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Crimes cibernéticos

Navegando pela internet, mais especificamente pelo Facebook, encontrei o anúncio de uma mala de viagens que imediatamente me chamou a atenção. Sempre me interessei por malas porque durante a minha vida adulta passei anos a fio viajando para apresentar meu trabalho em lugares muito distantes no mapa. Muitas vezes imaginei como seria uma mala “perfeita” para o tipo de viagem que eu fazia: um fim de semana para viajar na sexta, dar aulas no sábado e domingo, e estar de volta na segunda feira pela manhã. Esta que vi me chamou a atenção (vide abaixo). Era pequena o suficiente para ser levada para a cabine, forte, multifuncional, bela, prática, resistente e totalmente adaptada às necessidades modernas, como espaço para celular, gaveta para notebook, bateria recarregável embutida, etc. Um show de produto, mas por certo que deveria sair muito cara.

Fui olhar o preço: 12 prestações de R$ 24,35, no total um pouco mais 280 reais. Pior ainda: este era o preço de duas malas, duas pelo preço de uma!! Claro, um preço absurdo e irreal, o que apenas me fez sorrir por imediatamente reconhecer um truque conhecido do Facebook. Um “bait“, uma isca para quem se acha muito esperto e quer comprar algo barato demais para ser verdade. Uma mala como aquela custaria bem mais de 300 dólares. Mais um produto com o rótulo “O golpe está aí, cai quem quer”.

De qualquer forma continuei na página de vendas para analisar melhor a qualidade do produto. Por certo que o anúncio era falso e fantasioso, mas o produto realmente existe. Quando procuramos em sites de venda sérios encontramos o valor real que ele custa. Entrei no site de vendas falso e fiquei olhando os detalhes da mala até que encontrei um lugar onde se lia: “quem usou aprovou”. Ali encontrei o depoimento curto de alguns consumidores do produto. O primeiro era um jovem bonito de 20 e poucos anos chamado André Luiz. Seu comentário simples dizia “Excelente material, uma das melhores que já tive”, nada inusitado para uma publicação de pós venda como se faz no Mercado Livre ou Ali Express. Como eu já sabia que se tratava do comércio falso e criminoso daquele produto usando uma “isca” (um preço irreal), e movido por meu indefectível espírito curioso, resolvi fazer uma busca reversa com a foto do rapaz na Internet, apenas para saber se este era seu verdadeiro nome.

Para minha surpresa (nem tanto) ele não se chama André e sim Vinícius Augusto de Souza, um engenheiro agrônomo que foi assassinado por uma dupla de criminosos há alguns anos (em 2019) numa cidade do interior do Mato Grosso. Aparentemente se tratou de uma execução, pois os dois criminosos encontraram o rapaz na lanchonete e imediatamente saíram atirando.

Na mesma página de comentários aparece outro jovem dando um belo depoimento. Diz ele: “Material top, custo benefício maravilhoso, só agradecer!!”. No site ele se chama Gabriel Barbosa. Realizei em sua fotografia a mesma pesquisa reversa de imagem e novamente encontrei um detalhe macabro. Em verdade ele se chamava Murilo Henrique dos Santos, tinha 25 anos, morava em Jaú e morreu em 2020 ao cair de uma cachoeira e bater a cabeça contra uma pedra, tendo sido retirado sem vida do local pelo corpo de bombeiros da cidade.

A terceira pessoa a dar depoimentos usa óculos escuros, um boné com uma estrela vermelha e recebeu o nome de Andressa Martins, mas não foi possível encontrar sua imagem na internet, por isso não descobri seu verdadeiro nome. Ou seja, não contentes em roubar pela internet, fraudar consumidores, realizar crime cibernético ludibriando a boa fé das pessoas – que desejam comprar um produto verdadeiro e existente – eles colocam imagens de pessoas mortas como testemunho da qualidade dos produtos à venda.

Não é apenas uma desonestidade; além de ser crime é um brutal desrespeito com a família dessas pessoas, que podem encontrar o rosto de seus entes queridos participando de golpes pela internet. Desta forma, comprar um produto anunciado pelo Facebook se torna uma profunda estupidez, mas também nos faz desacreditar um pouco mais no gênero humano.

Veja abaixo o endereço criminoso:

https://fb.watch/fqsUTn2LV5/

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O Amor

Elize foi condenada pela assassinato de Marcos Matsunaga, que foi morto e esquartejado por ela em 2012, num crime que escandalizou o país.

Surpresos? Pois aceitem, o amor tem dessas coisas. Não vejo nenhuma contradição em uma assassina confessa declarar, de forma explícita e desvelada, seu amor por alguém, em especial sua filha. Em verdade, o amor (e seus desvios) é capaz de produzir o horror, o drama e a tragédia, pois que é tecido pelas finas tramas do desejo. A declaração dela pode ser legítima e sincera – e assim acredito que seja – o que não apaga seus crimes ou suas falhas. O amor, em sendo humano, é cheio de contradições e repleto de paradoxos.

Entretanto, o que de pior podemos fazer a um condenado é desumanizá-lo, e retirar dele a capacidade de amar é negar-lhe a condição mais primitiva que nos constitui. Retirar de uma prisioneira a possibilidade de “amar para além da vida” significa tirar dela a esperança, o fio tênue que pode fazê-la suportar a vida que lhe restou.

