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E se?

Durante anos eu li artigos e vi documentários que abordavam a hipotese ficcional de um mundo no qual o nazismo havia vencido a segunda guerra mundial. Por certo que junto com a vitória militar das forças nazistas haveria o controle da produção e da comunicação. Os países europeus estariam em frangalhos, com governos fantoches comandados por Berlim, e seus governos estariam enfraquecidos pelo gigantismo da Alemanha. Comunistas seriam inimigos mortais, caçados em toda a Europa e os Estados Unidos teriam o status de país do novo mundo, um bom fabricante de geladeiras. Todavia, não tenho dúvida alguma que o controle da imprensa, e o fato de que a história é sempre contada pelos vitoriosos, contaria a vitória da Alemanha como a coquista do “bem contra o mal” e a destruição de judeus, ciganos e comunistas seria tão somente a limpeza necessária de terroristas e bandidos comuns que ameaçavam a democracia nazista.

Quando vejo mundo de hoje e percebo o que os Estados Unidos fazem do mundo, me vem à cabeça a pergunta: estamos muito diferentes do que seria o mundo se Adolf tivesse vencido? Não seriam os ataques aos países do Oriente Médio, patrocinados pelo imperialismo, o mesmo sentido da dominação sangrenta e racista do III Reich? Não seriam os palestinos de hoje os judeus de outrora? Não seriam a Síria, o Iraque, o Afeganistão os países tomados pelas “blitzkrieg” de Hitler? Não seria a propaganda de hoje, pelos veículos sionistas que controlam a informação, uma forma de pintar de ruim o que é nobre e de bom o que é perverso? Da mesma forma como descrevíamos o “judeu maligno” de outrora fazemos hoje, pelo massacre da mídia, a imagem falsa do povo palestino como terrorista. Estamos muito distantes da ficção sombria da vitória dos nazistas?

O imperialismo, com sua dominação de espectro total, não difere muito de um totalitarismo planetário. Um mundo de equilíbrio não pode conviver com essa barbárie. A tarefa primeira do revolucionário é combater o imperialismo e seus tentáculos.

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Arquivado em Palestina, Política

O Bem e o Mal

Em toda a minha infância o tema da segunda guerra mundial foi onipresente. Na verdade, entre o começo da guerra na Europa (com a “blitzkrieg” de Adolf Hitler na Polônia) e o meu nascimento existe um espaço tão pequeno quanto o dia de hoje e a criação do Facebook. Havia um claro sentimento de que a guerra era um assunto recente, ainda presente no cotidiano de cada um de nós. Sim, eu sou um “boomer” e minha vida de criança foi marcada pela grande guerra. O meu vizinho do apartamento de baixo se chamava “seu Scherer”, um descendente de alemães que havia lutado na Força Expedicionária Brasileira e que sentava em uma cadeira na calçada sem camisa e adorava explicar aos vizinhos como adquiriu nos campos da Itália a vistosa cicatriz que ostentava na barriga. Havia conversas, histórias, rádio novelas, gibis, livros e na nascente teledifusão surgiram os grande filmes épicos sobre o conflito na Europa, África e Ásia

Naquela época surgiram inúmeras produções de Hollywood exaltando o heroísmo dos soldados americanos. A ideia hegemônica era de que, graças à moral americana, aos seus bons princípios, à sua bondade e à sua incomparável coragem, o mundo havia sido salvo dos nazistas. Hoje sabemos da falsidade dessa perspectiva: a vitória das forças soviéticas iniciada na batalha de Stalingrado garantiu a derrota dos nazistas da Europa, mas ao custo de 7.5 milhões de soldados mortos na guerra, e milhões de judeus russos mortos pelas forças do Führer. Os americanos perderam por volta de 500 mil soldados. De qualquer forma, a máquina de propaganda americana, em especial pelo cinema e pela TV que surgia no Brasil, colocaram os americanos como os “donos” da vitória, os grandes protagonistas, os heróis da liberdade contra a ameaça nazista. Na minha infância havia um programa de TV chamado “Combate“, estrelado por Vic Morrow, mostrando a realidade da guerra na perspectiva de um grupamento de soldados americanos em solo alemão, mas eu não podia assistir porque era muito “violento”. Ao lado disso havia “Guerra, Sombra e Água Fresca“, com Bob Crane, uma comédia que tratava os americanos como líderes de um grupo diversificado de prisioneiros de guerra (que agiam como espiões), e tratava os alemães como tolos e estúpidos. Esse era muito engraçado e eu podia ver, mas é interessante ver como se estabeleciam os clichês dos soldados europeus. Hoje, a Europa se comporta como aqueles soldados, obedecendo as ordem do líder americano. Também é curioso ver como ambos protagonistas dessas séries morreram de forma súbita e violenta.

