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Missão

Conheci um médico dedicado há alguns anos que me contou que resolveu estudar medicina pelo estímulo indireto de sua professora de biologia do segundo grau. A descrição apaixonada e encantadora do surgimento e da estruturação da vida no planeta que ela trazia às suas aulas o aproximaram das ciências biológicas. Sua paixão pela fisiologia humana, pela etologia (o estudo do comportamento animal) e pela botânica enchia de entusiasmo os estudantes. Esta anônima professora de biologia foi – sem o saber – responsável pela carreira de um médico, e as vidas por ele modificadas carregam um pouco de sua paixão. Através da perspectiva cativante dessa humilde professora, o futuro médico teve o estímulo necessário para dar início à sua missão de vida.

É por esta via que eu entendo a “espiritualidade”. Penso que a crença em algo para além do mundo físico “denso” não é uma questão que possa ser racionalmente debatida, pois sobre este tema não me parecem haver evidências suficientes para posturas assertivas e peremptórias. Assim, prefiro entender tal vinculação com o mundo espiritual como essencial e primitiva, algo que tem a ver com como sentimos o mundo, e não como o pensamos. A partir deste sentimento é que o sujeito estabelece sua visão teleológica da estrutura íntima do universo, suas causas e consequências.

Dito isto, eu creio que todos nós nascemos com uma missão. Chegamos a esse mundo para cumprir tarefas, que vão produzir melhorias em nossa compreensão do mundo e da natureza última do universo. Entretanto, não me refiro a forma grandiloquente ou pedante de definir a palavra “missão” que normalmente usamos. Para mim, a “missão” trata de um projeto subjetivo, pessoal e ligado às dificuldades específicas de cada sujeito. Isso determina que o sucesso de uma existência esteja nessa possibilidade pessoal de crescimento, e não nos resultados econômicos, intelectuais ou políticos percebidos. Da mesma forma, não acredito que o sujeito tenha compromissos específicos e prévios antes de nascer; a missão do sujeito aparece nas circunstâncias e nos contextos de cada vida e de cada sujeito, e pode se modificar quantas vezes forem necessárias. Pode trocar os caminhos, mudar as barreiras a enfrentar, modificar os grandes objetivos e subverter a ordem das etapas, mas o fim será sempre adquirir experiência e crescer.

Por esta forma de ver cada etapa de vida, a missão vai sendo construída no labor diário, e pode ser tanto cuidar da sua mãe, educar seus filhos, proteger um marido, acalentar seus parentes, ajudar sua mulher e todas as ações humanas que nos levam para longe do egoísmo e da ignorância. Pode ser também comandar um país, uma cidade ou um Império, mas também dedicar-se a tarefas humildes como aquelas de uma simples professora de biologia. É importante lembrar que as grandes tarefas do planeta só foram possíveis graças ao trabalho anônimo de milhões de pessoas, cada a delas em sua missão pessoal, lutando solitariamente para serem melhores do que quando aqui chegaram.

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Incompatibilidade

Ciência e religião são realmente incompatíveis, mesmo quando ambas apontam para a mesma verdade. A religião se ocupa com o “porquê”, e a ciência com o “como”. Entretanto, a ciência precisa de método, enquanto a religião apenas fé. A ciência precisa ser falsificável, a religião não. A ciência não aceita dogmas, a religião se baseia neles. São incompatíveis porque seu objeto e seu caminho são distintos, mesmo quando encontram o mesmo fenômeno – ou a mesma Verdade. São incompatíveis pois tem objetos diferentes e caminhos distintos, mesmo quando chegam à mesma conclusão.

Exemplo: o espiritualismo crê na existência do Espírito, ou seja, na pré-existência e na sobrevivência da alma. Isso não tem respaldo na ciência, pelo menos até agora. Entretanto, com o progresso da técnica, seria possível imaginar no futuro um aparelho capaz de captar vozes, mensagens e imagens que atestassem esse fato, e desta forma a vida após a morte seria comprovável. O espiritismo e a ciência estariam apontando para o mesmo fato, mas por caminhos diversos, porque uma simplesmente acreditou, fez uso da fé, enquanto a outra só pôde aceitar tal informação após se render às necessárias evidências.

Quando os religiosos mostram que suas crenças estão baseadas em “revelações” estão provando meu ponto. Em ciência, como bem o sabemos, isso é um absurdo total. Imaginem Einstein explicando o espaço-tempo aos seus pares e afirmando: “Não se faz necessária qualquer lei ou equação que o explique. Acreditem em mim; trago-vos a revelação”. Ora, isso não faz sentido algum.

Mas essa é a lógica das religiões. Todas.

Athaide de Vermon, “Manuscritos”, Ed. Veritá, pág. 135

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