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Nutellas

Não são alunos “Nutellas”; o crime deles é serem pessoas normais…. ainda. A reação dos alunos iniciantes ao sangue, aos cortes, à brutalidade e à crueza das cirurgias é porque eles olham para os corpos dotados de alma. Os cirurgiões, por seu turno, conseguem – através de um longo treinamento – produzir um isolamento que lhes possibilita analisar o corpo “real” constituído tão somente de artérias, veias, ligamentos, ossos e tecido conjuntivo.

Fica evidente, pelas imagens, que se trata de alunos do primeiro ano. Minha experiência diz que praticamente ninguém fica impassível ao ver uma cirurgia pela primeira vez; não há como separar a carne cortada da alma que sofre. A dissociação que produz a percepção do “corpo real” do paciente, em contraposição ao “corpo erotizado” com o qual lidamos no cotidiano, é fruto de um lento processo de adaptação, o que leva a um estado de relativa insensibilidade à dor e ao sofrimento alheio. Este mecanismo é fundamental para proteger o psiquismo dos profissionais e permitir uma tomada de decisão mais racional, mas tem como parefeito a conhecida “frieza” dos cirurgiões. Entretanto, sem este tipo de isolamento afetivo toda a ação dos profissionais de saúde seria praticamente impossível, pois que seria danosa para eles.

Robbie Davis-Floyd se ocupou deste tema ao escrever sobre a escola médica como um “rito de passagem”, onde sujeitos comuns (como os garotos e garotas da imagem) se transformam em médicos. Este processo percorre toda a faculdade de medicina, e possui etapas bem conhecidas. A reação deles nada tem a ver com coragem ou com a qualidade dos profissionais que vão se tornar. Existem médicos clínicos, formados há anos, que desmaiam diante de cirurgias, pois nunca se acostumaram (adaptaram) a este contexto invasivo.

Para ser sincero, gostaria que estes alunos tivessem essa reação ao saber dos abusos de cesarianas no seu país, que sacrificam mulheres e crianças para proteger e beneficiar a máfia que controla estas cirurgias.

Veja o vídeo aqui

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Médico ideal

(…sobre a produção do “médico ideal”)

Desde a época da escola médica recebemos daqueles que nos orientam a ideia de que envolver-se com os pacientes é uma atitude “fraca”, “débil”, que demonstra uma labilidade emocional e afetiva, a qual aponta para uma falha formativa. O subtexto dessa formação é que o “médico perfeito”, na concepção platônica, deveria ser como o juiz: frio, duro, imparcial e sem qualquer esboço de emoção. Ou como o Dr. House: insensível, técnico, bruto, estúpido, grosseiro e genial.

Talvez esta visão de médico tenha uma conexão atávica com os antigos operadores de casaca curta, os “cirurgiões barbeiros”, que não carregavam nenhum sangue nas veias e se mantinham de pé sustentados por seus nervos graníticos, que arrancavam pernas, cálculos da bexiga e braços sem anestesia, olhando a dor, a agonia e até a morte dos pobres enfermos sem sequer mover as sobrancelhas.

Mark Lipmann, “Doctors from the Heart”, ed. Volare, pag. 135

Mark Weinstein Lipmann é um pediatra americano nascido em Houston – Texas em 1954. Foi criador e diretor do Centro de Pediatria de Pasadena, cidade para onde se mudou após terminar a residência em pediatria e neonatologia. Desde muito cedo começou a questionar o modelo tecnocrático de atenção à saúde, com intervenções exageradas e potencialmente perigosas, em especial na sua área – a pediatria. Desta forma, começou a militar nos movimentos de apoio à amamentação, sendo membro integrante da conhecida “La Leche League”. Escreveu inúmeros artigos sobre amamentação e inclusive a importância do parto normal e fisiológico para a introdução imediata da amamentação, assim como a importância da ausência de drogas no leite materno para um processo de aleitamento mais tranquilo e efetivo. Foi perseguido pela corporação médica de sua cidade por sua militância pelo parto e pela amamentação, e seguiu lutando a despeito das agressões e sanções. No livro “Doctors from the Heart” enumera suas convicções e o arcabouço teórico e filosófico do suporte à amamentação livre e ao parto normal. Foi aclamado pela crítica como “um libelo a favor da natureza humana e pelo resgate de uma vida mais simples e saudável” por sua postura firme, embasada e concisa sobre a importância de resgatar a fisiologia perdida pelo capitalismo e a tecnocracia.

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