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Estética

Acho muito bizarra a campanha que foi feita nos últimos dias afirmando que o uniforme dos atletas olímpicos é feio, que se relaciona com o universo evangélico (??), que é antiestético e que não representa nosso país. Nos últimos dias a TV francesa disse que este mesmo uniforme, alvo de tantas críticas dos “experts” brasileiros, é um dos mais bonitos da atual competição olímpica. Minha estranheza vem do fato que toda a nossa noção estética é artificial, produzida por ondas de aceitação e rejeição controladas por forças poderosas do mercado. Querem exemplos?

Lagosta, até poucos anos atrás, era comida de pobres, de miseráveis, os restos imprestáveis da pescaria. A Paella espanhola e a Feijoada brasileira são comidas consideradas especiais e designativas de suas especificas culinárias, monumentos da cultura gastronômica, mas em sua época eram consideradas “resto”: a sobra da pescaria e comida de camponeses, o que restava de comida, formada pelas partes menos nobres do animal (aqui há controvérsias). Hoje são todas iguarias, caras e sofisticadas, reservadas aos mais abonados. Lagostas, paellas e feijoadas se tornam alimentos “bons” ou “ruins” não pelo gosto ou pelas suas qualidades nutritivas, mas pelo momento histórico no qual foram consumidos.

Fotos antigas nos mostram penteados, roupas e sapatos que hoje consideramos feios e até ridículos, mas que foram vistos como lindos e exuberantes em seu tempo. Quem não recorda dos “mullets”, das calças boca de sino, das costeletas, das cuecas à mostra, dos cabelos armados e de tantas outras modas passageiras? No lançamento, as novas camisetas de clubes são adoradas e atacadas em igual proporção pelos torcedores. Qual a camiseta de clube mais linda do Brasil? Quem não lembra da estética gordinha das divas do século XVIII? Hoje seriam consideradas feias e candidatas à depressão. No Sudão, um país de negros longilíneos, há um festival nacional onde as tribos que se reúnem e apresentam numa competição o sujeito mais obeso – que naquela sociedade é sinônimo de beleza. Ou seja: não existem valores objetivos e naturais sobre questões de gosto ou beleza e mesmo a respeito da feiura. Qualquer afirmação peremptória sobre a estética de uma roupa, modelo de carro ou mesmo sobre as formas do corpo humano poderá cair, em muito pouco tempo, no mais absoluto anacronismo.

Atacar o uniforme dos atletas me parece a imposição de uma percepção subjetiva sobre as outras consciências, tentando tornar objetivo um aspecto absolutamente subjetivo mutante, inconsistente e temporal da vida cotidiana. Todavia, para além disso, também representa um aspecto bem macunaímico da nossa cultura, que desfaz do trabalho feito no nosso país e exalta a produção estrangeira.

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Bodas

Minha filha veio nos avisar que hoje completamos 41 anos de casados. Ficamos surpresos com as mais de 4 décadas de convívio, mas não tanto quanto minha mãe ficaria, se ainda estivesse viva. Trago vivido na memória seu comentário para o meu pai quando comecei a namorar: “Isso aí não vai durar; ele não leva jeito pra essas coisas.”

Parabéns Zeza, pela excelente escolha. Você é a prova viva que mulheres inteligentes sabem escolher os melhores exemplares, extraindo deles toda a feiura para produzir, com o que sobra, filhos bonitos.

PS: Tese surgida na comuna: as mulheres usam seus genes para suavizar a a cara feia dos seus maridos, e assim agem ativamente para produzir filhos bonitos. Óbvio que eu discordei dessa ideia, mas depois de passar 24h pensando em um exemplo para contrapor, desisti. A genética tem sua sabedoria.

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A Princesa e as Escolhas

A princesa e seu cavalheiro

Então, a decisão para o galante cavalheiro foi pronunciada com severidade:

“Podes escolher entre estas opções, nobre senhor. Poderás ter a mais bela mulher de dia, para mostrar nas festas, para os visitantes, para os assuntos oficiais e para a corte. Por outro lado, terás uma mulher horrenda em tua cama, pegajosa e malevolente, por quem terás repulsa.

A outra opção também te será complexa: Poderás ter uma mulher horrenda e asquerosa durante o dia, que te envergonhará diante do reino inteiro, comportando-se como uma ogra nas festas, nas recepções e nos encontros com os signatários de outros reinos. Em compensação terás uma mulher linda, graciosa, meiga, sensual e carinhosa a compartilhar contigo os lençóis. Ela afagará teu cabelo, te dará conforto após as batalhas e pronunciará palavras de apoio diante de tuas angústias.

Agora tu tens o poder de escolher qual das duas faces desta maldição preferes: a mulher linda à luz do dia e perante os olhos de teus súditos, mas horrorosa quando o sol desaparece nas montanhas; ou aquela feia na luminosidade das horas mas delicada e desejável quando o véu da noite cobre a todos nós com seu breu.”

O nobre cavaleiro olhou para um ponto fixo no horizonte e depois de poucos instantes de reflexão respondeu:

A mim não cabe decidir sobre a vida de outrem. Se ela será feia ou bonita, desejável ou repugnante é uma decisão que só pode estar nas suas próprias mãos de princesa. A mim cabe apenas o direito de querê-la ou não. Não posso modificá-la diante do meu desejo, minhas ideias e minhas escolhas.

Respirou profundamente, olhou para aqueles que lhe dirigiram a palavra e completou: “Deixem que ela decida como a maldição se fará. Prefiro viver ao lado de uma princesa que seja capaz de decidir sobre sua própria vida.

E quando lhe foi oferecida a oportunidade de escolher como desejava ser perante seu amante o feitiço que nela habitava sumiu. Sim, de forma instantânea ele se foi, pois esta era a chave que a libertaria: o direito restituído de escolher o próprio destino e ser protagonista da própria vida. Liberta das amarras milenares do poder obliterante de uma cultura machista ela agora podia escolher seu caminho, fazer o que bem desejasse, dizer o que lhe viesse à mente, abrir seus lábios e beijar a quem seu desejo apontasse e amar aquele que seu coração abraçasse. Assim, solta, pôde finalmente seguir seu desígnio humano de cumprir com os mais altos fins de sua existência.

Fechando o livro, o velho olhou para os olhos do seu netinho e completou: “E assim ela viveu, feliz para sempre, mas não tenho sequer a certeza de que tenha se casado com o príncipe que a libertou. É possível, claro, mas é igualmente razoável que tenha até ficado só. E digo isso por uma única razão: o que aconteceu depois de cair o feitiço só ocorreu porque ela assim escolheu”.

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