As descrições dos procedimentos partem de uma visão absolutamente médica, sem levar em consideração os aspectos emocionais da mãe (afastada de seu filho imediatamente depois do parto para ser “secado” – ???, tendo feito uma episiotomia, mas “sem machucar a mãe” – ?????), psicológicos, sociais, culturais, antropológicos, econômicos e espirituais. E, de forma conclusiva e marcante, as “recomendações” não se baseiam em ciência, mas em mitos, procedimentos antigos, exercício de poder e rituais sem a devida comprovação científica de sua validade. Isso precisa acabar, para que possamos atingir em um futuro próximo a condição de “país civilizado” que, pelo menos no que tange à garantia da integridade física de mães e bebês, ainda não alcançamos.

Modernizar a atenção ao parto é uma URGÊNCIA na saúde brasileira.

Ric Jones
Médico Obstetra Humanista

http://revistacrescer.globo.com/Bebes/Rotina/noticia/2014/03/saiba-tudo-o-que-acontece-nos-primeiros-60-minutos-de-vida-do-seu-bebe.html

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Arquivado em Ativismo, Parto, Violência

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