Prefiro a primavera, mas não esperem de mim preconceito com qualquer outra prima. Preferência, isso vocês verão. Estou errado outono caminho certo? Entre o calor insuportável do Carnaval e o inferno gelado que segue a estação dos ventos, ainda escolho a época das bergamoteiras recheadas com seu amarelo cítrico e seu sabor de lagarteio…
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Agora vai?

Não acredito na possibidade da esquerda fazer festa nas ruas pela possível prisão de Bolsonaro. Não vejo esse clima no país. Aliás, o Brasil, em médio e longo prazo, nada ganha com isso e nós assinamos embaixo de mais uma solução punitivista do STF que não vai ajudar o país a suplantar a chaga da extrema direita fascistoide. Não podemos esquecer que o gado bolsonarista também fez festa com o impeachment de Dilma e a prisão de Lula e hoje Dilma é personagem mundial como dirigente do banco dos BRICS, e Lula é o presidente da República. Temo que a prisão do meliante Bolsonaro seja uma “Vitória de Pirro”, que ainda poderá se voltar contra nós da esquerda. Nenhuma novidade: sempre que o judiciário, braço jurídico da burguesia, ataca setores da direita, não é por amor à justiça, mas por autopreservação. Depois a carga vem com toda a força contra a esquerda.
Estou velho demais para comemorar decisões da justiça burguesa como se fossem vitórias da cidadania, da justiça ou da sociedade. Esse mesmo STF burguês já mandou Olga Benário (mulher de Prestes) para morrer na Alemanha nazista, subscreveu o golpe militar de 1964, aceitou o golpe contra Dilma e determinou a prisão ilegal e inconstitucional de Lula. Por que deveríamos agora, de forma tola e oportunista, considerá-los patriotas e amantes da justiça? Não, eles são personagens ativos na manutenção de todas as desigualdades do país, aceitando conchavos e grandes “esquemas nacionais” para o favorecimento de atores políticos poderosos da burguesia.
Mas sim, haverá festa nas redes sociais. Não serei eu o “estraga prazer” que vai impedir que o povo comemore a punição de uma figura nefasta como Bolsonaro e seus asseclas. Haverá, por certo, uma chuva interminável de memes, fotos, embrulhadas com choradeira, festejos, gritos, e ranger de dentes, tudo misturado numa ofegante epidemia mais parecendo um Carnaval – ô Carnaval, ô Carnaval. Mas, vai passar, e o Brasil continuará com a mesma carência de consciência de classe, com os pobres votando nos milionários e as elites sangessugas controlando a todos com seus cordéis dourados. Precisamos mais do que um carnaval para curar o Brasil.
Também tenho fé que as manifestações de apoio ao Mito serão tímidas, aliás como já estavam sendo, cada vez mais minguadas. Pouca gente terá coragem de sair às ruas, a não ser os de sempre: militares da reserva, senhoras de laquê no cabelo alourado, jovens herdeiros, garotos com sonhos de abrir uma startup, pequenos comerciantes, youtubers de direita, a pequena burguesia de médicos e advogados, etc. Todos vestindo a camiseta da seleção brasileira, carregando bandeiras como cachecois, e cartazes pedindo o retorno da ditadura. Só não vai aparecer o famigerado cartaz “Eu autorizo”, pois poderá parecer um recado para o Alexandre de Moraes. Entretanto, desta vez serão muito poucos; as acusações são graves demais; sair na rua para apoiar quem planejou matar tantas pessoas vai também constranger muita gente.
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Gisele
Lembrando pra galerinha da treta:
A Gisele não é o problema; ela é apenas uma das manifestações do problema, que é o capitalismo. O caso dela é escandaloso porque o fosso que a separa das pessoas humildes que a cercam é obsceno. Todavia, culpar a Gisele, o Neymar, o Elon ou o Paul McCartney é fulanizar um problema sistêmico que só serve para estimular o proletariado a se dispersar, caindo na armadilha identitária de criar ataques entre os mais e os menos oprimidos.
