Um fato curioso ocorreu há alguns dias concernente à discussão da humanização do nascimento no nosso meio. Diante de um questionamento sobre “parto humanizado” e “parto domiciliar” eu escrevi um pequeno texto de dois parágrafos na minha timeline do Facebook que reafirmava um antigo posicionamento meu sobre os elementos que compõem o conceito de “Humanização do Nascimento”. Esta definição foi expressa no meu segundo livro “Entre as Orelhas – Histórias de Parto”, no capítulo “Parir Sozinha”, na página 223. O texto que eu publiquei tinha como objetivo desfazer a confusão que ainda existe sobre “humanização do parto” e “parto domiciliar”. Aqui está o que foi escrito no Facebook:
O parto humanizado se sustenta sobre um tripé conceitual:
1 – Protagonismo da mulher
2 – Visão interdisciplinar e integrativa
3 – Respeito à MBE (Medicina Baseada em Evidências).
Portanto, LOCAL DE PARTO, não qualifica ou desqualifica parto humanizado. Pela conceituação acima pode-se perceber que é possível encontrar partos humanizados em qualquer ambiente. E os “desumanizados” também. Precisamos educar as pessoas para que não confundam mais partos humanizados com partos em casa.
De forma surpreendente recebemos, uma semana depois, um texto OFICIAL da Febrasgo (Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil) em que vários pontos foram chamativos (o texto na íntegra pode ser lido abaixo, assim como sua referência no site da Febrasgo). Entre os pontos interessantes do documento podemos citar:
“O reconhecimento do parto domiciliar como uma das opções válidas das mulheres que procuram um parto humanizado, o que é uma virada histórica na postura desta associação. Antes de criar “terrorismo”, induzir a medos infundados, basear-se nas conhecidas pesquisas repletas de análises equivocadas, preferiu colocar-se a uma posição equidistante e respeitando a soberania da mulher em fazer escolhas informadas.
Estimula a criação de um “Plano de Parto”, antiga reivindicação dos ativistas da humanização do nascimento, mas que sempre foi visto com muita reserva por parte dos profissionais obstetras.”
O mais interessante: o texto se utiliza da MESMA classificação criada por mim há mais de dez anos para definir e conceituar o que seria um parto humanizado, como pode ser visto aqui em um dos capítulos do livro de 2004 “Entre as Orelhas – Histórias de Parto”:
Durante os últimos 15 anos eu me debrucei sobre a aplicabilidade de um suporte humanístico a um evento complexo como o nascimento humano que, ao mesmo tempo em que se distanciava do “naturalismo”, também guardava uma distância considerável do modelo contemporâneo da “tecnocracia”. Diante desse questionamento, eu estabeleci um modelo de assistência humanizada ao nascimento que se assentava sobre um tripé conceitual: O protagonismo restituído à mulher, sem o qual estaremos apenas “sofisticando a tutela” imposta nos últimos milênios pelo patriarcado. Uma visão integrativa e interdisciplinar do parto, retirando deste o caráter de “processo biológico”, e alçando-o ao patamar de “evento humano”, onde os aspectos emocionais, fisiológicos, sociais, culturais e espirituais são igualmente valorizados, e suas específicas necessidades atendidas. Uma vinculação visceral com a Medicina Baseada em Evidências, deixando claro que o movimento de “Humanização do Nascimento”, que hoje em dia se espalha pelo mundo inteiro, funciona sob o “Império da Razão”, e não é movido por crenças religiosas, ideias místicas ou pressupostos fantasiosos.
O texto deixa claro – e de forma inquestionável – a mesma opinião que eu já havia expressado anteriormente sobre a inexistência de relação entre o conceito de “parto humanizado” e o local onde ele será realizado. Isto é, o parto pode ser humanizado ou não, independente se for no hospital, numa casa de parto ou no domicílio. Como afirmamos há mais de 20 anos, a humanização do nascimento é uma ATITUDE de respeito ao protagonismo da mulher, à visão integrativa e interdisciplinar e à medicina baseada em evidências. O local do parto, apesar de ser uma escolha importante para o conforto e a segurança de toda a mulher, não qualifica (ou desqualifica) um parto humanizado.