O curioso é ver uma declaração de amor banal como esta ser tratada com espanto, como se a nossa própria estrutura psíquica mais profunda não contivesse as dualidades conflituosas de amor e ódio, horror e transcendência.

Minha única crítica é que parece fácil “perdoar” a Eliza humanizando-a, colocando-se no seu lugar, olhando o mundo pelos seus olhos, caminhando pelas trilhas da vida calçando seu sapatos.

Muito justo. Entretanto, por que só Eluize e não Nardoni, Bruno ou mesmo o marido de Maria da Penha? Por que só alguns podem ser humanizados enquanto os outros são condenados à monstruosidade eterna?

Identificação é a chave.

Pois, “tudo quanto seja humano não me será estranho”, como diria o poeta e dramaturgo romano Publius Tererentius Afer. Consigo me identificar com os monstros tanto quanto com os anjos pois sei que ambos habitam em mim, e também em cada um de nós.

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Ungida

Há um filme que idealiza a deputada gospel Flordeliz onde ela é descrita como um “ser de luz”, benfeitora e mãe amorosa de tantas crianças. Porém, hoje sabemos que ela e sua família estão muito longe disso. Então cabe a pergunta: se é possível transformar histórias criminosas em narrativas de superação e virtude que ocorreram somente há duas décadas, então imagine o quanto se distorce a realidade do que aconteceu há 2 mil anos, criando sobre fatos locais fantasias grandiloquentes que dizem muito menos sobre espiritualidade e muito mais sobre os interesses políticos, econômicos e de poder.

A blindagem de figuras históricas pelo manto da “espiritualidade superior” nada traz de construtivo para a sociedade, e para todas elas eu recomendo a iconoclastia.

A pastora recentemente envolvida em crimes diversos pode representar os evangélicos, não o Cristo. Deixem ele fora disso. O erro nessas tragédias é imaginar que uma crença, seja ela qual for, determina a moralidade do sujeito que a segue. Não é o que se observa. O crente não tem nenhuma vantagem ou privilégio na fila do céu.

Ser cristão, muçulmano, espírita ou ateu são, acima de tudo, identidades, usadas para criar laços, narrativas confluentes. A religião é como um idioma para que possamos falar das perguntas que a ciência jamais terá respostas, como o sentido da vida e a razão do universo. Entretanto, são na prática expressões dos códigos morais que apontam para os valores mais profundos da sociedade.

As religiões abrahâmicas (cristianismo, islamismo e judaísmo), por exemplo, são estruturas criadas para dar sustentação ao patriarcado nascente, fortalecendo a coesão social das sociedades agriculturais partir da rigidez da estrutura falocrática. E funcionaram muito bem para isso.

O cristianismo se insere nesse modelo, como religião surgida da releitura reformista do judaísmo. Não existe nada no cristão, do ponto de vista moral, que o diferencie de qualquer outro sujeito no planeta, inclusive aqueles que negam qualquer afiliação religiosa.

Mas, a única diferença é o olhar que a sociedade lança aos “pecadores”. A pergunta que hoje se faz àqueles que (com justiça) dizem que a conduta de Flordeliz nada tem a ver com seu cristianismo é: e se ela fosse do candomblé, poderíamos dizer o mesmo? E se fosse muçulmana, estaríamos limpando a barra do profeta Maomé? Se ela fosse budista nossas palavras seriam direcionadas à proteção de Buda e seus ensinamentos?

Ou estaríamos condenando ela assim como as suas crenças e sua religião como obras demoníacas, criadas para desvirtuar e destruir?

Pois é…

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A morte repetida

 

A morte de um assaltante foi exibida em horário nobre repetidas vezes para exaltar o trabalho de quem o executou: a policial candidata a deputada que o baleou na frente da escola onde ele se preparava para cometer um crime. Consta que a policial foi eleita, e a mãe do rapaz a está processando por uso da imagem mórbida e renitente do filho agonizando no asfalto quente.

As “pessoas de bem” tem uma profunda dificuldade de entender que existem DOIS crimes cometidos neste caso, e insistem em olhar para apenas um. O primeiro crime foi uma tentativa de assalto em que o rapaz acabou morto. Não há sequer o que fazer; ele foi julgado e punido no mesmo instante. Não sou expert em segurança para dizer se foi correto abrir fogo no meio da multidão, mas… que seja. Pronto, o crime foi evitado e o rapaz que estava para cometer um ato criminoso foi punido.

O OUTRO CRIME é a exposição do rapaz para fins de propaganda, o crime de usar a morte de alguém para se vangloriar, impedindo que sua família possa viver seu luto em paz. A negativa desse direito – de não ser punido duas vezes pelo mesmo crime, tanto em vida quanto após a morte – faz sentido numa sociedade que não considera negros e pobres como gente. Eles não são como nós, “gente de bem”; eles são a escória, o lixo, os inferiores. Por isso podemos mostrar indefinidamente seus corpos baleados no asfalto, agonizando indefinidamente para o nosso gozo de classe média branca.

Esse é o crime que nos negamos a ver. Afinal, que mal há em expor um negro pobre morrendo todos os dias para a nossa diversão? Por isso qualquer ideia de criticar essa desumanidade e esse abuso é tratado como “defesa do crime”.

Leva pra casa… bandido bom é…

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