Nos próximos passos previsíveis dessa treta vamos acusar a professora por ganhar muito mais do que a tia do cafezinho esquecendo que AMBAS são brutalmente exploradas pelo mesmo sistema, inobstante o fato de serem de raças e salários diferentes. Numa sociedade socialista a obscenidade dessa disparidade desumana e indecente não seria tolerada, pois a consciência de classe não aceitaria tamanha ofensa à dignidade humana.
Ahhh, nao esqueçam que Gisele vende sua imagem, que é o seu trabalho. Ganhar 10 milhões para que sua imagem seja vinculada à uma cerveja não é o problema. O escândalo mesmo é uma empresa do Lemann PAGAR por isso.
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O Carnaval das Classes
Uma amiga foi visitar pela primeira vez o Carnaval da Bahia e resolveu comprar um abadá – uniforme especial do Carnaval baiano – que permite a ela brincar dentro do encordoamento que separa os que pagam (bastante) para ficar próximos ao trio elétrico dos “pipocas”, que por nada pagarem seguem a folia do lado de fora. Não saiu barato, mas suas economias do ano anterior foram suficientes para garantir essa extravagância colorida de verde e amarelo.
A festa corria solta e animada até que algo inesperado aconteceu. Quando o trio elétrico se aproximava da Praça Castro Alves, e a banda começava a cantar a música de Caetano em sua homenagem, todos os cordeiros (seguranças que controlam as cordas de separação) foram acionados para conter uma confusão próxima, e com isso muitos “pipocas” invadiram a parte exclusiva da turma do abadá. Como a invasão foi muito abrupta, rapidamente a área reservada se viu pintada de muitas cores, em especial a dos soteropolitanos mais pobres e escuros que se misturaram aos sulistas e aos turistas estrangeiros de pele avermelhada pelo sol da Bahia. A banda torpedeava “A Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião” enquanto uma súbita democracia de raças, credos e castas tomou conta da rabeira do trio elétrico. Enquanto o povo se divertia na mistura inesperada a cantora abria o grito, alheia ao que estava acontecendo.
Aos poucos a alegria genuinamente popular que ocorreu com a invasão deu lugar a um crescente desconforto. A entrada do povo na parte restrita às elites começou a desagradar aqueles que se sentiam invadidos. Não que estivessem perdendo algo (já haviam pago mesmo), até porque nada lhes foi retirado. Sequer era espaço o que lhes faltava, pois antes já estava bastante lotado. Não, a inconformidade se dava pela invasão de um espaço que consideravam seu, o qual estava sendo usurpado por aquelas pessoas mais pobres. Não era nenhuma perda objetiva, mas a sensação desagradável e subjetiva de dividir espaço com aqueles a quem não julgavam como iguais. Afinal, tinham pago; portanto, tinham mérito. Tinham, por esta razão, direito a um lugar exclusivo.
A nenhum deles ocorreu, no meio da folia, das músicas, dos beijos roubados, da dança frenética e dos goles de cerveja questionar porque uma festa popular dividia o povo entre os que podem mais e os que podem menos. Muito menos ocorreu a qualquer um dos que vestiam abadá se perguntar as razões e as circunstâncias profundas que lhe permitiram estar do lado de cá da corda. Não, não havia clima para estas perguntas incômodas. A solução encontrada foi uma chamada conjunta de todos que vestiam o abadá verde-amarelo para que os seguranças jogassem todos os penetras para fora. “Voltem para o seu lugar”, gritavam. “Eu tenho o direito de estar aqui, você não”, diziam outros. “Eu paguei, não tenho culpa se você é pobre”.
Em alguns minutos, após a intervenção violenta dos seguranças, a ordem foi restaurada e mais uma vez só havia abadás verde-amarelos entre as cordas. “Eles que façam um carnaval só para eles”, disse o alemão barrigudo que segurava a mulata pela cintura. “Esse aqui é nosso”, completou. O trio elétrico parado na Praça chacoalhava os vidros dos sobrados centenários de Salvador e fazia as ondas do mar próximo quebrarem no ritmo dos atabaques. No centro da praça, impávido e pétreo, Castro Alves recitava em solilóquio alguns versos que surgiram em seu pensamento. Talvez – como saber? – fosse uma lembrança que, sem perceber a razão, lhe ocorreu naquele exato instante de euforia máxima e frenesi apoteótico.
“Existe um povo que a bandeira empresta
Prá cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! …”
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