Eu acho o sentimento do ator gay cujo pai votou em Bolsonaro legítimo. É decepcionante ver alguém que admiramos e amamos votar em um sujeito que a gente despreza por sua conduta, suas ideias, sua postura, seus valores e sua história. Entretanto, acho que essa decepção é fruto de uma idealização exagerada.
Meu pai não votava há muitos anos, mas me disse que jamais votaria em Bolsonaro. Sofreu na ditadura de Vargas e tinha horror aos governos militares. Entretanto, era um conservador, um liberal tipo tucano, e jamais aceitou o comunismo. Ele era um produto perfeito do pós guerra, da Guerra Fria, dos mitos e mentiras sobre a União Soviética. Por essa estrutura psíquica, jamais me perdoou quando saí do armário e me declarei para a família…
– Pai, vou contar pra família algo que vocês já devem saber, mas eu preciso dizer. Prefiro que escutem de mim do que ouvindo fofoca de vizinhos: eu, eu, eu… sou comunista.
Ele respeitou minha decisão, mas nunca aceitou. Sempre se irritava quando falava de “luta de classes”. Dizia algo como “Para que lutar se podem se entender?”. Pior ainda se eu falava da “ditadura do proletariado” ou do “controle dos meios de produção”, “Lá vem você defender ditaduras!”. Acreditava nos mitos ao estilo “divide todo teu dinheiro com os pobres, então”, “ahh, socialistas de carro novo” e todas as fantasias criadas sobre o comunismo. Ele era um homem do seu tempo e seu estranhamento com o comunismo é semelhante ao estranhamento que um homem de 90 anos teria com a súbita popularidade da homossexualidade.
Digo isso porque eu acho que é possível ter um filho gay e mesmo assim votar num sujeito da extrema direita e que tem desprezo por homossexuais – apesar de obviamente não concordar com isso. Creio que o voto do pai do ator não foi relacionado à pauta moral, mas a um rechaço ao PT, à “corrupção” (fabricada diuturnamente pela Globo), à lava jato e à crença de que Bolsonaro poderia livrar o Brasil da “ameaça comunista”. O pai desse rapaz provavelmente tem esse tipo de visão de mundo – com a qual não concordo e até combato – mas isso não o torna necessariamente um homofóbico. Ele votou nessas pautas APESAR de Bolsonaro não respeitar os gays e a diversidade o quanto deveria.
Meu pai votaria em sujeitos como Aécio ou Alckmin, mas pelas suas crenças no liberalismo econômico e suas propostas por um capitalismo “domesticado”. Entretanto, a vinculação desses personagens com a Opus Dei ou o uso de drogas não teria nenhuma influência em sua escolha; ele votaria neles apesar dessas falhas pessoais.