Só muito mais tarde eu tive a oportunidade de ler sobre a história que precedeu a segunda guerra mundial e os contextos geopolíticos nos quais ela ocorreu. Durante anos essa guerra era ensinada para as pessoas comuns como uma luta do bem contra o mal, ou seja, um embate moral. Essa perspectiva simplificava o debate: como você poderia escutar a outra parte, se eles representam o “mal”, e nós somos o “bem”? Quando fui ler sobre a paixão de Hitler pelo sistema “Jim Crow” dos Estados Unidos, e o quanto ele desejava que a Alemanha adotasse esse mesmo tipo de segregação, as coisas ficaram um pouco mais complicadas de entender. Afinal, quem eram os racistas nessa guerra? Quando li as ações de Winston Churchill na Índia – em especial sua conduta na Grande Fome de Bengala – e suas manifestações explícitas do mais asqueroso racismo, ficou difícil estabelecer uma barreira moral entre os alemães e seus inimigos na guerra. Afinal, era mesmo uma luta entre a luz e a sombra? Ou havia um choque meramente econômico e geopolítico entre as nações imperialistas sendo as questões de ordem moral usadas somente para ludibriar as massas, criando uma falsa imagem do “bem contra o mal”?

Hoje nós testemunhamos o apoio irrestrito dos Estados Unidos – nosso antigo paradigma de honra e coragem – ao genocídio palestino em Gaza. Mais do que apenas apoiadores do holocausto que lá ocorre – com mais de 186 mil mortes até agora, 10% da população – eles oferecem aos sionistas todo o suporte de armas, de logística e de armamentos, sem falar do respaldo político aos governantes do país, a mesma nação que deseja “apagar do mapa” a população palestina, tratada por Yoav Galant, ministro da defesa de Israel, como “animais humanos”. Em verdade, os grandes apoiadores europeus de Israel nessa guerra são França, Alemanha, Itália e Reino Unidos, países que abdicaram de sua autonomia e funcionam como satélites do poder imperialista americano. Mais do que nunca, as análises morais caem por terra. O mesmo país “democrático” que atacava o “Mal”, materializado no nazismo, agora apoia o primeiro genocídio televisionado do planeta, garantindo a continuação da guerra e dando ajuda à parte agressora. Ou seja, os nazistas de hoje estão do lado do Imperialismo. Talvez o grande erro do Führer tenha sido não seduzir os americanos nos anos 30 do século passado para lutarem do seu lado. Tivessem feito isso e talvez hoje estivéssemos falando alemão.

Isso nos mostra que a chaga do nazismo, com sua brutalidade racista, excludente e supremacista nunca foi exterminada e se mantém em outras latitudes, outros interesses e falando outros idiomas. Na liderança está o sionismo, implantado em um país caracteristicamente supremacista, uma colônia europeia em solo secularmente árabe, levando a cabo uma etnocracia (assim chamado por autoridades como Alexander Kedar, Shlomo Sand, Oren Yiftachel, Asaad Ghanem, Haim Yakobi, Nur Masalha e Hannah Naveh) assassina e terrorista, aplicando um apartheid brutal e desumano, separando as pessoas por muros obscenos mas que recebe do Império as bênçãos e o auxílio necessário para manter uma guerra perdida. Sim, a resistência não poderá ser vencida pois todos sabemos que os seus combatentes se multiplicam a cada massacre e assim se torna indestrutível e o sonho de uma Palestina livre para os palestinos de todas as crenças é imortal.

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Avós

Eu não tive meu avô materno por perto, que faleceu quando eu não tinha mais que 3 anos de idade. Meus avós paternos moravam no interior, e só vieram para a capital quando eu era um menino crescido. Minha vó Irma, a “vó mágica”, foi nossa grande imagem de avó. Foi na sua casa, no bairro Moinhos de Vento, que ficamos quando meu pai viajou para o exterior para um período de estudos.

Vó Irma foi minha referência. Ela me protegia da fúria dos meus pais por causa das traquinagens. Ela guardava na cozinha as infusões em álcool, as ervas, rotuladas com sua letra desenhada. Ela fazia o primeiro atendimento nos acidentes domésticos, e falava palavras mágicas em alemão, em especial os palavrões.

Heile, heile
Katzendrek

Morgen fruh
Ist alles weg!!

Cura, cura
Cocô de gato
Que amanhã
Está tudo bem!!

Ela tinha as violetas de genciana para passar na garganta, as mandingas das alemoas para curar feridas. Ela sabia como desatar os nós cegos nas cordas e sabia todos os segredos da cozinha. Milhões deles, como colocar uma pitada – e jamais duas!! – de um pó branco na comida, para deixá-la deliciosa. Ela me pedia para calçar os “boots” ou amarrar os “guides”, ou para botar as alpargatas para ir ao pátio brincar com meus irmãos. Me obrigava a colocar “brincoringa” nos dias de frio e me proibia de colecionar maços velhos de cigarro. Era ela quem nos escondia no quarto para minha tia matar uma galinha para o almoço.

Minha avó me ensinou a admirar as orquídeas, as plantas, as ervas, os chás e me mostrou a importância de cuidar. Ela e minha mãe pareciam uma unidade Panzer de cuidados maternos, que agiam em ”blitzkrieg” para dar conta das nossas brigas de irmãos. Tudo que sou hoje tem, de uma forma ou de outra, uma referência nestes anos em que minha avó era o centro que irradiava conhecimento e afeto.

Hoje tenho o supremo privilégio de ter sobrevivido o suficiente para ter meus netos ao redor e penso que nada mais faço do que restituir uma parcela do que recebi de cuidado e carinho dos meus avós. Felicidades a todos os que foram abençoados por um avô ou avó em suas vidas.

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