Coincidência? Eu não creio. Sincronicidade? Talvez… Acredito que de forma cada vez mais clara as associações médicas estão modernizando seu discurso e sua postura em direção a uma visão mais respeitosa com a autonomia das mulheres e o protagonismo sobre seus partos. Tal fato ocorre especialmente pelo crescimento do ativismo do parto normal e da pressão que as mulheres estão exercendo sobre a mídia (em especial as Redes Sociais) e os cuidadores sobre a temática do parto normal e a necessária reforma na atenção às mulheres neste período tão significativo. A Febrasgo através de seus líderes reconhece a necessidade de mudança, percebe a importância de incluir o parto domiciliar como um desejo LEGÍTIMO das mulheres e assume como suas as reivindicações históricas da ReHuNa (Rede pela Humanização do Parto e Nascimento) e de todos os grupos favoráveis ao parto humanizado neste país. Só nos resta saudar a postura renovadora e consciente de seus líderes, que perceberam a urgência de promover mudanças em direção ao pleno protagonismo feminino no nascimento, e no reconhecimento da VALIDADE destas escolhas.
Veja abaixo o texto da Febrasgo, e compare com os textos que publicamos uma semana antes no Facebook e dez anos atrás, no livro “Entre as Orelhas”:
“Parto pode ser humanizado independente do local ou das intervenções Cada vez mais, aparece o termo “Parto Humanizado” nos grupos de discussão de parto nas redes sociais, nos sites dos profissionais que prestam atendimento obstétrico e na mídia. Mas, na verdade, pouquíssima gente sabe realmente o que significa humanizar a assistência ao parto. O parto humanizado não é uma técnica de parto. Não é o mesmo que parto domiciliar, e também não é o mesmo que parto natural. Independente do local ou das intervenções, o parto pode ser humanizado. Assim como pode haver parto em casa ou parto natural que não é humanizado. “O parto humanizado é um conceito, onde o tempo do bebê e os desejos da mulher são ouvidos e respeitados.” E no caso de algum desejo da mulher não poder ser atendido, os profissionais que estão assistindo-a irão explicar o porquê, qual intervenção é necessária e ela dará seu consentimento.
Portanto, incentivar que a gestante/casal elaborem um plano de parto e compartilhem com as pessoas e/ou instituições que irão prestar assistência ao parto e nascimento desse casal deveria ser indiscutível e imprescindível para instituições/profissionais que dizem prestar assistência humanizada. O parto humanizado pode acontecer em um hospital, casa de parto ou na casa da parturiente, com equipe que assista a mulher com base em evidências científicas, sem terrorismos desnecessários. (o grifo é meu) O parto humanizado pode ser natural ou pode precisar de intervenções, a pedido da mulher (como a analgesia por exemplo) ou por indicação do profissional que está assistindo ao parto.
Sendo assim, podemos dizer que a humanização do parto e nascimento tem como base três pilares:
1- respeito à autonomia e protagonismo da mulher durante o processo da gestação, parto e pós-parto, com foco na fisiologia destes processos individualizando o olhar para cada binômio.
2- respaldo das condutas obstétricas e neonatais em evidências científicas recentes e de qualidade.
3- assistência multiprofissional e integral à gestante, parturiente, puérpera e bebê. Não há como humanizar realmente uma assistência quando o cuidado é prestado por apenas um profissional. Portanto a inserção de profissionais com olhares diferentes no cenário da assistência obstétrica e neonatal é imprescindível quando se deseja prestar um modelo humanista de atendimento.”
Veja aqui no site da Febrasgo: http://www.febrasgo.org.br/site/?p=10807&hc_location=ufi
(PS: o artigo foi retirado do ar…. outra coincidência?)