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Evidências

Não se trata de uma questão de evidências científicas, observação e mensuração de resultados e análises racionais sobre o parto. A mudança não se dá lá em cima, na cabeça, mas uns 30 cm mais para baixo.

Tenham em mente que evidências e ciência não abrem a cabeça das pessoas!!! Esse mito caiu de forma retumbante nos últimos tempos, onde o terraplanismo e o bolsonarismo são exemplos suficientes. O que muda nossa percepção do mundo são os sentidos, as emoções, os sentimentos. Por isso é que hoje se dá tanta importância à sensibilizar, pois só depois de estar aberto às informações é que a ciência e as evidências farão sentido para o sujeito. A evidência funciona para quem desenvolve por ela a necessária transferência.

Não importam quantas provas da eficiência de partos domiciliares, Casa de Parto ou da assistência ao parto por enfermeiras e obstetrizes forem oferecidas aos profissionais médicos; sem que estejam sensibilizados para absorver estas informações elas jamais encontrarão terreno fértil. As provas e os estudos são ferramentas insuficientes para mudar atitudes.

Funciona como uma intervenção em análise; o analista até pode falar, mas só quando o analisando está pronto para dizer por si mesmo a sua verdade. Da mesma forma, a verdade científica só fará sentido quando já estivermos preparados para recebê-la. .

É como convencer alguém de algo que seu coração não aceita. Quantas mulheres e homens já nos contaram histórias assim: “Muita gente me falava que ele(a) não tinha caráter, mas eu não conseguia enxergar. Estava cego(a).” Como explicar o fato de que tantas provas foram inúteis? Ora… a razão obliterada pelas emoções produz este fechamento dos sentidos.

A tecnocracia impede os profissionais do parto de enxergar as múltiplas dimensões deste evento. Para além disso, os profissionais têm um medo profundo de perder o respeito e a consideração de seus pares. Aqueles que se permitiram enxergar o parto humano em todas as suas perspectivas descobrem também o preço imenso que este saber lhes custa. Por isso mesmo, muitos fogem das evidências exatamente para escapar da angústia que tal conhecimento inevitavelmente lhes causará.

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Arquivado em Ativismo, Parto

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Quando eu conto que fiz quase 30 anos de análise as pessoas geralmente se espantam e me perguntam, com genuína estupefação: “Mas afinal, o que foi que você descobriu?”

Eu acho que essa curiosidade é legítima, mas sempre fico com dificuldade em dar uma resposta objetiva, baseada em fatos claros para este questionamento. Parece que todo mundo aguarda uma réplica ao estilo: “Descobri que sempre odiei meu pai e amei a minha mãe” (ou vice versa), “durante a gestação minha mãe me rejeitou”, “sempre quiseram um(a) menino(a)” ou então aquela tradicional “nunca me recuperei do fato da minha mãe ter me esquecido no portão da escola”.

Tenho uma regra básica para os eventos marcantes da nossa vida: se eles podem ser resgatados com essa facilidade, emergindo ao consciente como uma bola que largamos no fundo da piscina, então é porque se trata de uma “falsa explicação”, provavelmente algo que usamos no lugar do conflito verdadeiro. Mesmo que eu acredite na dor que cerca tais eventos, eles apenas existem como intensificadores de sofrimentos mais antigos, recônditos e não-sabidos. Estes, por serem violentos e estruturadores de nossa neurose, estão, via de regra, escondidos nos porões úmidos e frios do nosso inconsciente.

Imaginar que uma análise se presta a descobrir estes fatos catastróficos é desmerecer a importância dos pequenos eventos na formação do sujeito. Lembro de uma conversa como uma amiga psicanalista a respeito de um quadro psíquico muito pesado, e a pergunta que lhe fiz: “Que evento escondido em seu passado pode ter ocasionado tamanha repercussão?”, ao que ela respondeu: “as vezes um olhar, uma palavra, ou a falta de ambos”.

A psicanálise atua na sutileza, na delicadeza, nas filigranas do discurso. Sua busca é pela imbricação de afetos, o conflito dos amores, a disputa de desejos e o desatar destes nós que carregamos. Não aguarde de uma sessão o espetáculo ilusório dos “insights” maravilhosos, uma sucessão de epifanias, um “ah-rá!!” a nos confirmar antigas suspeitas ou para abrir “as portas da esperança”. Não, uma análise é algo que se faz até mesmo depois de terminada a sessão, quando nossas próprias palavras fazem eco em nossa mente, ao voltarmos para casa enquanto nossas lembranças dominam a paisagem. A boa análise é paciente e silenciosa, muda a nossa percepção oferecendo um conceito muito mais humilde de nós mesmos. Assim, quando a pergunta “o que você descobriu” me atinge os ouvidos, minha resposta invariavelmente é: “milhares de coisas, mas nenhuma que eu me lembre no momento“.

PS: quando fiz minha primeira sessão de análise eu disse: “Pensava em fazer esta consulta a mais tempo, e tentei lhe ligar faz alguns meses, mas descobri que “telefone de analista não há na lista.” É inacreditável que uma análise tenha se estabelecido depois de um trocadalho miserável desses…

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