
Surpresos? Pois aceitem, o amor tem dessas coisas. Não vejo nenhuma contradição em uma assassina confessa declarar, de forma explícita e desvelada, seu amor por alguém, em especial sua filha. Em verdade, o amor (e seus desvios) é capaz de produzir o horror, o drama e a tragédia, pois que é tecido pelas finas tramas do desejo. A declaração dela pode ser legítima e sincera – e assim acredito que seja – o que não apaga seus crimes ou suas falhas. O amor, em sendo humano, é cheio de contradições e repleto de paradoxos.
Entretanto, o que de pior podemos fazer a um condenado é desumanizá-lo, e retirar dele a capacidade de amar é negar-lhe a condição mais primitiva que nos constitui. Retirar de uma prisioneira a possibilidade de “amar para além da vida” significa tirar dela a esperança, o fio tênue que pode fazê-la suportar a vida que lhe restou.
O curioso é ver uma declaração de amor banal como esta ser tratada com espanto, como se a nossa própria estrutura psíquica mais profunda não contivesse as dualidades conflituosas de amor e ódio, horror e transcendência.
Minha única crítica é que parece fácil “perdoar” a Eliza humanizando-a, colocando-se no seu lugar, olhando o mundo pelos seus olhos, caminhando pelas trilhas da vida calçando seu sapatos.
Muito justo. Entretanto, por que só Eluize e não Nardoni, Bruno ou mesmo o marido de Maria da Penha? Por que só alguns podem ser humanizados enquanto os outros são condenados à monstruosidade eterna?
Identificação é a chave.
Pois, “tudo quanto seja humano não me será estranho”, como diria o poeta e dramaturgo romano Publius Tererentius Afer. Consigo me identificar com os monstros tanto quanto com os anjos pois sei que ambos habitam em mim, e também em cada um de nós.