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Pilhou, perdeu

* Na imagem a camiseta personalizada da comunidade, nas cores roxa e amarela, cuja combinação bizarra e esdrúxula foi escolhida para não correr o risco de ficar parecida com a de qualquer clube do país. Meu número é em homenagem, claro, ao partido. *

Existe uma comunidade antiga no Facebook que se chama Futvacas. Foi criada pelo meu irmão Roger Jones como um “spin off” da Progvacas, antiga comunidade de rock progressivo que migrou do Orkut para o Facebook. Pois na Futvacas as pessoas são amigas e torcem para clubes diferentes e o mito fundador desse grupo é a zoação. Ali o “clubismo” é mais do que tolerado; ele é bem vindo. “Isenção é para os fracos”, dizemos.

Criamos uma comunidade para zoar e debochar dos adversários, falando de suas fragilidades, pegando pesado, fazendo gozações, publicando memes etc. “Palmeiras não tem mundial”, “Flamengo mulambento”, “Grêmio rebaixado”, “torcedor do Inter que precisa ir no cartório para ver um título“, “Botafogo cuja torcida cabe numa van”, “Corinthianos maloqueiros” etc. Pura pegação…

Claro, há limites. Sem racismo, sem xenofobia, sem homofobia, sem ataques pessoais ou à honra. Não é uma terra sem lei, mas a gente apostava no bom senso e em uma lei maior que regia a todos:

“Pilhou, perdeu”.

Essa é a regra. Pode zoar todo mundo, mas se o seu time perdesse tinha que aceitar e ser forte para aguentar a troça. “Se ficar brabinho é porque sentiu”. A gente frequentemente diz algo peremptório como “Meu time ganhou de todos vocês, ENAFB”, onde a sigla significa “E Não Adianta Fazer Beicinho”. Ra ra ra ra ra….

Quem responde com rispidez, ou usa “ad hominem” como resposta, perde. Não só perde como sua atitude é apontada por todos como inadequada e derrotada. Perder as estribeiras é a suprema demonstração de fraqueza e de fragilidade, não apenas do interlocutor, mas quem ele representa: seu clube, sua tradição, a região do Brasil onde mora, etc. Ficar irritado é humilhação.

A comunidade exige essa maturidade de quem participa. “Não aguenta a flauta? Não suporta zoação com seu time? Então não desce pro play pra brincar.” Se você não aceita a que os outros mostrem seus aspectos ridículos e menores, suas contradições e falhas, então não merece conviver com gente que usa estas piadas – e o processo de humanização que elas estimulam – para fortalecer amizades.

“Mas porque ficam zoando de mim logo hoje, quando estou triste pela derrota do meu time?”. Pois esta é a função principal da piada: derrubar o ego de quem se acha acima do resto da humanidade, mostrar a nudez do rei, expor o humano frágil em cada um de nós, assim como nossas falhas, nossos erros, nossa pequenez.

Não lembro de ninguém achando que uma piada sobre “a falta de taças de um clube” merecia uma troca de socos, e muito menos que essas coisas ofendiam a honra de alguém. É muito claro para todos os participantes que as atitudes “floco de neve” são absolutamente mal vistas, e talvez a seleção dos participantes seja nossa maior virtude.

PS: Sim, a razão da postagem é lembrar que a vida pública exige maturidade. Ir numa festividade do Oscar e não aceitar a tradição mais antiga da casa – o “roasting”, o deboche com estes artistas e produtores milionários e suas vidas pessoais muito sujas – é ridículo e indecente.

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Violência e preconceito

O fato de um representante da corporação médica se comportar de maneira tão deselegante e agressiva em um debate em que se encontrava uma doula é um claro sinalizador do seu desconforto. Por isso que ao dizer que “os médicos não se importam com essas insignificâncias” referindo-se às doulas, estava mentindo. Ele se importa, e MUITO, por isso seu destempero e descontrole. Por isso o ódio e o desprezo. Só há agressão quando o outro lhe afeta e tais atitudes comprovam que as doulas estão incomodando e remexendo nos velhos papéis.

Esse representante dos médicos sabe que a doula, por ser testemunha das múltiplas violências (morais, emocionais e inclusive físicas) a que as gestantes são submetidas, enfraquecem o poder soberano e absoluto exercido sobre seus corpos pelos obstetras. Estes médicos temem que seu poder seja ameaçado por qualquer forma de “intromissão”. É compreensível o pânico do doutor.

O mesmo tipo de deboche, escárnio e acusações descabidas eram usados contra as enfermeiras há 30 anos, exatamente pelas mesmas razões: a presença de um personagem alheio ao meio médico capaz de denunciar os engodos, as violências e inclusive as artimanhas para induzir cesarianas. O tempo provou a validade e a qualidade superior do trabalho das parteiras profissionais, e ele também fará com que as doulas sejam lentamente incorporadas pelo sistema. Médicos terão que se adaptar a estes novos atores porque sua presença é comprovadamente (Cochrane, OMS, etc) um fator de qualidade na atenção ao parto.

PS: não se espantem com a grosseria e a violência. Elas surgem do desespero e da falta de argumentos. Quando se está com a razão a serenidade aparece naturalmente; sem ela o desespero toma conta e as ofensas e gritos são via de regra a trágica consequência.

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