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Bobo da Corte

O filme da Barbie é o perfeito exemplo da concessão burguesa à crítica sobre seus postulados. Na verdade, nada de muito novo, já que esta estratégia pode ser reconhecida em uma figura que se destaca nos relatos da idade média. É a figura do Bobo da Corte.

Esse sujeito, um palhaço, tinha a especial concessão de debochar do Rei e de outros membros da Corte. Podia fazer piadas sobre sua volumosa pança, suas amantes, sua sujeira, seus modos à mesa. Podia falar de sua inabilidade esportiva e até de sua potência sexual – tudo isso como recheio para suas piadas e chistes. Essa prática era usada para humanizar a figura do monarca, trazê-lo para perto do povo e mostrar o quanto era permeável às críticas e reclamações. Entretanto, havia um limite tácito às bobagens.

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Seus gracejos jamais poderiam mostrar ao povo a injustiça de uma sociedade separada entre nobres e plebeus e em hipótese alguma questionar a Realeza e seus direitos divinos. Critique-se o Rei, mas jamais questione sua condição de Rei e a estrutura de classes que determina o ordenamento social. Por isso não deveria causar espanto algum que o Rei pagasse muito bem para alguém falar mal dele, e nem que hoje a Mattel faça um filme que questione a própria Barbie, ao mesmo tempo em que lucra milhões com isso.

É por essa singela razão que os americanos podem fazer tantos filmes críticos à guerra e ao mesmo tempo viver em guerra incessante contra nações autônomas e independentes. O mesmo modelo usado desde muitos séculos, não? Eles bem sabem que as críticas servem para oferecer aos sujeitos (nós) a ideia de que algo está sendo feito e que o poder instituído escuta nossos apelos, quando em verdade tudo o que fazem visa manter este poder intocado. Ou seja: questione-se a estupidez da guerra, mas o limite da crítica é o imperialismo e a consciência dos povos periféricos. Por isso Hollywood pode fazer filmes que esculhambam a própria indústria cinematográfica, desde que não atinjam sua pervasividade no mundo e sua forte propaganda burguesa.

O mesmo ocorre com a democracia liberal: podemos questionar, brigar, acusar, protestar livremente. Ninguém vai reclamar das críticas, mas esse modelo vale apenas quando os conservadores e liberais vencem, e até quando a vitória é da “esquerda moderna”, como Boric, que jamais vai atacar as estruturas da sociedade de classes. Entretanto, se os setores excluídos são minimamente representados e a mais suave ameaça ocorre ao sistema excludente e concentrador do rentismo, imediatamente soa o “alarme de ameaça comunista”, e não há problema algum em apelar para um iletrado e ignorante como Bolsonaro para “salvar a liberdade”. E se isso falhar, não haverá escrúpulo algum em chamar os militares para que venham “assegurar os valores democráticos” – através de uma ditadura.

Barbie apresenta essa miragem de renovação e empoderamento, reforçando as bases estruturantes do capitalismo – onde tudo vira mercadoria – enquanto oferece aos revolucionários da poltrona a miragem de que algo real está sendo feito para mudar o mundo. Essa sociedade capitalista precisa de pessoas que se contentam com os Bobos da Corte e suas piadas ácidas… e inúteis.

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Barbie

A minha tese é que o capitalismo se mantém exatamente por seduzir milhões a serem voluntariamente controlados por ele. Ou seja, uma servidão inteligente e civilizada, que dispensa os grilhões. O frisson atual pela Barbie usa a estratégia de questionar os valores da Barbie para, ao fim, valorizá-la, torná-la ainda mais rentável, vender ainda mais e, quiçá, até transformá-la em um ícone feminista. É possível até imaginar que a gente veja em um futuro próximo mais garotas ostentando camisetas da “Barbie Empoderada” do que usando as manjadas Madonna e Frida Kahlo.

E para quem acha que as mulheres sofrem porque estão sempre tentando se adaptar às exigências do patriarcado, pensem na pessoa que elogia Pablo Vittar e assiste o filme da Barbie só para não correr o risco de ser chamado de transfóbico e machista. É duro manter as aparências, viu gente?

Aliás, a sacada mais genial do marketing do filme foi criar o factoide de que “os evangélicos estavam se mobilizando para boicotar o filme”. Ou seja, tentaram transformar o filme sobre uma boneca anatomicamente bizarra em uma arma cultural. Mas sabe o que é pior que o mi-mi-mi de gente chata que não aceita o conteúdo e fica reclamando do filme da Barbie? Resposta: Gente que não suporta que se critique o filme da Barbie e dá xilique público.

“Se não gosta, não veja o filme. Se não suporta a crítica, não leia”. Ou, alternativamente, veja o filme e leia as críticas. Seja… forte.

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Belezas

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                                                                                                                                                                             Cada dia se torna mais necessário fugir dos padrões obtusos e coisificantes que massacram a vida das mulheres, impondo regras de cintura e busto com a mesma crueldade com que há bem pouco tempo – já no século XIX – a cultura esmagava e deformava os pés das pobres chinesinhas com seus sapatinhos de madeira. Talvez uma das formas mais dramáticas e criativas de se contrapor às imposições estéticas seja escolher enxergar a beleza nessas mulheres, simples, comuns e imperfeitas, mesmo quando os padrões atuais apontam para outro lado. Em plena vigência da maior liberdade jamais conquistada pelas mulheres, elas continuam seguindo padrões impostos pela cultura sobre seus corpos. Não fosse assim não teríamos bulimia e anorexia, que levam à morte meninas em todo o mundo aos borbotões, criando para a própria medicina um problema de saúde pública.

Na sociedade ocidental, a Barbie é um padrão doentio e inverossímil, mas que ainda acalenta o sonho de muitas adolescentes. O sofrimento delas com os seios perfeitos, a bunda empinada, o nariz de Deneuve, o queixo delicado e até (pasmem!) os lábios vaginais é preocupante, porque estas jovens mulheres MORREM quando esses objetivos tão absurdos não são alcançados. Mesmo com tanta autonomia alcançada, mulheres ainda são prisioneiras de um corpo que se vende ao olhar do outro, a ponto de mutilarem-se em busca de uma aprovação. E essa escravidão aos padrões de beleza é tão perniciosa quanto mais inconsciente e imperceptível, obedecendo uma ideologia que “está lá mesmo que não tenhamos conhecimento dela”.

Onde mora a beleza, afinal? Ela mora nas dobras da retina, no brilho vítreo de uma mirada, nas espaços de tempo que separam um piscar de olhos, e na chama que aviva a imagem que lhe chega. A beleza habita no olhar de quem vê com o coração. As imperfeições são o que as mulheres tem de mais perfeito. Lindas, todas, pois qualquer mulher se torna bela diante dos olhos de quem a ama.

(O texto acima foi inspirado na mostra fotográfica “Um nu honesto; mulheres lindas com suas imperfeições” do Instituto Maria Preta, e pode ser acessado em aqui

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